O francês Thomas Piketty na Universidade da Califórnia em Berkeley em abril de 2014 (Justin Sullivan/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de novembro de 2014 às 17h59.
São Paulo – “A desigualdade é reconhecidamente alta no Brasil, mas sinto dizer que está provavelmente subestimada”.
Quem diz é Thomas Piketty, autor de “Capital no Século XXI”, que sacudiu o mundo econômico este ano ao apontar com dados inéditos a explosão da desigualdade nas últimas décadas.
Em São Paulo, ele participou de um evento hoje para lançar o livro na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e, entre outros assuntos, apresentou dados sobre a concentração de renda no Brasil.
Segundo a PNAD, a riqueza concentrada pelos 10% mais ricos do país caiu entre 2007 e 2012 de mais de 50% para 45% do total. Segundo trabalhos que olham para dados fiscais, a parcela deste grupo na verdade cresceu: de 49% para 56% da riqueza nacional no mesmo período. Dependendo de qual se olha, a renda concentrada pelos brasileiros mais ricos é maior aqui ou nos EUA.
Piketty nota que pesquisas domiciliares como a PNAD olham só para a renda do trabalho e por isso acabam subestimando o patrimônio dos mais ricos, concentrado em coisas como imóveis e ações.
Para chegar mais perto da realidade, vale focar no imposto de renda, e foi aí que após analisar dados de mais de 20 países através de três séculos, Piketty viu o quanto a desigualdade está aumentando.
Sua tese é que na medida em que o crescimento desacelera, ele acaba sempre ficando pra trás em relação ao retorno do capital investido - sua polêmica fórmula "r > c" - e isso significa uma transferência de renda em direção a quem já acumulou patrimônio.
"O nível de preços do mercado imobiliário em Paris e Londres ou mesmo Beijing ou Xangai significa que se você quiser adquirir propriedade só com renda do trabalho, bom, precisa ser uma baita renda de trabalho", diz Piketty.
Nos países ricos, o estoque total de capital privado valia algo entre 2 e 3,5 anos da renda nacional em 1970. Hoje, está entre 4 e 7 anos. Nos Estados Unidos, o caso mais contundente, a parcela da riqueza atribuída pelos 10% mais ricos da sociedade ficou parada em cerca de 33% do total entre 1950 e 1980.
Desde então, disparou para quase a metade do total – a grosso modo, a desigualdade americana foi “de níveis europeus para brasileiros”, segundo Piketty. Porque isso aconteceu? Além da globalização, Piketty aponta outros culpados: a desigualdade de acesso à educação, um sistema de impostos cada vez menos justo e o aumento vertiginoso da compensação para executivos.
A lição geral é que a desigualdade não tem uma trajetória “natural”. Para ele, tanto Marx – que previa uma concentração inevitável da renda – quanto Donesk – que esperava o contrário – estavam errados. O que importa é como os cidadãos equilibram as forças econômicas:
“Esse não é um livro pessimista. Acredito que a globalização é um jogo de soma positiva – nós só precisamos dos impostos certos e das instituições corretas para que todo mundo se beneficie.”
Citando a declaração dos direitos humanos da Revolução Francesa, Piketty lembra que a desigualdade em si não é ruim – ela só não pode fugir do controle: “Não precisamos de desigualdade de século XIX para crescer no século XXI. Ainda estamos longe daquilo, mas não queremos voltar. Eu não tenho problema algum com a desigualdade desde que ela esteja no interesse comum.”