Campos Neto: Ele classificou o atual momento como "o primeiro teste" da autonomia (TV Cultura/Reprodução)
Agência O Globo
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 às 06h25.
Última atualização em 14 de fevereiro de 2023 às 06h28.
Em entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, na noite desta segunda-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, negou que tenha concordado com a flexibilização do sistema de metas de inflação em conversa com o governo.
Ele se disse contrário a essa ideia, que passou a ser aventada no governo desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a elevar o tom em suas críticas à taxa básica de juros (Selic), definida pelo BC, que atualmente está em 13,75% ao ano.
Os juros são o principal instrumento do BC para controlar a inflação, mas a alta da Selic dificulta o consumo, investimentos e o crescimento da economia. Campos Neto indicou que, mesmo sob fogo cruzado do governo, pretende cumprir seu mandato até o fim de 2024.
Em resposta às críticas de que a meta de inflação é impossível de ser cumprida, o presidente do BC afirmou aos jornalistas participantes do Roda Viva — apresentado pela jornalista Vera Magalhães, que também é colunista do GLOBO — que "ninguém gosta de juros elevados, nem o Banco Central".
Roberto Campos Neto disse ver a meta de inflação (3,25% em 2023) como um instrumento da política monetária do BC e afirmou que reduzi-la agora pode ter um efeito oposto ao buscado pelo governo:
"Se mudar a meta, vai ter o efeito contrário. O mercado vai pedir um premio de risco maior ainda. O que vai acontecer é o efeito contrário. Em vez de ganhar flexibilidade, vai acabar perdendo flexibilidade. Não existe ganho de credibilidade aumentando a meta", opinou.
Na quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne, e um dos temas que poderiam ser pautados pelo Ministério da Fazenda é o aumento das metas de inflação. Nas últimas semanas, Lula vem criticando a redução das metas — eram de 4,5% em seu governo, estão em 3,25% e recuarão a 3% no ano que vem, pela previsão atual.
O argumento é que uma meta baixa obriga o BC a subir mais os juros para controlar a inflação. O IPCA encerrou janeiro a 5,77%, no acumulado em 12 meses, bem acima do teto da meta, de 4,75% (há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual).
O CMN é formado por Campos Neto e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet. Segundo o colunista do GLOBO Lauro Jardim, o governo só pretende colocar a meta em discussão se houver um pedido de Campos Neto.
Na última semana, rumores de que o presidente Lula gostaria de elevar antecipadamente a meta da inflação do país e de que Campos Neto estaria disposto a um acordo para aliviar tensões com o chefe do Executivo balançaram a Bolsa e provocaram a abertura na curva de juros futuros no mercado financeiro.
Perguntado sobre a intenção de parlamentares do PT de convocá-lo para dar explicações no Parlamento sobre juros, Campos Neto afirmou que está disponível. "É meu trabalho, vou quantas vezes precisar."
O presidente do BC afirmou que é oportuno um maior debate sobre os juros com a sociedade, admitindo que falta melhorar a comunicação sobre o assunto:
"Esse debate dos juros é importante. Eu vou explicar quantas vezes for necessário. Os juros são altos, e essa é uma questão legítima para a sociedade."
Em aceno ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, ele disse que as eleições de outubro foram legítimas e que gostaria de conversar mais com o chefe do Executivo sobre a política monetária no país.
"Estou disponível sempre para conversar, não só com o presidente, mas com todos os ministros. Quero explicar a agenda do Banco Central e quero trabalhar em harmonia. O ambiente colaborativo é o melhor ambiente para a sociedade, não só para o Banco Central", afirmou Campos Neto.
Campos Neto argumentou que, em dezembro, o cenário-base dizia que a "meta (de inflação, de 3,25%) era exequível, com corte de juros a partir de junho". Segundo ele, porém, "ruídos" teriam alterado o cenário. Ele se referia às críticas de Lula e de aliados do governo em relação à atuação do BC, que manteve a taxa de juros em 13,75% na última reunião do seu Comitê de Política Monetária (Copom).
