Bandeira do Brasil com notas de Real: novo governo terá desafio fiscal (Thinkstock Photos/Thinkstock)
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de setembro de 2018 às 11h36.
Última atualização em 16 de setembro de 2018 às 11h47.
São Paulo - Equilibrar as contas públicas. A medida, que pode levar a economia a dar um passo para trás em um primeiro momento, é apontada por economistas como primordial para colocar o Brasil numa trajetória de crescimento novamente, após dois anos de recessão e outros dois de resultados pífios.
Se o ajuste será feito com aumento de impostos, corte dos gastos públicos ou os dois, dependerá de quem for eleito, dizem os analistas.
"A questão fiscal vai vir antes de todas, a menos que um ambiente externo se torne muito favorável a emergentes. Provavelmente, vai haver aumento de impostos e corte nas despesas", afirma Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Contas equilibradas serão essenciais para a manutenção de uma taxa de juros baixa - quando há déficits fiscais menores, o risco de calote de governos diminui e o mercado financeiro aceita emprestar por um juro reduzido. Essa taxa de juros baixa poderá, por sua vez, alavancar os investimentos no País e, consequentemente, a economia.
Além da reforma da Previdência, projetos que incluam redução da isenção de impostos, como o fim da desoneração da folha de pagamentos, devem fazer parte da agenda para que o governo aumente a arrecadação e reduza o déficit fiscal.
"O Brasil transfere 4,5% do PIB para empresas em isenção fiscal, e há estudos que mostram que isso não resulta em aumento de produtividade", diz Castelar.
"Não dá para rever tudo que há de isenção, mas, se revir 25% disso, já teria quase 1% do PIB", acrescenta o professor José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB).
Para o economista, mexer na fonte de receitas é o mais urgente. "O ajuste tem de ser rápido e, para isso, tem de ser pelo lado da receita. O que se podia cortar (de gastos do governo) já se cortou."
Para reverter a deterioração fiscal do País, Oreiro coloca como alternativa a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a taxação de lucros e dividendos. Esses impostos garantiriam um aumento de R$ 130 bilhões a R$ 140 bilhões na arrecadação anual.
"É um aumento de 10% da receita. Praticamente zera o déficit primário (que, neste ano, deverá ficar em R$ 139 bilhões)", acrescenta Oreiro.
O ajuste fiscal também pode incluir a privatização de empresas, na visão de Castelar, mas será uma medida ligada à necessidade de levantar recursos, e não vinculada a questões ideológicas. "Não consigo imaginar uma mudança ideológica dramática de privatizar por acreditar na privatização."
Para Oreiro, entretanto, vender estatais não ajudaria o Brasil, sobretudo em um momento em que países como China e Estados Unidos vão no sentido contrário. "Se há problema de corrupção nelas, isso se resolve com governança."
Segundo ele, em geral, as empresas cuja privatização está em debate atuam em monopólios naturais e passá-las para o mercado não garantiria aumento de eficiência.
Na análise da economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University, a privatização não é uma "bala de prata".
"É simplório pensar ''vamos retirar o Estado da economia. O Brasil tem um grau de complexidade grande", diz ela, que destaca a necessidade de redução de cargos comissionados e uma gestão do Estado com pessoas preparadas, e não só indicadas politicamente.
Além de ser apontado como a medida mais importante, o ajuste fiscal é visto como uma das mais difíceis de ser adotada, já que esbarra no interesse de grupos bem representados no Congresso. "As demonstrações mais recentes dos parlamentares mostram que a tendência é justamente favorecer esses grupos", diz Castelar.
Segundo o economista Marcos Lisboa, presidente da instituição de ensino superior Insper e secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005, os privilégios corporativos têm tornado o País mais pobre. "A sociedade está acostumada a favores por meio de leis. Todos têm algum tipo de privilégio.
O servidor público não quer discutir estabilidade de emprego, por exemplo. O setor produtivo não quer abrir mão do crédito subsidiado. Isso leva o Brasil para trás."
