Seca extrema e excesso de chuvas tendem a ser mais comuns com El Niño (Paulo Fridman/Bloomberg/Bloomberg)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 12 de janeiro de 2024 às 06h20.
Após dois anos consecutivos acima da meta, a inflação terminou 2023 dentro do intervalo de tolerância, em 4,62%. Boa notícia para o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que não precisará escrever, pelo terceiro ano consecutivo, uma carta para explicar os motivos de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar fora do objetivo e das bandas estabelecidas.
O resultado acumulado no ano passado é o primeiro passo para o governo Lula 3 conquistar a menor inflação acumulada em quatro anos desde o início do Plano Real, como mostrou a EXAME. Além disso, o movimento global de aumento de preços e a desinflação no Brasil levaram os núcleos de inflação do Brasil, segundo o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IFF, na sigla em inglês), Robin Brooks, para os níveis do G10, da zona do Euro e dos Estados Unidos.
Manter uma sequência de resultados positivos, entretanto, será o grande desafio.
Um dos principais estudiosos sobre inflação no Brasil, o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta três grandes riscos para o IPCA em 2024.
Ele aponta como pontos de alerta o El Niño, o possível aumento no preço do dólar decorrente da perda da credibilidade fiscal, além das guerras no exterior e eventuais consequências sobre o preço do petróleo.Os efeitos do El Niño sobre as safras brasileira e global são um risco para a inflação de 2024, afirma Braz. Segundo ele, a magnitude das mudanças climáticas afetará os preços dos alimentos. As chuvas intensas no Sul do país e a seca no Norte, com aumento de temperaturas em todo Brasil, são uma amostra do desafio.
“Os grãos mais produzidos no Brasil, soja e milho, também são responsáveis pela alimentação de animais. Se esses grãos ficam mais caros, tendem a aumentar os curtos de criação dos animais. Isso eleva os preços das proteínas, sem esquecer do ovo. Isso afeta em cheio os menos favorecidos", diz. "Se alimentação sobe mais, ainda que os demais itens fiquem estáveis, a inflação será mais percebida pelos mais pobres.”
O economista também afirma que a capacidade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de promover um ajuste fiscal para zerar o déficit público traz um risco cambial para a inflação.
Na prática, caso o governo não consiga atingir os objetivos estabelecidos ou tenha que mudar a meta fiscal precocemente, tanto o risco fiscal quanto o preço do dólar tendem a aumentar. E o repasse do encarecimento da moeda estrangeira para o valor dos produtos e serviços tende a pressionar a inflação.
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Outro ponto de atenção para a inflação de 2024 está nos conflitos armados que ocorrem no Oriente Médio e entre Rússia e Ucrânia.
Uma escalada dos conflitos tem potencial para desestabilizar a economia global, com efeitos sobre preços e sobre o crescimento econômico. No caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, dois grandes produtores de grãos, os efeitos podem chegar até o preço do petróleo.
Ele lembra que a Rússia é um dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Com isso, a escalada do conflito pode afetar a produção do combustível fóssil e o custo da energia, com efeitos em escala global.
O economista Leonardo Costa, da Asa Investments, estima que a inflação ficará em 4% em 2024. Segundo ele, dois fatores positivos devem ajudar a manter o processo de desinflação ao longo do ano. O primeiro deles é que aumento de impostos de 2023 que incidiu sobre os combustíveis não se repetirá.
Além disso, a tendência é de que os preços de serviços de viagem e recreação percam força. Com o fim da pandemia, os brasileiros gastaram mais com esses itens pressionando os custos e Costa avalia que isso não deve se repetir ao longo de 2024.
Com a inflação “comportada”, Costa estima que o Banco Central (BC) cortará os juros até 9,5% ao longo do ano. Segundo ele, os comunicados da autoridade monetária têm um tom cauteloso, o que sinaliza que os resultados de curto prazo importam para as decisões. Com isso, o BC deve manter o ritmo de redução da Selic em 0,5 ponto percentual por reunião.