Economia

Em decisão complexa, BC reduz Selic em 0,50 ponto e taxa vai a 3,75%

A instituição começou a semana sob pressão por novos cortes após ofensida do Fed nos EUA

Roberto Campos Neto fala durante entrevista em Brasília 9/1/2020 REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)

Roberto Campos Neto fala durante entrevista em Brasília 9/1/2020 REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 18 de março de 2020 às 18h07.

Última atualização em 18 de março de 2020 às 19h10.

Em uma das mais complexas decisões da sua história, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou nesta quarta-feira, 18, um corte de 0,50 ponto percentual na taxa Selic, que foi de 4,25% ao ano a 3,75%. A decisão foi unânime e era esperada por grande parte do mercado.

Em seu comunicado, o comitê ressalta que, se por um lado, o nível de ociosidade da economia — agravado pela pandemia de coronavírus no munco —, pressiona a inflação para baixo, de outro, a deterioração do cenário externo ou frustrações em relação à continuidade das reformas de ajuste fiscal podem fazer a pressão oposta nos preços.

"Aalterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia. Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras".

Nesse trecho, fica clara a sinalização do comitê, na opinião de André Perfeito, economista-chefe da Necton, sobre sua intenção não só de encerrar o ciclo de cortes, como de, eventualmente, anunciar novas altas nos juros.

"Damos como certo que não há clima algum para se fazer as reformas estruturais da economia brasileira agora, a agenda política e o coronavírus impedem acordo sobre isso neste momento. Logo, o BCB irá parar de cortar a taxa básica", diz Perfeito em nota.

A opinião sobre o encerramento nos cortes, porém, não é unânime. Para a Guide Investimentos, o Copom voltou a enfatizar a importância de manter a cautela na condução da política monetária mas, diferente da última reunião, deixou as portas abertas para futuros cortes ao mencionar que "o Comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos."

A corretora ressalta ainda o fato de o comitê ter mencionado no comunicado que fará uso de todo seu arsenal de políticas cambiais, monetárias e de estabilidade financeira para lidar com a atual crise.

O BC começou a semana sob pressão por novos cortes na Selic, após o Fed, banco central dos Estados Unidos, anunciar no domingo a sua segunda redução emergencial na taxa de juros americana em menos de 12 dias, fazendo com que a banda fique próxima de zero. Assim como outros países, os EUA tomaram a decisão para aumentar a liquidez no mercado em meio à crise gerada pelo avanço de coronavírus no mundo.

Quado se reuniu pela última vez para decidir sobre a Selic, em fevereiro, o comitê sinalizou que encerraria o ciclo de cortes - iniciado em julho de 2019, quando a taxa estava em 6,5% -, mas o cenário mudou bastante desde então com a pandemia, que mudou as perspectivas da política monetária dos bancos centrais.

A pandemia ameaça o comércio internacional, o turismo, decisões de gastos dos consumidores, os estoques da indústria e altera os fluxos de capital. "É uma camada extra de complexidade à política monetária brasileira", diz o Goldman Sachs em relatório desta quarta.

Veja o comunicado na íntegra:

Em sua 229ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 3,75% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

No cenário externo, a pandemia causada pelo novo coronavírus está provocando uma desaceleração significativa do crescimento global, queda nos preços das commodities e aumento da volatilidade nos preços de ativos financeiros. Nesse contexto, apesar da provisão adicional de estímulo monetário pelas principais economias, o ambiente para as economias emergentes tornou-se desafiador;

Dados de atividade econômica divulgados desde a última reunião do Copom vinham em linha com o processo de recuperação gradual da economia brasileira. Entretanto, esses dados ainda não refletem os impactos da pandemia de COVID-19 na economia brasileira;

O Comitê avalia que diversas medidas de inflação subjacente se encontram em níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;

As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,1%, 3,65% e 3,5%, respectivamente;

No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$4,75/US$*, as projeções do Copom situam-se em torno de 3,0% para 2020 e 3,6% para 2021. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 3,75% a.a. e se eleva até 5,25% a.a. em 2021; e

No cenário com taxa de juros constante a 4,25% a.a. e taxa de câmbio constante a R$4,75/US$*, as projeções situam-se em torno de 3,0% para 2020 e 3,6% para 2021.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado. Esse risco se intensifica caso um agravamento da pandemia provoque aumento da incerteza e redução da demanda com maior magnitude ou duração do que o estimado.

Por outro lado, o aumento da potência da política monetária, a deterioração do cenário externo ou frustrações em relação à continuidade das reformas podem elevar os prêmios de risco e gerar uma trajetória da inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, para 3,75% a.a.

O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário 2020 e, principalmente, de 2021.

O Copom reitera que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural.

O Copom enfatiza que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas têm o potencial de elevar a taxa de juros estrutural da economia. Nessa situação, relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras.

O Copom entende que a atual conjuntura prescreve cautela na condução da política monetária, e neste momento vê como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar. No entanto, o Comitê reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos.

O Banco Central do Brasil ressalta que continuará fazendo uso de todo o seu arsenal de medidas de políticas monetária, cambial e de estabilidade financeira no enfrentamento da crise atual.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fábio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

 

 

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