"O Banco Central quer fazer o melhor possível, ter os juros o mais baixo possível e ter o crescimento mais sustentável possível, mas a gente entende que é muito importante preservar esse ganho da inflação sob controle", disse.
Ele acrescentou que discorda de economistas que dizem que, se a meta for aumentada em um momento como esse, os analistas vão recalibrar suas projeções à nova meta. Para ele, na verdade aumentaria o quadro de "desancoragem" das expectativas, com projeções de inflação ainda mais altas. O que, na prática, provocaria um efeito contrário ao que o governo busca.
O presidente do BC considera que a melhor forma de viabilizar a queda dos juros é o governo deixar claro para os agentes econômicos sobre a política fiscal e novos mecanismos para equilibrar as contas públicas e reduzir o endividamento público no longo prazo. E frisou. "Não existe ganho de credibilidade aumentando a meta."
Ele minimizou a revelação de que fazia parte de um grupo de WhatsApp de ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro, dizendo que só atuava ali trocando informações. No governo do antecessor de Lula, usava o grupo para dar sugestões de políticas públicas, afirmou.
Perguntado sobre o fato de ter usado a camisa da Seleção brasileira no dia da votação e sobre a proximidade com ex-integrantes do governo Jair Bolsonaro, Campos Neto argumentou que todos estão aprendendo com o novo arcabouço que instituiu a autonomia do Banco Central:
"O mais importante é que isso não interferiu de forma alguma na condução da política monetária. Se o BC quisesse participar (das eleições), não teria subido os juros em 2022."
Campos Neto não quis abrir seu voto nas últimas eleições, mas afirmou que "é preciso reconhecer a legitimidade da eleição" do presidente Lula e que está disposto a trabalhar junto com o governo. Ele considerou ser natural o Executivo se queixar de alta nos juros.
Ele descreveu a alta dos juros em 2022, no ano da eleição presidencial, como uma evidência de sua atuação independente. Lembrou que, no governo Bolsonaro, recebeu ligações do então ministro da Economia, Paulo Guedes, questionando a política de juros. Mas assegurou que sempre teve postura técnica e que não permaneceria no cargo se fosse diferente. "Se tivesse tido qualquer tipo de interferência, eu teria saído do governo (Bolsonaro)."
O economista afirmou que " um Banco Central sem credibilidade não ajuda o governo". Ao contrário, disse que a instabilidade no controle da inflação atrapalha investimentos e a geração de empregos.
"Acho que é hora de esquecer essas coisas pequenas e pensar no que o Brasil precisa para crescer. É nesse debate que eu quero contribuir."
Campos Neto afirmou que não tem interesse de ingressar na política e que seu plano é voltar à iniciativa privada após deixar o BC, em 2024, quando termina seu mandato. O presidente do BC indicou que não pretende renunciar ao cargo e fez uma defesa enfática da autonomia do Banco Central, aprovada pelo Congresso em 2021.
Ele classificou o atual momento como "o primeiro teste" da autonomia. E citou evidências de que a autonomia da autoridade monetária está ligada a menor inflação e volatilidade em economias que adotam esse instituto.
"Acho que a minha figura é irrelevante. Se eu saísse hoje do BC, as decisões não mudariam muito", afirmou. "A instituição do BC autônomo é um ganho para a sociedade no longo prazo."
Campos Neto também fez questão de ressaltar que a decisão sobre os juros não é exclusiva do presidente do BC. Afirmou que tem um dos votos no Comitê de Política Monetária (Copom) e que muitas vezes o presidente é voto vencido. E mencionou um caso desse tipo recente no Banco da Inglaterra, o banco central do Reino Unido. "Todos as decisões (no Copom) são colegiadas, o presidente do BC não decide sozinho."
Campos Neto ainda falou da crise da Americanas e afastou uma crise no sistema financeiro por causa do rombo contábil bilionário da varejista. Disse que tem conversado com CEOs de bancos, e eles têm relatado perdas localizadas e já provisionadas nos balanços. Por isso, considera que o efeito sobre a concessão de crédito este ano será temporário.