Economia

Dívida criada contra covid-19 desacelerará PIB, diz professor em Stanford

"Tipicamente quando há uma expansão grande do governo, ela não retorna aos níveis pré-crise, só vira desculpa para mais expansão", diz Michael Boskin

Michael Boskin, professor em Stanford (Stanford/Divulgação)

Michael Boskin, professor em Stanford (Stanford/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 18 de julho de 2020 às 08h00.

A dívida sendo contraída pelos governos para combater os efeitos sociais e econômicos da covid-19 será paga no futuro na forma de um crescimento mais lento.

A opinião é de Michael Boskin, um nova-iorquino de 74 anos que liderou o Conselho de Conselheiros Econômicos da Presidência dos Estados Unidos entre 1989 e 1993, na gestão de George Bush pai.

Ele também alerta para o risco de que a expansão do governo se torne permanente e para a tendência de enxertar temas não relacionados nos pacotes de estímulo, o que arrisca agravar a desaceleração.

Boskin, que também foi professor em Harvard e Yale e leciona atualmente na Universidade Stanford, se diz "cautelosamente otimista" sobre os rumos da retomada econômica. No entanto, lembra que muito depende da evolução da contaminação e que os dados estão difíceis de ler.

Veja os principais trechos da entrevista, realizada na semana passada:

Vimos uma queda inédita do PIB no 2º trimestre. Você é otimista sobre a recuperação nos EUA?

Houve um shutdown governamental da economia que causou uma contração enorme em março e abril. Vimos em maio e junho o início de uma recuperação em V. Resta ver se ela vai continuar neste formato.

Meu palpite é que o ritmo de melhora vai desacelerar nos próximos meses. Há vários estados grandes recuando na reabertura. Sou cautelosamente otimista, mas depende da evolução do vírus. Para as pessoas voltarem ao trabalho e atividades presenciais, precisam sentir segurança.

Os aumentos de casos recentes são liderados por jovens de 20 ou 30 anos, que saíram de casa com a chegada do verão, e o efeito neles tende a ser mais suave. Mas será que vão transmitir para pessoas no grupo de risco? Resta ver. As mortes caíram, mas elas tendem a suceder os casos, então o tempo dirá.

Ainda estamos aprendendo sobre o vírus e tem havido dificuldades, em parte porque profissionais médicos e epidemiologistas tinham visões divergentes – falaram que não era para usar máscara e depois que era, por exemplo, então parte da população não sabe no que acreditar. Parece haver risco baixo para crianças, então as escolas vão reabrir, mas ninguém sabe se haverá segunda onda.

Essa crise é de natureza global, resulta de um choque externo, e tem rumos imprevisíveis pois está interconectada com a saúde, o que dificulta ler os dados. Há alguma analogia histórica possível?

Nunca tivemos um bloqueio da economia por razões de saúde. Os exemplos são muito locais, de desastres naturais como furacões e terremotos, mas nada nessa magnitude e em muitos lugares simultaneamente. Além de ser uma questão de demanda, pois a renda das pessoas caiu, ainda que alguns tenham sido compensados quase que em 100% por programas do governo.

Não há um bom exemplo histórico e você está certo, os dados econômicos são difíceis de ler. Por exemplo: as respostas para pesquisas caíram muito. No caso de emprego, de mais de 80% para 60%. Então a variação é muito mais ampla.

Há também questões de definição – quem está mesmo desempregado ou só teve licença ou férias coletivas? Ou está recebendo por programas que são do governo, mas pagos via firmas? Podemos esperar que estas pessoas voltem ou não ao trabalho? Tudo isso dificulta a leitura dos dados.

Serão necessários novos pacotes de resgate econômico? E como eles devem mudar, na medida que a situação evolui?

É provável que haja medidas adicionais no final do verão. A estrutura deve mudar para não apenas dar dinheiro extra, sendo que dois terços das pessoas recebiam mais do que se estivessem indo ao trabalho.

Eu e outros sugerimos tornar a ajuda um "bônus de volta ao trabalho", já que há um custo envolvido nisso. Também há preocupação em manter vivas firmas que devem estar solventes quando isso acabar, por meio do esforço em tornar o crédito barato e amplamente disponível.

Haverá pressão dos democratas para que o pacote seja grande, e o projeto deles incluía seus temas preferidos como gasto em infraestrutura, subsídios para energia verde, etc. Mas estas são coisas que não se pode fazer rápidamente, e que independente de seus méritos, não têm a ver com a recuperação.

A negociação será a poucos meses antes da eleição, quando a tendência é de dar a todo mundo o que querem. Me preocupa saber como pagar por isso depois.

Haverá uma forte alta na relação dívida/PIB. No Brasil, a previsão é que este número suba quase 10 pontos percentuais. Há risco de uma crise de divida, como na América Latina nos anos 80?

Quando você tem um problema de curto prazo, é com ele que você lida primeiro, mas sem criar necessariamente um custo adicional no longo prazo.

Estes números já estavam subindo devido a questões como demografia, custo de benefícios, gasto em saúde e pensões. E agora vai subir mais, não apenas pelo gasto adicional, mas pelo colapso nas receitas.

Pagaremos no longo prazo em crescimento mais lento. Haverá dificuldade política em controlar o endividamento. Mas é menos provável que vire uma crise do que um peso que emerge lentamente.

E as questões como mudanças climáticas ou desigualdade, que vinham ganhando espaço na agenda, tendem a ganhar ou perder proeminência diante dos novos desafios?

Eu acho que os defensores de mudanças radicais nestas áreas veem isso como uma oportunidade. Se os democratas ganharem de lavada na eleição, haverá uma pressão imensa para adotar uma agenda mais radical, como quando Obama foi eleito em meio à recessão. Ele ignorou o conselho de pessoas como eu de esquecer suas tentativas de “reestruturar” a economia, porque ela iria desacelerar – e desacelerou! Tivemos a recuperação mais lenta desde a Segunda Guerra Mundial.

Muitas regulações, impostos mais altos e tudo isso criaram incerteza sobre como ficariam os sistemas financeiro, de energia e de saúde, o que desacelerou contratações e investimentos. Este é o risco.

Os pacotes atuais são baseados em fortes altas do gasto. O liberalismo clássico é particularmente inadequado para momentos como esse? O liberalismo vai mudar por causa desta crise?

Não acho que vá mudar, e sim que seus princípios precisam ser amplos o suficiente para incluir situações nas quais só uma grande resposta do governo possa pagar e lidar com a crise.

O problema é que tipicamente quando há uma expansão grande do governo, ela não retorna aos níveis pré-crise, só vira uma desculpa para mais expansão. Mas depois, devemos voltar para análises normais de custo-beneficio.

Não vejo isso como uma crise do liberalismo clássico. Há um papel para o governo, e há momentos em que precisamos que ele faça as coisas rápido e em grande escala - mas temporariamente.

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