Economia

Estamos colhendo humilhação depois do festejo da OCDE, diz ex-embaixador

Para Rubens Ricupero, ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda, Brasil trocou algo concreto (status de país em desenvolvimento na OMC) por algo vazio

Rubens Ricupero: "Minha posição é contrária ao ingresso na OCDE. Essa é uma antiga aspiração dos economistas liberais. Somos um país subdesenvolvido e não é por entrar na OCDE que vamos deixar de ser" (Flávio Santana / Biofoto/Exame)

Rubens Ricupero: "Minha posição é contrária ao ingresso na OCDE. Essa é uma antiga aspiração dos economistas liberais. Somos um país subdesenvolvido e não é por entrar na OCDE que vamos deixar de ser" (Flávio Santana / Biofoto/Exame)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 11 de outubro de 2019 às 09h28.

Última atualização em 11 de outubro de 2019 às 10h03.

São Paulo — Para Rubens Ricupero, ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda, a promessa de apoio dos EUA ao Brasil na candidatura à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi feita de modo improvisado e não haverá surpresa se Donald Trump não cumprir com a palavra que deu ao presidente Jair Bolsonaro. "Trump não é confiável." O diplomata é contra a adesão do País à OCDE.

Em carta enviada à OCDE no fim de agosto, os Estados Unidos não mencionaram apoio ao ingresso do Brasil. No texto, o país manifesta respaldo às candidaturas da Argentina e da Romênia. Com a repercussão negativa, o presidente Donald Trump reafirmou nesta quinta o suporte ao esforço do Brasil para aderir à entidade.

É surpresa a Argentina ter sido indicada antes do Brasil?

Os americanos fizeram essa promessa (de apoio ao Brasil) numa conversa, sem uma negociação calma, levando em conta as consequências. O que se vê agora é que o Brasil trocou algo concreto (o status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio) por um vazio (a promessa de apoio na OCDE), como a maioria do que foi anunciado naquela visita (de Bolsonaro aos EUA).

Não surpreende, porque o governo Trump não é confiável. Se estão dispostos a abandonar os curdos, que deram o sangue para ajudar os americanos contra o Exército Islâmico, imagina se iriam ser fiéis ao Brasil, que não fez por eles nada que precisem agradecer.

O que o Brasil perde sem ter recebido a indicação agora?

Minha posição é contrária ao ingresso na OCDE. Essa é uma antiga aspiração dos economistas liberais. Somos um país subdesenvolvido e não é por entrar na OCDE que vamos deixar de ser.

O Brasil tem de ter sua posição internacional ao lado de outros países em desenvolvimento. Nas questões de comércio mundial, as regras são muito desequilibradas. Devemos invocar o fato de que nossa economia está longe de ser avançada e, por isso, não temos condições de fazer concessões que se exigem dos outros.

É balela dizer que o ingresso na OCDE garante um selo de boas políticas econômicas. A Grécia, que faliu, é um membro.

Pode realmente haver uma expansão dos membros da OCDE?

Os EUA não querem uma expansão rápida porque representaria o ingresso de muitos candidatos apoiados pelos europeus. Eles dizem que uma ampliação rápida transformara a OCDE em uma organização de padrões mais baixos. Acho um erro completo querer ingressar.

Agora, estamos colhendo essa humilhação pública depois de terem feito todo esse festejo (quando foi anunciado o apoio dos EUA). Além do mais, isso é perda de tempo, porque duvido que França e Alemanha deixem de criar dificuldades no ingresso do Brasil.

Para ingressar na OCDE, o país tem de estar de acordo com as regras cambiais, de movimento de capitais, de meio ambiente. Tem um comitê muito forte na OCDE de políticas ambientais. Não vejo como o Brasil poderia passar nesse comitê com o que está acontecendo na Amazônia.

A Argentina havia pedido apoio dos EUA antes do Brasil. Era natural que fosse indicada antes?

Minha interpretação é que, como o pedido da Argentina era mais antigo e o país está em uma situação muito ruim, não vai entrar tão cedo na OCDE, resolveram apoiar a Argentina. Os EUA são contra o aumento do número de países membros da OCDE. Se apoiassem o Brasil, que já está aderindo a convenções da organização, seria um processo mais rápido.

Isso não quer dizer que, no futuro, os EUA não venham a apoiar o Brasil. Agora, tudo isso mostra que os países não têm amigos, têm interesses. Os EUA colocaram em primeiro lugar o interesse deles, que é não aumentar o número de países.

Como era mais fácil seguir o interesse deles? Indicando a Argentina, que está muito debilitada. Ela não vai poder cumprir os compromissos que são exigidos dos países que pretendem entrar na OCDE. O que ficou meio negativo foi os EUA terem preterido o Brasil pela Argentina na situação atual da Argentina.

A estratégia americana então é não mexer no bloco, apesar da indicação?

Você pode interpretar isso. Como eles são contra o aumento, colocaram dois países que terão dificuldade de cumprir as regras. Para o Brasil é ruim. Atrasa o processo de adesão.

Quando pode haver nova indicação de países?

É de tempos em tempos, mas não sei se há um cronograma.

O fato de o Brasil ter sido preterido indica que o País trocou o certo, o status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), pelo extremamente duvidoso?

Isso mostra o que disse antes, que os países não têm amigos, têm interesses. Você tem de defender o seu interesse. O Brasil não abriu mão do status de país em desenvolvimento. O que o Brasil concordou com os americanos foi abrir mão do tratamento especial e diferenciado, que é muito localizado na questão dos acordos comerciais, como tempo especial (para se adequar a uma norma).

Agora, como os EUA não cumpriram isso, o Brasil pode voltar atrás também se quiser. Acho que o Brasil não vai fazer isso, mas pode. Se não houve o apoio ao Brasil agora - e eu não vejo num futuro próximo o pedido de o Brasil ser atendido -, aí o País fica livre para modificar essa posição.

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