Economia

Entre mísseis e cinemas: a rápida revolução saudita em 2017

Um dos países mais conservadores (e ricos) do planeta, a Arábia Saudita apresentou um orçamento prevendo aumento de 20% nos gastos em 2018

EDIFÍCIOS EM RIADE: o escudo anti-aéreo interceptou um míssil (Faisal Al Nasser/Reuters)

EDIFÍCIOS EM RIADE: o escudo anti-aéreo interceptou um míssil (Faisal Al Nasser/Reuters)

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Camila Almeida

Publicado em 20 de dezembro de 2017 às 11h55.

Última atualização em 20 de dezembro de 2017 às 11h55.

Para um país que levou 140 anos para permitir que as mulheres dirigissem automóveis, a Arábia Saudita tem se mexido numa velocidade impressionante. O ano de 2017 foi marcado pela ascensão do príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, empossado em junho. Em poucos meses, ele prendeu antigos aliados, aumentou o nível de tensão com Irã e Iêmen, acelerou a modernização na petroleira estatal Saudi Aramco e anunciou a volta das salas de cinema ao país.

A mais nova mostra de que as mudanças na maior potência econômica do Oriente Médio não vão parar tão cedo veio nesta terça-feira. O governo divulgou o orçamento para 2018, o maior já apresentado na história do reino. Serão 293 bilhões de dólares para investimentos, um aumento de quase 20% em relação a 2017. A ordem é investir para diversificar – e para se proteger.

Nesta terça-feira, mesmo dia do anúncio do novo orçamento, os sauditas interceptaram um míssil balístico que sobrevoava os céus da capital disparo por rebeldes houthis instalados no vizinho Iêmen. O destino era o palácio do Rei Salman. Em maio, os sauditas fecharam com o presidente americano, Donald Trump, a compra de 110 bilhões de dólares em armas para aumentar e modernizar suas forças militares. Os sauditas acusam o Irã, seu inimigo mortal, de armas os rebeldes iemenitas. Afundado numa guerra civil, o Iêmen viu seu PIB encolher 9,8% no último ano.

Uma preocupação a mais para os sauditas, que têm seus próprios problemas econômicos e sociais para resolver. Depois de um ano apertado, com a produção de petróleo controlada após um acordo com países produtores, para conseguir aumentar o preço do barril, era natural que uma economia tão dependente do combustível sentisse os efeitos do freio. A expectativa, de acordo com previsões de outubro do Banco Mundial, é de que o PIB do país fique no mesmo patamar do ano passado, com crescimento de apenas 0,3%. Em 2016, o resultado já havia sido ruim, com alta tímida de 1,7%.

Além do petróleo 

Para reverter o quadro, o governo anunciou em setembro um programa chamado Visão 2030, para ampliar as fontes de receita do país. Na semana passada, também foi anunciado um pacote de 20 bilhões de dólares em investimentos, com o objetivo de estimular o desenvolvimento de novos setores. Para 2018, a expectativa é de um crescimento de 13% nas receitas de produtos não petrolíferos, chegando a 68 bilhões de dólares, ante um aumento de 12,5% nas receitas como um todo.

O plano Visão 2030 apresenta três missões principais a conquistar: uma sociedade vibrante, uma economia próspera e uma nação ambiciosa. Dentre as metas do plano estão ampliar a receita proveniente de setores não-petrolíferos para 267 bilhões de dólares nos próximos 13 anos, ampliando o investimento público e buscando melhores índices de eficiência do governo.

Dentre os setores que serão incentivados estão o de energias renováveis, as indústrias de defesa e o setor de mineração. Também está entre as metas ampliar as poupanças dos sauditas de 6% para 10% da renda média das famílias.

O movimento para diversificar a economia não começou agora. “Há cerca de um ano, a Arábia Saudita exige que os produtores de petróleo atuem também em outras frentes de desenvolvimento, produzindo algum produto a partir desse petróleo no país, para estimular o desenvolvimento industrial e tecnológico”, diz o engenheiro Alberto Machado, diretor de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

“O Brasil, que tem muito mais condições do que a Arábia Saudita em termos de capacidade de indústria e de tecnologia, está na contramão disso, atraindo mais empresas para produzir petróleo, mas sem incentivar investimentos em outros setores, o que pode tornar o país ainda mais dependente de commodities.”

O governo saudita tinha um plano de saldar o déficit orçamentário em 2019, mas a conta foi adiada para 2023, para abrir caminhos para ampliar os gastos que serão necessários nessa nova fase. Porém, isso não quer dizer que o aumento de despesas vai resultar num descontrole fiscal.

Este ano, o governo conseguiu reduzir de 12,8% para 8,9% o déficit fiscal, e a meta para o ano que vem é ficar em 7,3%. Outros índices devem sentir mais a pressão: a inflação deve atingir 5,3% no ano que vem, saindo de um índice negativo neste ano.

Também faz parte da estratégia aumentar o preço dos combustíveis e da energia, para garantir uma melhor arrecadação. Mas, para não prejudicar a economia e proteger as camadas de mais baixa renda dos aumentos nos preços, já está previsto no orçamento um programa de transferência de renda na faixa de 8,5 bilhões de dólares para o próximo ano.

As mudanças econômicas e sociais têm gerado tanta expectativa que, nesta terça-feira, a Bélgica anunciou que vai enviar a embaixadora Dominique Mineur para Riade, capital do país, tornando-se o primeiro país a colocar uma mulher no posto.

A Arábia Saudita ainda é um dos países com maior desigualdade de gênero do mundo, ficando em 138º lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial este ano, dentre 144 países analisados. No quesito participação econômica e oportunidades para mulheres, o país fica ainda pior, ocupando a vergonhosa 142ª posição.

Ao menos Dominique Mineur, assim como as mulheres sauditas, poderá ir dirigindo a seus compromissos.

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