Economia

Bolsonaro não é "sujeito com visão", diz Carmen Reinhart, de Harvard

"Mais cedo ou mais tarde, acho que a inflação volta no Brasil", diz a economista, que prevê dificuldades para os emergentes em 2019

Para ela, se Bolsonaro conseguir aprovar uma reforma da Previdência, a confiança no Brasil vai aumentar muito (Adriano Machado/Reuters)

Para ela, se Bolsonaro conseguir aprovar uma reforma da Previdência, a confiança no Brasil vai aumentar muito (Adriano Machado/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 17 de novembro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 17 de novembro de 2018 às 08h00.

Carmen Reinhart, a economista nascida em Cuba que deu o alerta em maio sobre os apuros que agora se concretizam nos mercados emergentes, avisou que a situação pode piorar em 2019.

Segundo ela, a alta de juros nos EUA, a desaceleração da economia chinesa e possíveis calotes intensificam o estresse nos países em desenvolvimento.

"As cotações dos mercados embutem coisas ruins, mas não necessariamente um evento de crédito", afirmou a professora da Universidade Harvard em entrevista realizada em Cambridge, Massachusetts.

"Ainda acho que este é o principal fator que realmente pode abalar as coisas." Ela listou Argentina, Equador e Costa Rica entre suas grandes preocupações.

Qual é sua perspectiva para os mercados emergentes em 2019?

Não é das melhores. Enfatizo ao máximo que, durante a crise financeira global de 2007-2009, foi a China que fez com que os emergentes se recuperassem fortemente. De 2003 quase até 2013, o país cresceu consistentemente mais de 10% ao ano. Isso é improvável em 2019.

A economia está se desacelerando e as empresas estão excessivamente endividadas. A moeda está sobrevalorizada, há saída de capital e preocupações comerciais quanto aos EUA. Não dá para argumentar que haverá retomada do crescimento em 2019 na China ou nas economias avançadas.

A última crise coincidiu com crescimento forte na China e juros bem mais baixos. Ou seja, uma porta se fechou, mas outra se abriu. Agora, os juros vão aumentar. A China terá crescimento mais lento e será mais reticente em se tratando de conceder empréstimos no exterior do que na década passada.

Para um país como o Equador, isso é muito relevante. A Argentina continua sendo a mais fraca do grupo. Não há muita margem para qualquer tipo de erro ou surpresas negativas.

Haverá retomada nos países de pior desempenho neste ano?

O caminho da Argentina é muito estreito e frágil. Os juros estão altos para estabilizar o peso. Mas a estabilização não está se traduzindo imediatamente em redução das pressões inflacionárias.

O Brasil tem um sério problema de dívida. A pior parte é não haver muito gasto discricionário. As despesas são principalmente na forma de transferências e serviço da dívida. O governo não tem muito espaço para apresentar melhora no curto prazo. Mais cedo ou mais tarde, acho que a inflação volta no Brasil.

Os novos líderes latino-americanos darão impulso aos mercados?

No Brasil, Jair Bolsonaro era considerado o mal menor. Não era uma ótima escolha. Não é um sujeito com uma visão. Houve um suspiro de alívio. Vamos ver quanto tempo dura. É uma situação muito disfuncional. A tomada de decisão está fragmentada.

Vamos dizer que ele queira agarrar o touro pelos chifres e decidir que é preciso lidar com o problema da previdência. A confiança vai melhorar muito se ele conseguir. No entanto, os efeitos fiscais são demorados.

A América Latina tem uma história longa e sombria de governos militares. Não dá para ignorar os riscos à democracia. Em épocas favoráveis, costuma haver maior liberalização dos mercados e menos controles de capital — e o inverso em períodos difíceis.

Se as condições continuarem difíceis, como eu espero, aumenta a probabilidade de recuo. Reversões de políticas governamentais geralmente vêm em períodos ruins.

No México, os mercados se convenceram de que AMLO (o presidente eleito Andrés Manuel López Obrador) poderia ser um novo Lula porque os comentários dele durante a campanha foram moderados. Mais recentemente, logo antes da posse, a reação é de surpresa porque parece que ele realmente acredita no que vem dizendo há 30 anos.

Que riscos trazem as tensões comerciais?

Qual é o pior cenário possível? Um grande aumento generalizado de tarifas. Fala-se muito sobre abalos nas cadeias de suprimentos e consequências para a produção, mas um grande aumento generalizado nas tarifas também funcionaria como um choque de oferta, o que, na década de 1970, também foi associado a uma disparada de preços. E qual seria a reação dos juros? O desfecho disso pode ser realmente adverso.

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