Economia

Economia pode mudar o jogo eleitoral na Turquia

O presidente Recep Erdogan antecipou eleições com receio de que deterioração da economia dificultasse sua reeleição. Mas o tiro pode sair pela culatra

ERDOGAN EM DISCURSO NO DIA 18: economia cresce, mas está cada vez mais difícil pagar a conta de grandes projetos de infraestrutura com a lira desvalorizada  / Murad Sezer -/File Photo/ Reuters

ERDOGAN EM DISCURSO NO DIA 18: economia cresce, mas está cada vez mais difícil pagar a conta de grandes projetos de infraestrutura com a lira desvalorizada / Murad Sezer -/File Photo/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 2 de junho de 2018 às 08h51.

Última atualização em 2 de junho de 2018 às 10h33.

Istambul – Brasil e Turquia vivem momentos econômicos semelhantes, recheados de incertezas. Nas últimas semanas, as conversas em Istambul passaram a girar em torno de um assunto recorrente. Os turcos passaram a acompanhar com atenção a cotação da lira turca frente ao dólar. Desde o início do ano, a moeda turca desvalorizou 20%, com picos acentuados no último mês, causados pelo aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, que atraiu capital estrangeiro, e incertezas sobre o cenário econômico na Turquia. Os preços também subiram. Em abril, a inflação chegou a quase 11%, com um aumento no mês de 1,87%, segundo o Instituto Turco de Estatísticas.

“A economia está tirando o sono de muita gente”, diz o empreendedor Omer Mehmet, dono de uma loja e um café a poucos passos do Palácio de Topkapi, que serviu de residência aos sultões por mais de quatro séculos, no centro histórico da cidade. “O número de clientes caiu, as pessoas não estão muito dispostas a gastar”, afirmou, enquanto checava o celular para ver o quanto a lira tinha se desvalorizado ao longo do dia. “Precisamos de um presidente com uma visão mais secular e flexível, que impulsione o crescimento do país novamente e nos coloque na rota da modernidade”.

A Turquia importa uma ampla gama de produtos, que vão de petróleo e gás a carros, geladeiras e artigos químicos – em 2016, as importações alcançaram 455 bilhões de dólares. As exportações ficaram em 356 bilhões de dólares. Numa economia fortemente importadora, qualquer aumento na moeda americana provoca abalos. Até na confecção de tapetes, com parte da seda importada da China e outros países. “Se a moeda turca não se fortalecer, podemos ter sérios problemas”, diz Selim Bal, dono de uma loja de tapetes no Grande Bazar, em Istambul, um dos maiores mercados do mundo.

A economia não tem tirado o sono apenas dos empresários. Na visão de analistas políticos, os últimos reveses econômicos devem bater também às portas da sede do governo e impactar as eleições gerais, convocadas pelo presidente Recep Erdogan para 24 de junho. O pleito estava previsto para novembro do ano que vem, mas, preocupado com a influência da economia nas preferências do eleitor, Erdogan decidiu antecipá-lo em 18 meses. A decisão foi anunciada em abril. A votação ganhou agora contornos de suspense e imprevisibilidade. “O que era certo, a vitória de Erdogan, deixou de ser tão certo assim. Pode haver uma surpresa”, diz o analista político turco Atilla Yesilada, do escritório da consultoria GlobalSource Partners em Istambul.

Para frear a queda da lira e acalmar os ânimos, o governo aumentou a taxa de juros, que era de 13,5% para 16,5%. Por enquanto, parece estar funcionando – a lira estabilizou nos últimos dias. O mercado financeiro internacional, no entanto, não tem demonstrado tanta confiança assim no desempenho da economia turca. Erdogan declarou que pretende restringir a autonomia do Banco Central e controlar a taxa de juros, o que não agrada os investidores internacionais. Em seus discursos semanais, transmitidos pela televisão, ele também ressalta a importância de cultivar os preceitos religiosos islâmicos e o nacionalismo. Para parte da população, esse discurso encontra ressonância. “Mas para as pessoas com um nível de educação maior e pouco apego à religião, tudo isso pareceu um pouco arcaico”, diz o comerciante Mehmet.

Crescimento com inflação

As pesquisas mostram que Erdogan conta com 40% a 47% das intenções de voto. Até o momento, tudo indica que a eleição poderá seguir para o segundo turno e poucos arriscam uma aposta sobre quem será o vencedor. “A economia está no centro das preocupações dos turcos e isso pode afetar o resultado nas urnas, população está dividida”, diz Emily Hawthorne, analista para o Oriente Médio e Norte da África da plataforma de geopolítica americana Stratfor. “Talvez o movimento de antecipar a votação não saia como o esperado para Erdogan”.