Diante das dificuldades que o próximo governo deve enfrentar para aprovar medidas, a abertura do comércio ao mercado internacional pode ser uma ferramenta rápida para que o País ganhe produtividade e volte a crescer, na análise de Mônica.
"O governo tem capacidade de fazer tratados de comércio sem entrar em choque com o Congresso, que provavelmente ainda estará fragmentado", diz.
A abertura poderia alavancar a produtividade, pois, para se manterem competitivas com a entrada de companhias estrangeiras, as brasileiras teriam de achar um modo de serem mais lucrativas. "Para ter aumento de produtividade, as empresas precisam de um incentivo. Ele passa pela abertura comercial."
Maior acesso ao mercado internacional também é uma das medidas citadas por Castelar para o País voltar a crescer. Ele destaca que uma reforma tributária também poderia impulsionar a economia. A proposta passaria pela criação de um imposto sobre o valor adicionado no lugar de vários outros que hoje tornam o sistema mais complexo.
Importante indutor de crescimento, o setor de infraestrutura vive uma crise histórica. Sem investimentos e com milhares de obras paradas, o Brasil não consegue nem conservar a estrutura existente, que está se deteriorando dia após dia. Calcula-se que, para conseguir alcançar níveis internacionais, o País deveria investir 5% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano durante duas décadas. O problema é que estamos investindo 1,7% - quase a metade do que é necessário para manter os ativos existentes.
Sem infraestrutura adequada, o País perde competitividade, encarece o produto nacional no mercado externo e prejudica a população local, que tem de pagar por um produto mais caro. Para colocar o setor numa rota de crescimento vigoroso, o próximo governo terá de resolver uma série de pendências e eliminar problemas crônicos.
Um deles é a falta de planejamento para investir. "O ponto de partida do novo governo será investir mais e melhor", diz o presidente da consultoria InterB, Cláudio Frischtak. Sua expectativa é de que o governo seja obrigado a manter um rígido ajuste fiscal, com aperto nos investimentos. Se isso se confirmar, afirma Frischtak, o novo presidente terá de criar fórmulas para atrair a iniciativa privada.
O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, diz que o País não pode cair na armadilha de achar que tudo será feito pelo investidor privado. Isso porque nem todos os projetos têm rentabilidade. "Isso só será feito com capital privado se houver retorno."
Os analistas afirmam que algumas áreas serão mais simples para atrair investimento porque já passaram por reestruturação. Um deles é o setor elétrico. Na área de transmissão de energia, depois de mudanças, os leilões têm sido concorridos. O desafio será continuar expandindo a matriz elétrica e interromper a escalada das tarifas no País, que não param de subir de 2013 para cá.
O setor aeroportuário também teve resultados positivos depois de mudanças no modelo de concessão. Quase todos os aeroportos licitados nos primeiros leilões enfrentaram dificuldades. O Galeão teve de mudar de mãos e Viracopos está em recuperação judicial.
Nas primeiras licitações, o foco do negócio estava mais na construção do que na operação. As regras mudaram e, no último leilão, os vencedores foram grandes operadores internacionais, afirma o advogado especialista em infraestrutura do L.O. Baptista, Marlon Ieiri.
Os maiores entraves estão na área logística, afirma o gerente executivo de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso. Segundo ele, no setor ferroviário, o governo precisa definir a renovação das concessões que vencem nos próximos anos.
Nas rodovias, por onde passam quase 70% da carga movimentada no País, o novo presidente terá a missão de melhorar a qualidade das estradas. Já no setor portuário, para Cardoso, da CNI, uma das decisões mais difíceis será privatizar - ou não - as companhias Docas, que administram os portos públicos.
De todos os setores, no entanto, o que merecerá mais atenção será o de saneamento básico. Com apenas 57% dos imóveis com coleta de esgoto, o País não conseguiu fazer os investimentos deslancharem no setor.
"O próximo governo não tem outra saída a não ser acelerar a agenda de infraestrutura, que inclui especialmente a privatização de alguns ativos", diz o sócio da área de infraestrutura do escritório Machado Meyer Advogados, Mauro Penteado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.