Arrocho no orçamento se deu pela soma dos altos preços com a redução da renda (Paulo Whitaker/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 14 de abril de 2021 às 12h22.
Última atualização em 14 de abril de 2021 às 12h35.
Com a recessão econômica, muitos brasileiros tiveram de escolher o dia da semana para ter carne bovina no prato ou, ainda, substituir definitivamente o item por outros tipos de proteína, como frango e ovo. O arrocho no orçamento se deu pela soma dos altos preços com a redução da renda. A partir de agora, no entanto, economistas alertam que os valores podem aumentar ainda mais para o consumidor final. É que, com a decisão dos frigoríficos de suspender o processamento de carne, a demanda pode superar a oferta.
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Na casa da professora municipal Tatiana Braga, de 40 anos, são três pessoas para alimentar: ela própria, o marido e uma filha de 16 anos. Apesar de adorar comer carne de boi, conta que o item só entra na lista em dia de promoção no mercado.
"Está difícil fechar o mês no azul. Os preços estão ficando exorbitantes. Infelizmente, temos de fazer escolhas e, nesta semana, só compramos frango, linguiça e ovo. À noite, ao invés de fazer janta, estamos fazendo omelete, lanches, coisas que economizem. Por isso, estamos consumindo cerca de 60 ovos em 15 dias", diz Tatiana: "O gasto com alimentação só não é maior porque estou trabalhando de forma presencial e consigo almoçar na escola".
Segundo o pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP), Thiago Bernardino, a pouca quantidade de boi disponível no mercado contribuiu para o aumento dos preços. Segundo ele, entre 2018 e 2019, o valor pago pelo boi gordo sofreu uma desvalorização, o que estimulou produtores a abater mais fêmeas. Em 2020, esse cenário, somado à maior demanda da China, teve por consequência a falta de bezerros.
"No ano passado, tivemos inseminação recorde, com 22% do rebanho inseminado, quando o usual era de 16%. Tivemos também o menor número de animais abatidos desde 2012", contou Bernardino.
E os preços podem ficar ainda mais caros. Nesta terça-feira, o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Paulo Mustefaga, afirmou que frigoríficos de pequeno, médio e grande porte suspenderam temporariamente o processo de produção pela dificuldade em repassar os altos custos para o mercado.
O professor de economia do Ibmec-RJ, Tiago Sayão, explica que, apesar de o Brasil usar soja e milho — produtos produzidos internamente — para a alimentação dos animais, depende de itens importados, como suplementação, que têm preços impactados pela alta do dólar.
Em virtude do cenário econômico interno do país, a despesa não consegue ser repassada, reduzindo a margem de lucro. Ao suspender os abatimentos, diz Sayão, os frigoríficos conseguiriam ganhar tempo e esperar condições mais favoráveis para a compra de insumos ou, ainda, mudar o plano de negócios e passar a trabalhar apenas com a exportação.
"Hoje, vários frigoríficos atendem simultaneamente os dois mercados, o interno e o externo. Se ele faz a restrição, pode se adequar a somente carne exportada. Vende em menor quantidade, mas o preço da arroba é maior, então compensa", analisa o professor. E acrescenta: "Pode segurar os abatimentos até enxergar no mercado brasileiro que há como fazer a equivalência de preço com a carne exportada, ou esperar a valorização do real para que isso dê a ele um custo menor".
Sayão diz ainda que o cenário de altos preços que existe hoje pode ser combinado, mais adiante, com uma menor quantidade de carne ofertada internamente, provocando um novo aumento de valores.
O economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Andre Braz, destaca que a pressão nos preços ainda pode ter reflexos na inflação:
"A carne foi um dos itens que mais subiram nos últimos 12 meses, com alta de quase 25%. Esse movimento pode gerar uma aceleração ainda maior na inflação. Há chance de as famílias, mesmo com esse aumento, continuarem comprando porque o bife é um dos produtos preferidos do brasileiro. Para isso, pode ser que o brasileiro abra mão de itens supérfluos, como cerveja e refrigerantes.
A maior demanda estrangeira por carnes de segunda, como acém, paleta e peito, contribuiu para o reajuste de 30% nos preços dessa variedade e de 15% nos valores de carnes de primeira, nos últimos 45 dias, segundo a Bolsa de Gêneros Alimentícios do Estado do Rio de Janeiro (BGA).
O diretor social da BGA, André Lemos, avalia que, como os preços praticados nos mercados internos e externos chegam a ter variação de até 40 reais por arroba, diversos pecuaristas têm interesse em aproximar o valor nacional do praticado lá fora. Com a demanda exterior aquecida e a chegada da entressafra, em algumas regiões, já falta animal para abate.
"No ano passado, com a peste suína, a China começou a recorrer ao boi brasileiro. Além de comprarem em volume maior, pagam mais caro pelo quilo. Essa potência asiática leva todos os cortes. Já outros países, como a Arábia Saudita, só compram carnes de segunda. Então, o preço da carne de segunda se aproximou muito da chamada de primeira. Hoje, os mercados compram o quilo da segunda por 25 reais, enquanto pagam cerca de 30 reais na de primeira — explica Lemos.