Economia

Disputa sobre ambiente ameaça acordo Mercosul-UE na reta final

Negociação já dura 20 anos e anúncio é iminente, mas polêmicas de Bolsonaro no G20 com líderes da Alemanha e França se tornaram um empecilho

Angela merkel e Emmanuel Macron no Fórum da Paz, em Paris (Gonzalo Fuentes/Pool/Reuters)

Angela merkel e Emmanuel Macron no Fórum da Paz, em Paris (Gonzalo Fuentes/Pool/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de junho de 2019 às 11h09.

Última atualização em 28 de junho de 2019 às 11h49.

Brasília - A troca de farpas entre chefes de Estado de Brasil, França e Alemanha aumentou a tensão sobre as negociações dos detalhes finais do acordo entre Mercosul e União Europeia, discutido há duas décadas.

Havia expectativa de que um consenso entre os ministros dos dois blocos pudesse ser alcançando ainda na última quinta-feira (27) mas as conversas avançaram a noite em Bruxelas sem que um anúncio final fosse feito.

Há grandes chances de o acordo ser fechado nesta sexta-feira (28), de acordo com o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros. Questionado em Osaka, no Japão, durante encontro do G-20, sobre se as chances estariam em torno de 80%, ele respondeu: "Eu diria mais".

De Bruxelas, uma fonte comunicou ao Broadcast/Estadão, que as negociações avançam e que os dois lados estão muito perto de encerrar o processo mas que ainda há "desafios a superar".

Os impasses sobre alguns termos do acordo ainda não foram totalmente solucionados, mas foi o clima político que pesou.

O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou na quinta, antes da reunião do G-20, que não assinaria um acordo com o Mercosul se o presidente Jair Bolsonaro levasse adiante a promessa de retirar o Brasil do acordo climático de Paris. Ele fizera ameaça similar no ano passado.

Em meio a esse clima tenso, sem uma justificativa oficial, na manhã desta sexta-feira (horário de Osaka), a assessoria de Bolsonaro informou o cancelamento de um encontro bilateral com o líder francês no Japão.

A assessoria francesa afirmou que a reunião nunca esteve na agenda oficial e os dois líderes acabaram tendo uma reunião informal onde Bolsonaro chamou Macron para ir à Amazônia e confirmou que fica no Acordo de Paris.

A França está preocupada com o impacto sobre sua vasta indústria de agricultura de importações sul-americanas, que não teriam que respeitar as estritas regulações de meio ambiente da UE.

Ainda na quinta-feira, antes de seguir para o encontro de líderes mundiais, a chanceler alemã, Angela Merkel, também já havia dito que queria ter uma "conversa clara" com Bolsonaro sobre desmatamento e que via com preocupação a posição do brasileiro.

Os europeus estão sendo pressionados por ONGs a questionar o acordo, apesar de Merkel se dizer favorável. Mas o governo brasileiro reagiu às criticas mirando justamente nela.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, disse que ninguém tem "moral" para falar sobre preservação com o Brasil e que a Alemanha deveria "procurar sua turma".

Ao desembarcar em Osaka, Bolsonaro disse que o País "tem exemplo para dar para a Alemanha" sobre meio ambiente. Em uma transmissão ao vivo via Facebook, disse que não vai receber "pito" de ninguém.

Rêgo Barros confirmou que Bolsonaro e Merkel tiveram uma conversa rápida e reservada nesta sexta-feira, mas não falou quais temas foram tratados na reunião.

Surpresa

O embate político pegou os negociadores de surpresa. Pela manhã, representantes do governo brasileiro estavam otimistas e uma fonte do Itamaraty afirmou que o chanceler Ernesto Araújo, que está em Bruxelas para etapa decisiva de negociações, poderia fazer um anúncio ainda ontem.

Representantes do setor produtivo também haviam sido comunicados que, na manhã de hoje, um encontro poderia ocorrer na Bélgica para que os principais pontos do acordo fossem explicados.

O bloco europeu entendia que a disputa climática havia sido de certa forma superada. Apesar das críticas na Europa sobre os discursos de Bolsonaro em relação ao meio ambiente, os europeus avaliavam que a decisão do Brasil de não deixar imediatamente o Acordo de Paris foi uma sinalização de que nem tudo o que o presidente brasileiro prometeu na campanha será colocado em prática.

Fontes próximas aos negociadores europeus não descartam, porém, dificuldades para a ratificação do acordo. Isso porque, após assinado, o tratado precisa passar pelo crivo do Parlamento de todos os países envolvidos, além dos parlamentares da União Europeia.

Enquanto isso, pode vigorar com regras transitórias. O avanço dos "verdes" no Parlamento Europeu, porém, pode causar dificuldades nessa fase.

Decisão

Para que se chegue a essa fase, no entanto, será preciso que os ministros de Mercosul e União Europeia alcancem um acerto sobre pontos sensíveis, como o prazo para que o Mercosul zere tarifas para bens como automóveis, e quanto os europeus concordarão em aumentar as cotas de importação para produtos agrícolas.

Fontes próximas às conversas relataram ao Estado que avanços significativos já haviam sido feitos em pontos que preocupavam o Brasil. Os europeus haviam aceitado, por exemplo, incorporar ao acordo regras mais rígidas para a aplicação de barreiras sanitárias do que as que seguem atualmente.

A União Europeia é conhecida por usar o argumento de risco à segurança sanitária para inibir importações, notadamente de produtos agrícolas.

Há pouco mais de um mês, um integrante do governo brasileiro avaliou, em relação ao fechamento do acordo, que era "now or never" (agora ou nunca).

(Por Renata Agostini e Julia Lindner com colaboração de Beatriz Bulla e Célia Froufe, de Osaka)

Acompanhe tudo sobre:Angela MerkelEmmanuel MacronMercosulUnião Europeia

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo