Economia

Em 26 anos do regime de inflação, BC descumpriu a meta em 8; carne, café e gasolina pesaram em 2024

A partir de 2025, meta não considerará ano calendário. Objetivo será descumprido se a inflação em 12 meses desviar-se do objetivo por seis meses consecutivo

Banco Central: presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, divulgará uma carta à sociedade para explicar o motivo da inflação ter ultrapassado o teto da meta em 2024 (Leandro Fonseca/Exame)

Banco Central: presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, divulgará uma carta à sociedade para explicar o motivo da inflação ter ultrapassado o teto da meta em 2024 (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 10h57.

Nos 26 anos em que o regime de metas para inflação considerou a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano calendário, de janeiro a dezembro, o Banco Central (BC) não atingiu o objetivo em oito deles. Esse desempenho considera a divulgação do IPCA de 2024 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira, 10, que teve variação positiva de 4,83%, acima da meta de 3% e do intervalo máximo de tolerância de 4,5%.

Com isso, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, divulgará nesta sexta, às 18h, uma carta para explicar à sociedade e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os motivos do descumprimento da meta.

A partir de 2025, as regras do jogo serão diferentes, com uma meta contínua de inflação de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual.

Além disso, será considerado que a meta foi descumprida quando a inflação, medida pela variação acumulada em doze meses do IPCA, estourar o piso ou o teto do intervalo de tolerância por seis meses consecutivos.

Carne, café e gasolina pesaram no bolso

Em 2024, os alimentos e bebidas, mais uma vez, pesaram no bolso das famílias, com impacto de 1,63 ponto percentual do resultado total. Os itens que mais encareceram foram as carnes (20,84%), o café moído (39,60%), o leite longa vida (18,83%) e as frutas (12,12%).

Os itens de saúde e cuidados pessoais tiveram um peso de 0,81 ponto percentual na inflação de 2024, com destaque para os planos de saúde, que tiveram alta de 7,87%. E os produtos farmacêuticos aumentaram 5,95%.

A variação de preços de transportes teve um peso de 0,69 ponto percentual na inflação com destaque para gasolina, que teve alta de 9,71%. Segundo o IBGE, o combustível teve o maior peso entre os 377 subitens que compõem o IPCA. O etanol também pesou no bolso dos consumidores, com elevação de 17,58% no ano.

Pressões inflacionárias em 2025

André Valério, economista sênior do Inter, afirmou que o resultado da inflação de dezembro reforça a piora da dinâmica inflacionária nos últimos meses, reflexo do encarecimento do dólar e da economia aquecida.

Segundo ele, o índice de difusão em dezembro chegou 69%, o maior valor para o índice desde dezembro de 2022. Esse dado considera o total de itens que encareceram no mês e quando o indicador ultrapassa a casa dos 60% preocupa quem acompanha a inflação.

O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, afirmou que os dados dão sinais de contaminação inicial do varejo pela alta do dólar, especialmente em alimentos e bens industriais, enquanto o mercado de trabalho aquecido começa a pressionar os serviços, em um processo de reinflação disseminada.

Raiz do problema

A alta do IPCA, em partes, decorre de uma crise de confiança no Brasil.  Esse processo começou com a desancoragem das expectativas de inflação em abril de 2024, quando o governo flexibilizou o arcabouço fiscal, com a mudança das metas fiscais dos próximos anos. A previsão inicial era de zerar o déficit público no ano passado e essa meta foi adiada para 2025.

No Brasil, o crescimento do gasto público é uma pressão direta para elevar a inflação. Os reajustes reais do salário mínimo, que também revisam os valores de benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais, são parte importante desse processo.

A gestão petista se comprometeu em alcançar superávits consecutivos de 0,25%, 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente, nos anos de 2026, 2027 e 2028. Essa decisão foi mal recebida pelo mercado e se refletiu nas expectativas de inflação e no preço do dólar.

No mercado, a percepção de analistas, investidores, economistas e banqueiros é a de que o governo não está comprometido em controlar o ritmo de crescimento dos gastos públicos. Como consequência, a trajetória de elevação da dívida pública segue preocupante.

A última projeção do Tesouro Nacional, divulgada em 16 de dezembro de 2024, aponta que a dívida bruta alcançará 81,8% em 2027, uma alta de 2,1 ponto percentual em relação à estimativa de abril. Depois, o endividamento entraria em trajetória de queda, chegando a 75,6% do PIB em 2034, segundo as contas oficiais.

Com base nas estimativas do governo, o aumento da dívida pública entre 2023  que correspondeu a 73,8% do PIB  e 2027 será de 8 pontos percentuais.

No mercado, entretanto, os economistas esperam um crescimento explosivo da dívida pública. A mediana das expectativas no Boletim Focus projeta que o endividamento correspondeu a 78,3% do PIB em 2025, subirá para 82% em 2025, para 85,3% em 2026, para 87,4% em 2027 e chegará ao pico de 95,1% em 2033.

Com base nas projeções do mercado, entre 2023 e 2027, a dívida pública crescerá 13,6 pontos percentuais.

Com esse ciclo perverso, resta ao BC subir os juros e torcer para que o governo se convença da necessidade de perseguir, com medidas claras, o equilíbrio das contas públicas.

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