Economia

Em Angola, uma mulher de 35 anos quer impulsionar a economia

Nomeada ministra das Finanças há um mês, Vera Daves de Souza precisará recuperar uma economia que deve encolher pelo quarto ano consecutivo em 2019

Bandeira de Angola voando em museu de Luanda (Simon Dawson/Bloomberg)

Bandeira de Angola voando em museu de Luanda (Simon Dawson/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 17 de novembro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 18 de novembro de 2019 às 09h56.

Em meio ao auge do setor petrolífero de Angola em 2011, Vera Daves de Sousa, então chefe de pesquisa de um banco local, era convidada frequente na TV para analisar os mercados financeiros e a economia do segundo maior produtor de petróleo da África.

Foi assim que a jovem de 28 anos despertou o interesse de Archer Mangueira, presidente da Comissão do Mercado de Capitais, que procurava jovens talentos para ajudar a iniciar a negociação de títulos de dívida na Bolsa de Valores de Angola.

“Ele me viu na TV e disse: ‘uau’, ela parece muito confiante, sabe do que está falando. Por que não!”, disse em entrevista Daves de Sousa, hoje com 35 anos. “Ele me convidou para ser membro do conselho.”

A comissão marcou o início da carreira de Daves de Sousa no mundo político dominado por homens em Angola, onde generais do Exército que desempenharam um papel na guerra civil de 27 anos no país costumavam ocupar posições de destaque.

Para se preparar para as entrevistas na TV, Daves de Sousa disse que estudava por horas para aprender a “se comunicar em termos muito simples”. Hoje, ela enfrenta uma tarefa mais assustadora: nomeada ministra das Finanças há um mês, Daves de Sousa precisará recuperar um economia com previsão de encolher pelo quarto ano consecutivo em 2019 - a pior recessão desde o fim da guerra, em 2002.

“Ela tem um grande desafio pela frente”, disse Gonçalo Moura Martins, presidente da construtora portuguesa Mota-Engil, que opera em Angola desde 1948. “O país sofre com uma série de circunstâncias ligadas aos preços mais baixos do petróleo e precisa enfrentar esses problemas com coragem.”

Medidas de austeridade

Em 2014, sob o comando do ex-presidente José Eduardo dos Santos, Angola estava entre as economias com crescimento mais rápido do mundo, beneficiando-se dos preços recordes do petróleo e de um PIB per capita de US$ 4.164, segundo o Banco Mundial.

Desde então, as cotações do petróleo caíram muito abaixo dos níveis de mais de US$ 100 o barril. Sob um programa de empréstimo de US$ 3,7 bilhões fechado no ano passado, o Fundo Monetário Internacional pediu ao governo medidas de austeridade, como reduzir a dívida pública, acabar com os subsídios aos combustíveis e desvalorizar o kwanza, que deverá elevar a inflação para 24% no próximo ano em relação aos 17,5% em 2019, segundo o Ministério das Finanças.

Daves de Sousa, que pratica ioga em seu tempo livre, disse que está determinada a reduzir a presença do estado e diversificar a economia. O objetivo levará tempo: o petróleo ainda responde por mais de 90% da receita de exportação.

“Queremos mudar esse paradigma”, disse. “Queremos convidar o setor privado a desempenhar um papel mais importante.”

“Ela foi uma das melhores alunas que já tive”, disse Alves da Rocha, professor de economia da Universidade Católica de Angola, coautor de um livro sobre finanças públicas com Daves de Sousa.

Ela também é muito trabalhadora, disse José Matoso, consultor do presidente da Comissão do Mercado de Capitais, que trabalhou com Daves de Sousa na agência.

“Ela tem uma capacidade incrível de aprender muito rapidamente e trabalhar de 10 a 12 horas por dia sem se cansar”, disse Matoso.

Favelas cheias de lixo

 

Embora a mulher mais rica da África seja de Angola - Isabel dos Santos, filha do ex-presidente -, isso não significa que o país seja mais avançado do que seus pares quando se trata de igualdade de gênero. Angola ficou em 125º lugar entre 149 países no relatório sobre desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial em 2018.

A desigualdade de riqueza também permanece generalizada. Depois de governar por 38 anos, Dos Santos se afastou em 2017 para ser substituído por João Lourenço. A maioria dos angolanos acolheu a mudança como uma oportunidade de melhor distribuição de renda originada nas vastas riquezas do petróleo e diamantes do país.

Muitos habitantes da capital Luanda vivem em favelas cheias de lixo distantes do centro, um contraste chocante com os arranha-céus de hotéis de luxo e edifícios de escritórios ao longo da baía, ladeada por palmeiras.

Outro obstáculo que Daves de Sousa provavelmente enfrentará é a demanda de outros ministérios para gastar mais em segurança, disse António Estote, economista independente e professor da Universidade Lusíada de Angola. Cerca de 20% dos gastos fiscais no próximo ano serão destinados à defesa, segurança e manutenção da ordem pública, de acordo com a proposta de orçamento para 2020.

“Uma mulher que diz não aos generais não é muito comum em Angola”, disse Estote.

Daves de Sousa, por sua vez, disse que agradece a Lourenço por nomear uma jovem para uma posição estratégica no governo.

“Foi preciso muita coragem do presidente para tomar essa decisão”, disse. “Sinto a responsabilidade de garantir que, com meu desempenho, deixo a porta aberta para mais mulheres”, sendo uma líder inspiradora, afirmou.

(Com a colaboração de Candido Mendes.)

Acompanhe tudo sobre:AngolaPetróleo

Mais de Economia

Morre Ibrahim Eris, um dos idealizadores do Plano Collor, aos 80 anos

Febraban: para 72% da população, país está melhor ou igual a 2023

Petróleo lidera pauta de exportação do país no 3º trimestre

Brasil impulsiona corporate venturing para atrair investimentos e fortalecer startups