Homem faz compras em uma loja subsidiada pelo governo da Venezuela: pratilheiras estão vazias (Meridith Kohut/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2014 às 17h02.
Santiago - Como a Venezuela está acumulando dívidas de bilhões de dólares com importadores, o que alimenta a pior escassez de produtos já registrada, um dos principais economistas do país está questionando a decisão do governo de continuar pagando seus bonds estrangeiros.
Um “calote maciço na cadeia de importação do país” foi parte do que possibilitou que o país continuasse pagando seus bonds estrangeiros, disse Ricardo Hausmann, ex-ministro de Planejamento da Venezuela, que agora é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, em entrevista por telefone, de Boston.
“Essa escolha moral é estranha. Normalmente, os governos declaram que não podem pagar antes de chegar a esse ponto”.
Embora Hausmann não tenha querido dizer se recomendaria especificamente um calote, ele disse que não vê “nenhuma razão moral” que leve o governo e a empresa estatal Petróleos de Venezuela SA a pagar os US$ 5,3 bilhões dos bonds com vencimento em outubro.
Com as reservas estrangeiras no patamar mais baixo em 11 anos e dívidas crescentes com os importadores, os venezuelanos estão tendo dificuldades para encontrar diversos produtos, de remédios a papel higiênico.
Além disso, os preços dos produtos que eles podem comprar estão aumentando, o que impõe ao país a pior taxa de inflação da América Latina.
Os bonds do país estão afundando. O presidente Nicolás Maduro não consegue deter a crise.
O rendimento adicional que os investidores demandam para manter os bonds soberanos da Venezuela ao invés dos títulos do Tesouro dos EUA deu um salto de 1,92 ponto porcentual durante o mês passado, chegando a 12,3 pontos porcentuais, o valor mais alto desde março, de acordo com dados compilados pelo JPMorgan Chase. O diferencial é o mais alto dos mercados emergentes.
Na semana passada, os bonds desmoronaram depois que Maduro dispensou Rafael Ramírez, o principal responsável pelas políticas econômicas do país.
Isso aumentou a preocupação de que o governo possa adiar ou cortar medidas para aliviar a hemorragia de dólares, incluindo uma desvalorização da moeda e um aumento no preço da gasolina.
Tentativa de golpe
Hausmann é um personagem público da Venezuela há mais de duas décadas. Ele foi ministro do Planejamento no governo que o falecido Hugo Chávez, antecessor e mentor de Maduro, tentou derrubar em uma tentativa de golpe em 1992.
Hausmann então entrou no Banco Interamericano de Desenvolvimento, onde foi economista-chefe, antes de sair para Harvard em 2000.
Em um artigo intitulado “Should Venezuela Default?” (“A Venezuela deveria dar o calote?”, em tradução livre), publicado no dia 5 de setembro no Project Syndicate, Hausmann e Miguel Ángel Santos, pesquisador de Harvard, destacaram o quanto as dívidas com os importadores e a escassez estão dificultando a vida dos venezuelanos.
Programa econômico
“O fato de que esta administração tenha escolhido dar o calote em 30 milhões de venezuelanos ao invés de dar em Wall Street não é um indício de retidão moral”, escreveram. “É um indício de falência moral”.
Francisco Rodríguez, economista do Bank of America, disse que seria um erro dar o calote agora.
As distorções criadas pelos controles do governo sobre os preços e as moedas estrangeiras é o que está provocando a escassez, não a falta de uma moeda forte, disse ele.
US$ 13 bilhões
As dívidas com os importadores podem totalizar US$ 13 bilhões, disse o Morgan Stanley em junho, um valor equivalente a mais da metade das reservas de moeda estrangeira do país.
A Venezuela atrasou a publicação regular das estatísticas econômicas e ainda não publicou os dados de inflação de junho, julho e agosto depois que os aumentos anuais sobre os preços ao consumidor chegaram a 61 por cento em maio.
Esse foi o valor mais alto de todas as economias acompanhadas pela Bloomberg.
A dívida em moeda estrangeira da Venezuela é a mais cara do mundo para garantir contra um calote. Os swaps de crédito do país aumentaram 1,93 pontos porcentuais no mês passado e chegaram a 12,79 pontos porcentuais.
Isso implica 59 por cento de possibilidade de que os pagamentos sejam interrompidos nos próximos cinco anos, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Ao ser perguntado sobre o que faria se estivesse no lugar de Maduro, a resposta de Hausmann ilustrou tanto sua falta de confiança no governo quanto o tamanho do problema que o país está enfrentando.
“Eu renunciaria imediatamente e convocaria uma eleição democrática”, disse ele.