BC: BC revisou no mês passado a projeção de saldo comercial para 2014 de US$ 5 bilhões para US$ 3 bilhões (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2014 às 16h51.
São Paulo - O déficit comercial no mês de setembro, de US$ 939 milhões, conforme divulgou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), reforça uma deterioração que tem origem em uma escolha equivocada e em uma deficiência histórica. O erro de diagnóstico foi optar por privilegiar o mercado interno em detrimento de uma maior inserção internacional.
E a desvantagem é a ineficiência causada pelo excesso de burocracia, o que custa tempo e dinheiro a exportadores e importadores. Essa é a avaliação do economista e diretor da Troster Associados, Roberto Troster.
O próprio Banco Central revisou no mês passado a projeção de saldo comercial para 2014 de US$ 5 bilhões para US$ 3 bilhões. "O mundo mudou e as empresas deixaram de olhar o mercado interno e passaram a focar o mercado global, tanto para comprar insumos quanto para vender produtos", afirmou, em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
De acordo com ele, o mundo se globalizou e o Brasil não acompanhou. Os países que passaram a mirar o mercado global, como a China, são os que estão ganhando o jogo do comércio mundial.
Na outra ponta, os países que passaram a olhar somente para o mercado interno - como Brasil e Argentina - estão andando para trás, afirma Troster.
O economista reconhece que não se pode ignorar os efeitos da crise internacional iniciada em 2008. Mas, de acordo com ele, não é certo jogar toda a culpa na crise. "Isso é desculpa para justificar o mau desempenho. A crise e seus efeitos existem, mas grande parte da falha é interna", criticou.
É muito caro exportar a partir do Brasil, afirma. Neste aspecto, de acordo com ele, a situação é muito parecida com a da Argentina. Em vários pontos a China leva vantagem em relação aos dois países da América do Sul. O custo do contêiner na China, por exemplo, é de US$ 620. Na Argentina é de US$ 1.650 e no Brasil, de US$ 2.215. Os dados usados por Troster são do Banco Mundial.
"Estamos andando para trás. Quer dizer, os empregos estão se instalando em outros países em vez de se instalarem no Brasil e na Argentina e estamos colocando a culpa nos outros. Aqui continuamos com a cultura do carimbo, da burocracia", disse.
"Nossa economia é muito fechada e assim vamos continuar perdendo terreno", disse Troster. Ele acrescentou que outro problema foi o Brasil ter focado em acordos com economias menos dinâmicas e virado as costas para países com economias mais dinâmicas. Na visão do economista, fazer acordos com China, Alemanha e Estados Unidos gera mais crescimento do que com mercados pequenos.
Troster diz ter dificuldade em concordar com a alegação de brasileiros e argentinos de que muito da deterioração dos saldos comerciais nos dois países se deve ao baixo custo trabalhista na China. "O processo de inclusão financeira na China está sendo mais rápido do que no Brasil, apesar de eles terem começado bem depois", afirmou.
Com o suporte de dados do Banco Mundial, Troster disse que os 10% mais ricos da China são mais pobres que os 10% mais ricos no Brasil e na Argentina e os 10% mais pobres são mais ricos que os 10% mais pobres no Brasil e na Argentina.
Segundo os dados, na Argentina os 10% mais ricos respondem por 32,3% da renda total. No Brasil eles respondem por 42,9% e na China, por 29,9%. Já os mais pobres na Argentina têm 1,46% da renda. No Brasil eles têm 0,77% e na China, 1,69%.
Para o economista, deve se levar em conta o peso da burocracia nos dois países sul-americanos e o da China. Na Argentina, leva-se 176 dias para obter um alvará de comércio exterior. No Brasil são 84 dias enquanto na China são apenas 28 dias.
"Enquanto não fizermos as reformas aqui no Brasil e na Argentina, vamos continuar vendo as projeções de saldos comerciais sempre sendo revisados para baixo", disse.