Para créditos do ativo permanente, a compensação será realizada em parcelas mensais ao longo do prazo remanescente de 48 meses. Mas para os demais casos, o prazo de compensação se estenderá por 20 anos (Marcello Casal/Agência Brasil)
Repórter
Publicado em 27 de fevereiro de 2025 às 06h01.
A reforma tributária traz uma nova regra para a compensação do saldo credor de ICMS acumulado até o fim de 2032 que tem provocado forte preocupação entre empresas, especialmente pelo impacto que pode causar no fluxo de caixa.
Segundo o artigo 133 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), esses créditos serão homologados pelos estados e a compensação será definida pelo Conselho Federativo ao longo de 240 meses, ou seja, 20 anos.
"Idealmente os caixas das empresas serão recompostos. Mas qual é o problema? É raro encontrar uma empresa que tem uma previsão ou uma preparação de caixa para mais do que 2 anos, ou seja, 24 meses. Imagina um caixa aberto por literalmente 20 anos, que são os 240 meses", afirma Mateus Campos, coordenador da área tributária do escritório de advocacia Barreto Veiga Advogados (BVA).
Segundo o especialista, a questão diz mais respeito ao caixa das empresas do que propriamente à recuperação desses créditos. "Por isso que as empresas têm brigado muito para tentar aproveitar esses créditos o quanto antes", diz.
A mudança decorre do processo de unificação dos cinco impostos sobre o consumo do sistema atual. Para substituí-los, a reforma tributária criou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – análogo ao ICMS – e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que ficará no lugar do IPI, PIS e Cofins, contribuições destinadas à União.
Para o contribuinte que tem hoje créditos de PIS e Cofins, o saldo credor poderá ser compensado diretamente com a CBS. Se o contribuinte não tiver débitos suficientes para essa compensação, será possível utilizar a chamada compensação cruzada com outros tributos federais ou serem ressarcidos em dinheiro.
Quanto ao ICMS, a situação é mais complexa, segundo os tributaristas consultados pela EXAME. O saldo credor existente em 31 de dezembro de 2032 poderá ser compensado com o IBS, porém com atualização pelo IPCA apenas a partir de janeiro de 2033 — o que pode reduzir o valor do crédito.
"Quando a empresa deve para o Fisco, ele atualiza pela Selic [o imposto devido], mas na proposta da reforma, o governo, quando tem que devolver esses créditos acumulados, devolverá calculado não pela Selic, mas pelo IPCA", diz Waine Domingos Peron, sócio-líder de Impostos da consultoria EY Brasil e ex-conselheiro do Conselho de Contribuintes de São Paulo.
Além disso, na impossibilidade de compensação, o contribuinte poderá solicitar o ressarcimento em espécie, que será efetuado em 240 parcelas mensais. Para créditos do ativo permanente, a compensação será realizada em parcelas mensais ao longo do prazo remanescente de 48 meses. Mas para os demais casos, o prazo de compensação se estenderá por 20 anos.
A advogada Fernanda Rizzo, associada da área de Tributário do escritório Vieira Rezende Advogados, avalia o prazo como "excessivamente longo", especialmente diante do histórico de promessas não cumpridas pelos estados em relação ao crédito do ICMS.
A especialista lembra que, desde a Lei Kandir, a possibilidade de aproveitamento de créditos foi sucessivamente prorrogada, sem nunca se concretizar. Isso gerou desconfiança entre contribuintes e o fisco, agravando a insegurança jurídica.
"O contribuinte sofre muito para receber e não consegue receber na maioria das vezes o valor integral. E qual é a garantia de que com a reforma tributária essa situação vai mudar de fato? Não temos essa garantia", afirma a especialista.
Inicialmente, esperava-se um prazo de 60 dias para ressarcimento, mas essa possibilidade logo se mostrou irreal. O ideal, segundo Rizzo, seria o período de cinco anos já aplicado em casos de prescrição e decadência de tributos.
Um levantamento realizado pelo Tax Group revelou que as maiores empresas dos setores de agronegócio e varejo enfrentam a perspectiva de perder cerca de R$ 70,1 bilhões em créditos fiscais acumulados.
O acúmulo acontece porque essas empresas, muitas vezes, compram insumos e acumulam créditos, mas não conseguem compensá-los devido às isenções fiscais aplicáveis às exportações.
Para os especialistas, as empresas devem verificar os tributos que serão extintos e revisá-los ao longo de suas operações nos últimos cinco anos.
"Verificar se entre 2020 e 2025 elas não perderam nada que poderiam ter creditado em relação aos termos da legislação", afirma Luis Wulff, CEO da consultoria tributária Tax Group.
"Nossa orientação técnica para o contribuinte, os empreendedores e os empresários é a de colocar no planejamento estratégico do ano de 2025 [as mudanças da reforma tributária] e já executar o planejamento de produto, de serviço e do fluxo de caixa do antes e depois. Essa é a dica de ouro que as multinacionais já estão fazendo, mas que as pequenas e médias empresas não".
Apesar da urgência, esses negócios têm se mostrado alheios às mudanças. O tributarista aponta que, entre as 7,5 mil empresas atendidas pela Tax Group, 97% ainda não tomaram nenhuma medida em relação à reforma tributária.
Ao programa Macro em Pauta, da EXAME, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou que o sistema vem sendo desenvolvido pela Receita Federal. Mas os especialistas advertem que também aguardam maiores detalhes em notas técnicas sobre o tratamento dos créditos dos tributos que serão extintos.
Uma das regras de transição da reforma estabelece que, durante 2026, quando for cobrado 0,1% a título de IBS e 0,9% de CBS – para se verificar o potencial de arrecadação dos novos tributos –, os créditos antigos poderão ser usados para abater débitos dos novos tributos.