Economia

Despesas obrigatórias, baixo crescimento e sem penalidade: por que arcabouço será difícil de cumprir

OPINIÃO | Na ausência de surpresas extraordinárias e sistemáticas de arrecadação, a probabilidade de sustentação da regra proposta é baixa, calcula o economista Gabriel Barros; veja as projeções

Fazenda: arcabouço flexibilizado em relação à LRF (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)

Fazenda: arcabouço flexibilizado em relação à LRF (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 20 de abril de 2023 às 17h59.

Última atualização em 20 de abril de 2023 às 18h28.

Após a apresentação do “arcabouço fiscal”, uma série de inferências iniciais baseadas na apresentação simplificada feita há um par de dias puderam ser revisitadas, a exemplo do efetivo compromisso com as metas de resultado primário e consistência da regra de gasto proposta.

  • No primeiro caso, a percepção é de relaxamento com as metas de déficit de 0,5% do PIB neste ano, para um superávit de 1% do PIB em 2026, uma vez que o texto do projeto de lei complementar (PLP) sanciona que as metas serão definidas a cada ano.
  • No segundo caso, a percepção de inconsistência entre o crescimento das principais rubricas de gasto e a limitação agregada permanece, sendo pouco provável que o limite inferior da banda de crescimento do gasto seja observado.

A deterioração da confiança prévia no cumprimento da proposta apresentada se dá em razão tanto da definição anual e não plurianual das metas de resultado primário, bem como pela flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Penalidades frágeis

O PLP afastou as penalidades previstas pelo descumprimento da regra fiscal, bem como alterou a sistemática de reavaliação bimestral do orçamento, que deixa de ocorrer bimestralmente e passa para os meses de março, junho e setembro. Não há justificativa que embase as alterações.

Adicionalmente, também houve flexibilização da necessidade de contingenciar o orçamento de modo a garantir que as metas fiscais apresentadas sejam alcançadas, antes obrigatórias na LRF e agora, facultativas.

Tebet, Haddad e secretários na apresentação do arcabouço: proposta chegou oficialmente ao Congresso nesta semana (Foto: Fazenda/Flickr/Divulgação) (Diogo Zacarias/MF/Divulgação)

Chama a atenção que o contingenciamento voluntário tenha sido proposto na ausência de quadro de despesas de médio prazo (QDMP), margem orçamentária e aprimoramento das válvulas de espace, inovações que entregariam upgrade à regra proposta.

Os gatilhos em caso de descumprimento da regra, por sua vez, são praticamente inexistentes. Há apenas a redução do limite do crescimento gasto de 70% para 50% da arrecadação, cujo enforcement é demasiado frágil.

Com salário mínimo robusto, despesa avançaria 2,5%

No tocante à limitação entre 0,6% e 2,5% ao ano para o crescimento do gasto, diante da ausência de penalidades e de gatilhos para a correção do desvio, o incentivo e enforcement para o seu cumprimento é evidentemente reduzido.

  • Tomando as principais despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos, seu crescimento real e indexação, é possível antever que a taxa de crescimento da despesa tende a ser de 1,5% ao ano, pelo menos.
  • No cenário base, todavia, o avanço real do gasto deve situar-se próximo de 2%;
  • Enquanto no cenário em que o reajuste do salário mínimo é robusto, haveria avanço de 2,5% ou mais.

A elevada rigidez e indexação de benefícios como os da previdência, assistência, abono e seguro-desemprego ao salário mínimo, exerce notável fator expansionista sobre a despesa.

Incorporando as despesas com saúde e educação, cujo mínimo constitucional passam a vincular-se ao desempenho da arrecadação – fator que agudiza o viés pró-cíclico da regra fiscal –, cerca de 65% das despesas sujeitas ao teto impõem avanço real substancial e superior a 1,3%, no melhor cenário.

As demais despesas, notadamente com salário de servidores públicos, transferências de renda para o Bolsa Família e a instituição de piso crescente para os investimentos públicos, somados aos fatores anteriores, entregam avanço real do gasto de, no mínimo, 1,5% (g1). No cenário base (g2) e pessimista (g3), respectivamente, o avanço é próximo de 2% e maior ou igual a 2,5% a.a (tabela).

Principais despesas

Part. (%)

g1

g2

g3

Ben. previdenciário

0,46

0,92

1,15

1,38

Abono e seguro-des.

0,04

0,06

0,08

0,10

Ben. assistenciais

0,04

0,08

0,10

0,10

Saúde & educação

0,10

0,20

0,30

0,30

Pessoal

0,20

0,10

0,20

0,30

Bolsa Família

0,08

0,04

0,04

0,08

Investimentos

0,05

0,03

0,03

0,05

Subtotal 

0,97

1,43

1,90

2,31

A indexação de 70% dos benefícios do RGPS, 100% dos benefícios do abono, 100% dos benefícios do BPC e cerca de 50% do seguro-desemprego, como se pode depreender, tem relação umbilical com a política de valorização do salário mínimo e, nesse sentido, tensiona mais ou menos o cumprimento já desafiador da regra de gasto.

Na ausência de surpresas extraordinárias e sistemáticas de arrecadação, a probabilidade de sustentação da regra proposta é baixa.

Para o gasto crescer 2,5%, a receita deve crescer 3,6% em termos reais

Some-se a isso o fato de a sensibilidade da receita recorrente ao PIB (i.e, da elasticidade) estar em declínio e próximo da unidade. Ou seja, para cada 1% de aumento do PIB, deveríamos esperar uma resposta também próxima de 1% das receitas recorrentes, evidência econométrica que desafia a lógica de sustentação do “arcabouço” proposto.

Na tabela abaixo, é possível identificar que, para que o gasto experimente um avanço de 2,5%, as receitas devem crescer 3,6% em termos reais.

Taxa real de cresc./ ε

@1,25

@1,15

@1,10

Despesa

Receita

Taxa real de cresc. PIB

0,6

0,9

0,7

0,7

0,8

1,0

1,4

1,1

1,2

1,3

1,5

2,1

1,7

1,9

1,9

1,6

2,3

1,8

2,0

2,1

1,9

2,7

2,2

2,4

2,5

2,1

3,0

2,4

2,6

2,7

2,3

3,3

2,6

2,9

3,0

2,5

3,6

2,9

3,1

3,2

1,43

2,0

1,6

1,8

1,9

1,90

2,7

2,2

2,4

2,5

2,31

3,3

2,6

2,9

3,0

  • Para tanto, assumindo uma elasticidade benevolente, o crescimento econômico teria de atingir 2,9%;
  • Enquanto para uma elasticidade mais aderente à realidade (de 1,1), o PIB precisaria avançar 3,2% ao ano.

Uma vez que o PIB potencial do país é baixo, de apenas 1,5% ao ano e na ausência de contrarreformas, fica evidente que o crescimento econômico requerido é demasiado otimista.

Mesmo no cenário base, em que a despesa avança 2% ao ano, o PIB precisaria crescer sistematicamente entre 2%/2,5% ao ano para que a regra de gasto seja cumprida.

Depreende-se, portanto, que o ceticismo quanto à solidez e à viabilidade da proposta resulta de limitação matemática.


*Gabriel Barros é bacharel em economia pela UFF, com MBA em gestão avançada em finanças pela mesma universidade. É mestre em economia e finanças pela FGV/EPGE e doutorando em economia e políticas públicas pela FGV/EPPG. Foi pesquisador de economia aplicada na FGV/Ibre, economista-sênior do BTG Pactual, economista-chefe da RPS Capital e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal. Atualmente é sócio e economista-chefe da Ryo Asset.

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