Economia

Demanda reprimida de consumo pode ser destravada com as vacinas, diz economista

Para Arthur Mota, da Exame Research, um ritmo de vacinação mais acelerado pode aquecer o consumo e ajudar a inflação a fechar dentro da meta, que hoje é de 3,75%

foto: Leandro Fonseca
data: 08/06/2020 (Leandro Fonseca/Exame)

foto: Leandro Fonseca data: 08/06/2020 (Leandro Fonseca/Exame)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 14h42.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 14h46.

Após um 2020 desastroso do ponto de vista econômico, o Brasil ainda pode fechar 2021 em um cenário muito melhor. A principal chave para que isso aconteça não é apenas a vacinação, mas o ritmo em que ela deve acontecer. Para o economista Arthur Mota, da Exame Research, braço de análise de investimentos da EXAME, se a extensão do auxílio emergencial vier acompanhado de um ritmo de vacinação mais acelerado, uma demanda reprimida de consumo pode ser destravada, beneficiando a economia como um todo.

Em um cenário positivo, de aprovação das reformas, o real acompanharia outras moedas emergentes e ganharia força em relação ao dólar, reduzindo custos de importação, ajudaria a inflação. Por outro lado, se mesmo com a extensão do auxílio emergencial nós continuarmos com o ritmo atual de vacinação e chegarmos ao segundo trimestre ainda com os números da covid-19 altos, a atividade tende a continuar fraca, e assim por diante. Estamos bastante reféns dessa mecânica da vacinação e de atividade.

Arthur Mota, economista da Exame Research

Ferramenta do Banco Central para controlar a inflação, a taxa Selic, atualmente em 2%, também deve iniciar um ciclo de alta. "Na ata da última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central já reforçou o cenário de alta da Selic - alguns diretores chamaram os atuais 2% de "grau de estímulo extraordinário", insinuando que ele já não parece tão necessário", explica Mota. "A questão, assim como a curva da inflação, é quando a Selic voltará a subir e em qual ritmo."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o economista da EXAME Research.

 

Estamos na metade de fevereiro. Já é possível ter uma visão clara de como a inflação vai se comportar neste ano?

Os números mensais de inflação são sempre uma comparação com o mesmo período do ano anterior. E o que aconteceu no ano anterior, 2020? Ali no auge da pandemia, entre abril e maio, tivemos um choque maior na economia e registramos deflação - ao invés de subir, os preços caíram. Mais para o final do ano, o baixo nível dos reservatórios fez subir o preço da energia elétrica, e o preço dos alimentos também deu uma disparada.

Mais recentemente, a Petrobras reduziu a sua defasagem de preços em relação ao mercado internacional, onde o petróleo vinha recuperando seu valor. Portanto, sobra pouca margem de alta da inflação neste começo de ano. Todas essas altas devem deixar o acumulado de 12 meses na casa dos 6% por volta do meio deste ano. Mas, daí pra frente, a tendência é de queda, chegando ao final do ano dentro da meta de inflação, que neste ano é de 3,75%. A grande questão é a partir de quando essa queda acontece e em qual ritmo.

 

Até agora, cerca de 4 milhões de brasileiros já foram vacinados e, no segundo trimestre, a vacinação deve continuar avançando. Como isso mexe com a inflação?

Alguns indicadores sugerem uma atividade econômica fraca neste início de ano. O IGP, a inflação do produtor, apesar de ainda não ter sido repassada ao consumidor, vem pressionada desde o final do ano. E o auxílio emergencial, além de ajudar as pessoas com o básico, também as ajudou a poupar um pouco, por precaução, temendo o que viria pela frente.

Isso significa que há uma demanda reprimida de consumo que pode ser destravada com as vacinas e um represamento de preços que também pode ser destravado se as pessoas tiverem mais confiança para sair de casa e gastar - normalizando a situação. Por isso, o ritmo de vacinação é importantíssimo.