A seu favor, pesa a criação de mais de 1 milhão de empregos nos últimos anos e a expansão do crédito. Desde 2003, quando Erdogan assumiu pela primeira vez o cargo de primeiro-ministro e foi sendo reeleito, a renda dos mais pobres teve um aumento considerável. Apenas entre 2008 e 2017, o PIB per capita aumentou 50%, chegando a mais de 1.400 dólares. Só em 2017, a economia cresceu 7,4%, impulsionada pelo crédito fácil e investimentos em obras de infraestrutura. Para este ano, é esperado um crescimento menor, na casa dos 4%. “Pode parecer um bom resultado, mas boa parte dos turcos acredita que a inflação pode aumentar e nos próximos anos deve haver uma retração da expansão econômica”, diz Yesilada.

Mas não é só o comportamento da lira que poderá mudar a composição do jogo político na Turquia, que faz parte da OTAN e, para todos os efeitos, é um importante aliado do Ocidente no Oriente Médio. Enquanto Erdogan anunciava a antecipação das eleições, a oposição não ficou parada. Os quatro principais partidos contrários a ele decidiram unir forças. No início de maio, o Partido Republicano do Povo e outras três legendas formaram uma coalizão. Na outra ponta do espectro político, o direitista Partido do Movimento Nacionalista aderiu à chapa de Erdogan, do Partido Justiça e Desenvolvimento. Entre suas principais bandeiras estão a continuidade dos investimentos em obras públicas e da oferta de crédito, assim como, no campo geopolítico, a luta contra os separatistas curdos. Recentemente, a Turquia realizou incursões militares na Síria, onde tomou a cidade de Afrin, e no norte do Iraque para bombardear milícias curdas. Os curdos formam cerca de 20% da população da Turquia e batalham por um Estado próprio.

Essas incursões militares, embora bem-sucedidas do ponto de vista estratégico, têm um preço. Os gastos com defesa aumentaram cerca de 50% em 2017, em comparação com o ano anterior, alcançando 11,5 bilhões de dólares. A questão é como pagar essa conta – e bancar os mega projetos de infraestrutura. Em outubro, deve ser inaugurado um novo aeroporto internacional em Istambul, com capacidade para atender 90 milhões de passageiros por ano. Em 2023, o novo terminal deverá se tornar o maior hub do mundo, com 150 milhões de pessoas passando por seus portões anualmente, com voos de conexão para vários países da Ásia, Europa e o continente americano. Nos últimos 15 anos, foram construídas inúmeras rodovias, pontes, túneis e aeroportos sob os auspícios de Erdogan. Uma moderna frota de barcos de passageiros e de carga liga diversos pontos do país pelas vias marítimas.

A hidrelétrica de Ilisu, no sudeste do país, outra obra gigantesca, deve começar a funcionar em breve, depois de mais de uma década de construção – e algumas polêmicas, entre elas a inundação de uma área histórica com um conjunto arquitetônico de mais de 9.000 anos. Para acalmar os ânimos, o governo prometeu construir um parque arqueológico nas imediações, para onde será transferida inclusive a tumba de um importante líder islâmico que lutou pela supremacia da região há cinco séculos. As concessões, no entanto, param por aí. A Síria e o Iraque, países vizinhos, não ficaram muito felizes – mas, com a Síria em guerra e o governo iraquiano tentando reconstruir o país depois de três anos de dominação do Estado Islâmico, Erdogan nem se deu ao trabalho de franzir uma sobrancelha.

No cenário interno, Erdogan também tem feito uso da força. Em março, o governo mandou 24 jornalistas para a cadeia, sob a acusação de ligação com as forças por trás da tentativa do golpe de 2016. Dezenas de militares foram condenados à prisão perpétua. Calcula-se cerca de 50 mil pessoas estejam até hoje atrás das grades, incluindo opositores políticos, funcionários públicos e acadêmicos. Houve também um estremecimento dos laços com a Europa e os Estados Unidos que, na visão do governo, teriam protegido os idealizadores da tentativa de golpe. Recentemente, o apoio americano a milícias curdas no norte da Síria irritou ainda mais o presidente turco.

Caso Erdogan vença as eleições em 24 de junho, nada disso deverá mudar. Pelo contrário. O candidato eleito vai assumir ainda mais poderes. Em abril do ano passado, a população votou a favor de um referendo que vai mudar o regime de governo. O parlamentarismo dará lugar ao presidencialismo. Na ocasião, Erdogan afirmou que uma das primeiras medidas que deverá tomar, se for eleito, será reinstaurar a pena de morte. “A Turquia precisa reforçar a liberdade de expressão, o secularismo e a continuidade do crescimento econômico, ao invés de andar para trás”, diz o empreendedor Mehmet.

Em Istambul, Ankara e Izmir, consideradas cidades mais na vanguarda social e política, devem dificultar a reeleição de Erdogan. As urnas vão mostrar que caminho a Turquia deverá tomar. O mercado financeiro e as lideranças mundiais devem acompanhar com atenção os próximos passos do país.

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