Economia

Eleição na França vai sinalizar compromisso com reforma econômica

Resultado da eleição vai mostrar a disposição dos franceses de responder aos problemas econômicos que o país enfrenta

Eleições: candidatos da extrema direita defendem saída da UE para retomar economia (andriano_cz/Thinkstock)

Eleições: candidatos da extrema direita defendem saída da UE para retomar economia (andriano_cz/Thinkstock)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de abril de 2017 às 16h47.

Última atualização em 23 de abril de 2017 às 16h47.

Os eleitores franceses estão de mau humor: ao se dirigirem às urnas neste domingo, estão dispostos a enviar um completo estranho, talvez da extrema-esquerda ou da extrema-direita, para o segundo turno da eleição presidencial.

A causa desse mau humor não é difícil de encontrar. A economia da França é uma das mais fracas entre os países avançados.

O desemprego tem se mantido em cerca de 10% há quatro anos e está bem acima da média da União Europeia. A renda per capita está próxima dos níveis de 2007.

Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, de extrema-direita e um dos quatro candidatos com chances de ir para o segundo turno, coloca a culpa na União Europeia e no euro, o que, segundo ela, tornou impossível para a indústria francesa competir com a da Alemanha. Sua solução: a saída da França da UE.

Jean-Luc Melenchon, ex-comunista e outro favorito, responsabiliza a austeridade fiscal. Ele também renegociaria a associação da França à UE.

No entanto, os problemas da França antecedem a crise do euro e a austeridade que se seguiu.

De 1990 a 2007, a França teve o segundo crescimento econômico per capita mais fraco entre as economias avançadas, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apenas a Itália teve um desempenho pior.

As razões para os problemas franceses são numerosas, mas a mais importante é um mercado de trabalho excessivamente regulado e inflexível, que desestimulou a contratação e o investimento, reduziu a produtividade e deixou muitos trabalhadores franceses sem a educação e a qualificação necessárias.

Algumas estatísticas dão suporte a essa afirmação. Enquanto apenas 8% dos trabalhadores são sindicalizados, 90% estão cobertos por acordos coletivos. A centralização das negociações torna quase impossível para as empresas equilibrar as contratações e as necessidades para as fábricas. É demorado e oneroso demitir um trabalhador. Os impostos de renda e de folha de pagamento são quase 50% do salário médio. A grande diferença entre o que os empregadores pagam e o que os trabalhadores recebem desestimula o trabalho. O seguro-desemprego é generoso e o salário mínimo, elevado.

O resultado disso é um mercado de trabalho bifurcado onde uma grande parte dos trabalhadores, especialmente os jovens, trabalham em contratos temporários e recebem pouca ou nenhuma formação. As taxas de analfabetismo e analfabetismo matemático são muito superiores à média da OCDE.

Esses problemas persistem porque os eleitores franceses, apesar de sua óbvia vontade de mudança, puniram qualquer presidente que tentasse resolver os problemas subjacentes. A França nunca teve um Ronald Reagan ou uma Margaret Thatcher.

Líderes conservadores reduziram impostos, privatizaram empresas e impulsionaram a concorrência, mas as mudanças que afetam os trabalhadores são geralmente respondidas com greves e manifestações.

Mesmo quando a Alemanha, no início dos anos 2000, injetou flexibilidade em seus mercados de trabalho, a França foi em outra direção, criando uma semana de trabalho de 35 horas sobre a premissa equivocada de que isso reduziria o desemprego. A curta semana de trabalho é agora quase sagrada.

Espanha, Portugal e Itália também sofreram com mercados de trabalho rígidos, mas tiveram de se reformar sob a pressão da crise do euro, embora os esforços da Itália tenham sido interrompidos. A França foi amplamente poupada dessas pressões, e de fato Nicolas Sarkozy, eleito em 2007, perdeu seu entusiasmo pela reforma depois da crise.

Ironicamente, o presidente socialista François Hollande é o que tem sido mais ousado. Embora eleito com uma plataforma de extrema-esquerda de impostos mais altos e mais intervenção estatal, executou uma reviravolta. Liderado pelo seu jovem ministro da economia, Emmanuel Macron, Hollande injetou mais concorrência nos mercados de produtos, como serviços jurídicos e transporte de ônibus, depois abordou o mercado de trabalho com planos para descentralizar as negociações trabalhistas e facilitar as regras de demissão de trabalhadores. As decisões provocaram uma reação negativa dentro do partido socialista e nas ruas. As reformas foram diluídas, o que levou Macron a deixar o cargo e concorrer à presidência por um novo partido.

Hollande pagou um preço alto pelas reformas. Elas são uma das razões pelas quais sua popularidade caiu e ele não concorreu a um segundo mandato.

O mercado de trabalho da França, finalmente, começou a recuperar. O crescimento do emprego no ano passado foi relativamente saudável. As reformas têm mostrado alguns sinais de sucesso, como uma queda nas disputas trabalhistas relacionadas com demissões. Ainda assim, a recuperação do mercado de trabalho permanece muito aquém da observada na Espanha, onde as reformas foram mais radicais (e a recessão, muito mais profunda). Em parte, porque ainda é muito cedo - as empresas muitas vezes respondem ao aumento da flexibilidade com mais demissões em um primeiro momento e passam a contratar mais tarde.

Um dos principais objetivos das reformas de Hollande foi libertar as empresas dos acordos nacionais e setoriais sobre salários, horas e emprego. Mas os empregados devem ainda concordar em se excluir desses acordos, o que dificulta a flexibilização. As grandes empresas devem estar enfrentando dificuldades em nível global para demitir funcionários franceses.

Essa rigidez não só eleva o desemprego, mas também impede o crescimento da produtividade, porque é muito difícil realocar o trabalho para o seu uso mais produtivo. "Os salários não estão suficientemente ligados à produtividade no nível setorial, nacional ou da empresa", afirma Philippe Martin, economista da Sciences Po e consultor de Macron. "A França é um país de salários altos e, portanto, tem de continuar sendo um país de alta produtividade."

Le Pen e Melenchon, embora aparentemente em extremos opostos no espectro político, estão bastante alinhados quanto a questões trabalhistas: eles acham que as reformas de Hollande foram longe demais e as eliminariam. Em contrapartida, Macron e François Fillon, dos Republicanos conservadores, ampliariam as reformas. Os eleitores franceses não estão decidindo se sua economia permanecerá integrada com a Europa, mas se fará as mudanças necessárias para prosperar dentro do bloco.

Fonte: Dow Jones Newswires.

Acompanhe tudo sobre:Crise econômicaEleiçõesFrança

Mais de Economia

Eleição de Trump elevou custo financeiro para países emergentes, afirma Galípolo

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto

Manifestantes se reúnem na Avenida Paulista contra escala 6x1