Por outro lado, se mesmo com a extensão do auxílio emergencial nós continuarmos com o ritmo atual de vacinação e chegarmos ao segundo trimestre ainda com os números da covid-19 altos, a atividade tende a continuar fraca, a capacidade do produtor de repassar o aumento do IGP continua baixa, e assim por diante. Estamos bastante refém dessa mecânica da vacinação e de atividade.

A nova rodada de auxílio emergencial, que esta em discussão no Congresso, também pode impactar a inflação? Como?

Se essa nova rodada do auxílio coincidir com a vacinação e o consequente retorno das pessoas ao consumo, podemos ter uma pressão adicional vinda dessa demanda - principalmente considerando que uma parte da população beneficiada ainda tem uma poupança acumulada do ciclo anterior -, aí sim podemos ter essa pressão adicional vinda da demanda. Isso, é claro, somado à dinâmica de preços do setor produtivo, que está pressionada pela alta do preço das commodities e da taxa de câmbio. Esse seria o melhor cenário, como juntar a fome com a vontade de comer.

Com essas movimentações, como deve ficar a taxa Selic?

Na ata da última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central já reforçou o cenário de alta da Selic - alguns diretores sinalizam que esse grau de estímulo extraordinário (com a taxa a 2%) já não parece tão necessário. A questão, assim como a curva da inflação, é quando a Selic voltará a subir e em qual ritmo.

Inicialmente pensava-se no segundo semestre, mas essa expectativa já foi deslocada para maio e, mais recentemente, para março, quando acontece a próxima reunião. Seja em março ou em maio, é certo que vamos entrar num ciclo de ajuste da Selic, que vai seguir até o final do ano, fechando em 3,75%, e talvez continuando em 2022.

Esse ciclo altista da inflação e da Selic muda alguma coisa para o investidor? E para a dona de casa? No que devemos ficar de olho?

No qualitativo dessa alta da inflação. Se a alta vier do consumo de alimentos em domicílio, que foi o que aconteceu no ano passado, e a atividade continuar fraca, o cenário é ruim porque os outros ativos domésticos estarão performando mal. O ideal seria fazer uma reserva de emergência para depois montar uma carteira de investimento.

Essa reserva deve ter liquidez e render algo próximo ao CDI - o que por enquanto ainda é, na prática, um rendimento real negativo. Com a elevação da Selic ao longo do ano, a expectativa é que essa reserva passe a render um pouco melhor que a inflação.

Mas, apesar desse horizonte de recuperação da economia e dessa dinâmica de elevação de juros, ela ainda não tem a velocidade e a intensidade suficiente para diminuir a atratividade de alguns ativos de risco, como títulos com vencimentos mais longos e até o próprio mercado acionário.

Como o andamento - ou o não-andamento - das reformas no Congresso mexe com esses cenários que você desenhou aqui?

Num cenário negativo, em que as reformas não andem, travem ou sejam aprovadas de uma maneira muito branda, o real deve seguir em depreciação em relação ao dólar e devemos ter também uma perda de condições financeiras - porque a parte mais longa da curva de juros tem a ver com questões de longo prazo, como dinâmica de crescimento e de sustentabilidade da dívida.

Isso levaria a uma depreciação da confiança do mercado na economia do país, arrefecendo a recuperação econômica e levando a uma nova rodada de pressão inflacionária pelo aumento de custos causado por tudo isso. Esse é o pior cenário possível, que obrigaria o Copom a subir a Selic antes e em um ritmo mais forte, num choque para tentar conter todo esse movimento.

Já em um cenário positivo, de aprovação das reformas, o real acompanharia outras moedas emergentes e ganharia força em relação ao dólar, reduzindo custos de importação, ajudaria a inflação. A curva de juros fecharia um pouco, deixando as condições financeiras mais favoráveis aos tomadores de risco.

É quase simétrico em relação ao cenário anterior, bem binário: ou se faz as reformas e se destrava o valor que o Brasil tem, indo para um cenário saudável, ou podemos ir para a situação contrária, criando um efeito dominó bastante negativo.

 

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