Economia

Estratégia de Trump com empresas é fascista, diz Nobel

Intimidar grandes empresas para manter postos de trabalho foi tática adotada por Alemanha e Itália antes da Segunda Guerra

Edmund Phelps: "gosto de pensar que existe a possibilidade de que ele cresça no cargo, como figura pública e como ser humano" (Stephen Hilger/Bloomberg)

Edmund Phelps: "gosto de pensar que existe a possibilidade de que ele cresça no cargo, como figura pública e como ser humano" (Stephen Hilger/Bloomberg)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 14h14.

São Paulo - A estratégia do novo presidente americano, Donald Trump, de intimidar grandes empresas, como Ford e Carrier, para que elas mantenham postos de trabalho nos Estados Unidos é semelhante ao que fizeram os Estados fascistas na Alemanha e na Itália dos anos 30 e 40 - e não vai funcionar.

A análise é do economista Edmund Phelps, de 83 anos, vencedor do Prêmio Nobel de 2006.

Para ele, a perda de bons empregos, que garantiu a vitória de Trump em Estados-chave, foi negligenciada pelos governos democratas e só um ambiente que estimule a inovação criaria um ciclo de prosperidade para os americanos.

Em relação ao Brasil, Phelps analisa que foi um erro usar o consumo como motor de crescimento e diz que o ideal seria apostar no apoio a jovens empreendedores.

A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo, por telefone, da Universidade de Columbia, em Nova York, onde leciona.

O que o mundo pode esperar de um "outsider" como Donald Trump na Casa Branca?

Agora, passada a surpresa, parece claro que a questão importante nessa eleição foi a irritação dos trabalhadores dos setores manufatureiros, que perderam tantos postos de trabalho a ponto de serem obrigados a aceitar vagas inferiores e com salários menores, no comércio e em empresas de serviços. Eles acabaram punindo o Partido Democrata pela queda de sua renda e viram em Trump uma saída. Difícil imaginar com clareza qual será o saldo do governo Trump para os Estados Unidos e para o mundo, mas gosto de pensar que existe a possibilidade de que ele cresça no cargo, como figura pública e como ser humano. Há exemplos em nossa história de presidentes que substituíram homens de personalidade mais forte e de quem não se esperava muito, mas acabaram se tornando excelentes chefes de Estado, como Harry Truman.

O sr. alerta em seus livros que o impulso criativo dos americanos tem sido substituído pela lógica corporativista. Como será ter um presidente com uma corporação que leva seu nome?

Qualquer pessoa que pense por esse prisma corporativista tende a ser muito negativa para o país. O pensamento corporativista costuma assustar o empreendedorismo, desestimular quem quer abrir novos negócios ou pretende criar produtos inovadores.

Em seus discursos, Trump dizia que era preciso defender o emprego dos americanos. Tentar convencer pessoalmente uma grande empresa a não se mudar para países com menor custo é uma política sustentável?

Trump parece acreditar que fazer bullying com grandes companhias, como a Ford e a Carrier, intimidá-las para que não retirem suas fábricas dos Estados Unidos ou tragam de volta empregos que levaram para o México, por exemplo, vai resolver o problema da perda de empregos. Não vai. São, é claro, personagens muito distantes, mas vamos nos lembrar em como Adolf Hitler lidava com a economia: ameaçando. Essa expansão da lógica corporativista é algo que não se via desde os governos fascistas da Alemanha e da Itália, nas décadas de 30 e 40. E não funciona. Ele, talvez, possa influenciar a empresa a manter os postos de trabalho, mas não pode obrigar ninguém a inovar ou a criar produtos de vanguarda, que representam o futuro do emprego neste século. É simples, não se pode obrigar alguém a inovar.

No Brasil, temos um contingente de desempregados na casa dos 12 milhões. Por que alguns países falham em manter grandes ciclos de pleno emprego?

Todas as economias passam por altos e baixos. A economia americana ia muito mal por quase 15 anos e estamos vivenciando um novo boom agora. É um pouco irrelevante avaliar o potencial de um país em seus melhores ou piores anos. São os anos intermediários que nos dão uma visão mais clara do caminho que está sendo traçado para o futuro do país. O Brasil agora tenta lidar com medidas de reorganização e corte de gastos, o que parece saudável. Eu detesto a ideia de que um país pode estimular sua economia com grandes déficits. Isso é uma maluquice, é quase criminoso. A responsabilidade fiscal é uma virtude, algo que vai nos recompensar no futuro.

Antes da crise, o Brasil usou o estímulo ao consumo como um motor de crescimento. Esse foi um de nossos maiores erros?

O estímulo ao consumo até pode funcionar por tempo limitado, mas essa é uma medida excepcional. Considerar o consumo como um possível motor de crescimento sustentável é um absurdo.

O que deixamos de fazer?

O crescimento sustentável de um país precisa vir da sua capacidade de desenvolver maneiras mais eficientes de produzir o que já existe ou da habilidade de criar produtos inovadores. Um bom governo é aquele que sabe estimular a população a se aventurar e empreender, mantendo um ambiente que facilite o espírito de inovação, uma instituição que saiba fazer com que a população veja o trabalho como uma forma de descoberta, não apenas como uma fonte de recursos para a sobrevivência. O que todos nós queremos é um Brasil cheio de pessoas que saiam felizes para trabalhar, certo?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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