Desemprego: a perspectiva é que a recuperação da receita também tende a demorar mais tempo do que se estimou inicialmente (foto/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de julho de 2017 às 10h22.
São Paulo - Está cada vez mais claro para os economistas especializados em finanças públicas que o comportamento da arrecadação da União mudou.
Após sucessivas frustrações nas previsões de receita, quem estuda o tema acredita que a arrecadação acompanha muito mais o comportamento do mercado de trabalho do que o crescimento da economia propriamente dito.
Como o desemprego é o último indicador a reagir após uma crise severa como a que o País vive, a perspectiva é que a recuperação da receita também tende a demorar mais tempo do que se estimou inicialmente.
Segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, quase 60% das chamadas receitas primárias do governo federal (que não incluem ganhos financeiros) vem de tributos que recaem sobre a massa salarial e o consumo das famílias.
Dentro dessa perspectiva, o forte aumento da arrecadação que se viu nos último anos teria sido influenciado, em larga medida, pela estabilidade econômica, a partir do Plano Real - que deu segurança e renda aos consumidores -, bem como pelo aumento das contratações com carteira assinada.
O IFI mostra que, na década entre 2003 e 2014, a taxa de desempregou caiu de 12,3% para 4,8%, e o rendimento médio real aumentou cerca de cinco pontos porcentuais acima da inflação.
Paralelamente, a arrecadação do governo central viveu um período áureo: teve aumento, na média, de 6,9% ao ano acima da inflação entre 1999 a 2008. Com a crise, em 2009, o cenário se altera, mas o baque vem justamente quando ocorre a forte retração no emprego.
"A melhora da arrecadação não é apenas uma questão de recuperação do PIB (Produto Interno Bruto), como muitos estimam, mas também do mercado de trabalho", diz Gabriel Barros, diretor do IFI, que está aprofundando os estudos sobre a relação entre emprego, crescimento e arrecadação federal.
O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP), há um tempo vem alertando para o fato de que mudanças na tributação sobre a folha de pagamento, como a desoneração, requerem atenção do governo porque não foram feitos estudos adequados sobre seus impactos sobre as contas públicas. Afonso está especialmente preocupado com os efeitos da reforma trabalhista sobre a arrecadação.
A economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), também identificou que a relação entre crescimento do PIB e arrecadação mudou.
"Quem está tendo surpresas negativas com a arrecadação são as pessoas que levam em consideração as séries históricas mais longas. Nelas, a arrecadação cresce acima do PIB. Mas nas séries mais recentes, pós-crise, isso muda, e o avanço da arrecadação é inferior ao do PIB", diz Vilma.
Parte das frustrações nas estimativas de receita feita pelo governo viria justamente do fato de os parâmetros utilizados levarem em consideração o pressuposto anterior - que o crescimento da receita acompanha o crescimento do PIB.
Afora o comportamento do mercado de trabalho, outros fatores também que estariam ajudando a murchar a receita federal. Um que vem sendo duramente criticado é a prática de sucessivos Refis, programa especiais de regularização tributária para empresas que não pagaram os impostos em dia.
Na média, têm sido praticamente dois Refis por ano, porque o governo tenta tapar com receitas extras a falta das receitas esperadas. As condições de abatimento nos programas, porém, se tornaram muito vantajosas, dizem os especialistas.
Excluem-se juros, mora. Ao final, a empresa inadimplente pode pagar praticamente o principal do débito, e parcelado, a perder de vista.
"Os números estão aí para mostrar que os Refis estão derrubando a arrecadação", diz Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman e ex-secretária de Finanças de Goiás.
O mais recente relatório do Ibre sobre a arrecadação, que avalia o mês de maio, traz esses números. Mostra que os tributos pagos por empresas (Imposto de Renda e Pessoa Jurídica e Contribuição sobre o Lucro Líquido) tiveram queda de 13,3% na comparação mensal entre maio deste ano com maio do ano passado.
O resultado é quatro vezes pior do que o apresentado na totalidade dos tributos. O mais preocupante: a tendência é de retração forte na arrecadação dos tributos de empresas quando se avalia o acumulado entre janeiro e maio deste ano com o do ano passado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.