Os vilarejos indianos apresentam um desafio ainda maior (Uriel Sinai/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 5 de maio de 2018 às 08h00.
Última atualização em 5 de maio de 2018 às 08h00.
Há apenas uma década a fábrica de smartphones da Nokia perto de Chennai era vista como protótipo de solução para o problema crônico da falta de mulheres no mercado de trabalho na Índia.
A unidade, que no pico da produção ostentava 8.000 funcionários permanentes -- sendo 72 por cento mulheres – ficou de fora da venda global da divisão de celulares da empresa finlandesa para a Microsoft devido a uma disputa fiscal com o governo indiano.
Demorou cinco anos para que Nova Déli abandonasse a exigência absurda de US$ 1,5 bilhão. No mês passado, Finlândia e Índia fecharam acordo por US$ 240 milhões -- valor que a empresa já pagou.
O estrago, contudo, estava feito. A Foxconn Technology, que quer comprar a antiga instalação, sem dúvida atrairia muitos jovens trabalhadores de vilarejos próximos. No entanto, a maioria das mulheres cortadas da Nokia abandonou o mercado de trabalho formal há vários anos e não retornará.
A “criança órfã”, como um ministro descreveu a fábrica abandonada, ressalta os peculiares desafios enfrentados pela Índia para ampliar a participação feminina no mercado de trabalho, hoje em 27 por cento.
A taxa contrasta com a da China, de 64 por cento, e é a segunda mais baixa da Ásia Meridional após a do Paquistão. Sri Lanka, Bangladesh e Nepal estão se saindo melhor em termos de aproveitamento da produção econômica das mulheres.
Paradoxalmente, a Índia tem muitas mulheres em cargos corporativos seniores.
Kundapur Vaman Kamath, CEO fundador do ICICI Bank, treinou uma geração de executivas bancárias. Entre elas, Kalpana Morparia agora dirige as operações indianas do JPMorgan Chase, enquanto Madhabi Puri-Buch atua na regulação do mercado de ações.
O principal cargo de Kamath no ICICI foi para uma de suas pupilas -- Chanda Kochhar --, outras duas executivas, Shikha Sharma e Renuka Ramnath, deixaram o banco, com dias de diferença, para fazer outras coisas, tamanha a diversidade no ICICI.
O momento, porém, não é bom para ser executivo bancário na Índia -- homem ou mulher. Fraudes, improbidades e uma enorme pilha de US$ 210 bilhões em empréstimos inadimplentes prejudicaram os lucros dos bancos e também a reputação de executivos.
O marido de Kochhar enfrenta uma investigação relativa a acusações de vantagem para um empréstimo, agora inadimplente, do ICICI para a Videocon Group.
A passagem de Sharma pelo Axis Bank, outro grande banco corporativo envolvido com empréstimos sem fundos, será interrompida porque o órgão regulador pediu que o conselho reconsiderasse a possibilidade de conceder um quarto mandato à CEO.
A falta temporária, mas lamentável, de modelos contribui para um cenário já deprimente. Quando 200.000 pessoas, incluindo médicos, engenheiros e profissionais com MBA, se candidatam a 1.137 cargos de policial na Polícia de Mumbai, sabe-se que a situação de trabalho enfrentada pela juventude da Índia está longe de ser promissora.
Adicione o colapso no investimento privado, o rápido aumento nas falências, a paralisia da atividade de construção e o aumento dos crimes contra as mulheres e o que se tem são perspectivas sombrias para a participação feminina no mercado de trabalho urbano.
Os vilarejos apresentam um desafio ainda maior. Entre 2005 e 2012, quando a economia rural registrou um aumento nos investimentos após anos de esquecimento, 21 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho, segundo o Banco Mundial.
Nem todo esse declínio foi ruim -- é um sinal encorajador quando jovens garotas podem passar mais tempo estudando. Mas as mulheres mais velhas também têm maior propensão a permanecer em casa quando enfrentam menos pressão para complementar a renda familiar, situação que gera um peso morto para a economia.
Em vez de culpar a cultura de trabalho centrada no homem, seria mais útil se as oportunidades disponibilizadas às mulheres nas zonas rurais fossem mais seguras e socialmente mais dignas.
A paridade de gênero ampliaria em 18 por cento o PIB normal da Índia até 2025, segundo um novo estudo da McKinsey & Co. Cada pequena mudança favorável no trabalho e na sociedade contaria.
Por isso é uma tragédia quando uma fábrica de eletrônicos moderna -- do tipo que impulsionou os Tigres Asiáticos -- precisa fechar as portas por uma decisão insana das autoridades fiscais.
Sem uma abordagem mais pragmática de burocratas e formuladores de políticas, a Índia não poderá sequer sonhar com um crescimento de dois dígitos do PIB. Pelo menos não enquanto as taxas de participação feminina continuarem sendo similares às de algumas partes do mundo árabe.