Economia

Deixar uma empresa imprimir o dinheiro do país é uma boa ideia?

A possível privatização da Casa da Moeda não ameaça a soberania nacional, mas o governo tem questões mais urgentes para se preocupar, segundo economistas

Trabalhador confere notas de R$ 100 produzidas na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg/Bloomberg)

Trabalhador confere notas de R$ 100 produzidas na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg/Bloomberg)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 31 de agosto de 2017 às 11h50.

Última atualização em 31 de agosto de 2017 às 12h23.

São Paulo – O governo Temer anunciou, na semana passada, a intenção de privatizar a Casa da Moeda, e a oposição não demorou em alardear que a soberania nacional estaria ameaçada se a produção do dinheiro do país fosse privatizada.

Para economistas, no entanto, a questão não é tão catastrófica. O professor da FEA/USP Sérgio Almeida explica que a Casa da Moeda é, no fundo, uma gráfica estatal altamente especializada. Mas ela não tem autonomia para decidir a quantidade de dinheiro que será impressa.

“A política monetária é prerrogativa do Banco Central. O BC encomenda a quantidade de papel moeda que vai precisar, e a Casa da Moeda fornece”, explicou.

Passado o pânico inicial, as questões que ficam são outras. A principal delas é: para que privatizar a Casa da Moeda? O governo, na figura do secretário de PPI Moreira Franco, alega que ela vem dando “sucessivos prejuízos”.

O balanço da Casa da Moeda, no entanto, desmente essa informação: houve, sim, queda significativa no lucro, especialmente em virtude do fim do programa de fiscalização de bebidas, no ano passado.

Mas o presidente da entidade afirmou ao Valor Econômico que a instituição vai continuar se bancando, sem precisar de aportes do Tesouro.

Um outro aspecto que levanta dúvidas sobre a decisão é a escala desses resultados. Os lucros da Casa da Moeda foram de R$ 233 milhões em 2014, R$ 311 milhões em 2015, R$ 60 milhões em 2016 – quantias praticamente irrisórias em comparação com outros ativos que devem ser privatizados, como a Eletrobras.

Para o professor do Insper Sandro Cabral, o governo abriu muitas frentes de privatização e não deve conseguir fazer nenhuma a contento.

“Não seria mais produtivo fazer um debate amplo e consistente sobre a privatização da Eletrobras, que representa um rombo muito maior aos cofres públicos? Trabalho desnecessário só gera calor, não interesse público”, comentou.

“A questão da segurança na produção de dinheiro você resolve contratualmente. O problema é a credibilidade, que está em falta com esse governo. Ele não vai ter capacidade técnica para fazer tudo o que prometeu”, vaticinou o professor.

Sérgio Almeida, da USP, também defendeu que cada ponto seja debatido com cuidado, inclusive no caso da privatização da Casa da Moeda. “Tudo vai depender do modelo que você adotar. Normalmente, por razões de segurança, você fatia a produção: uma empresa fornece o papel, outra faz o desenho, uma terceira imprime, e por aí vai”, disse.

Como é em outros países

Alguns dos maiores pilares do capitalismo, como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, têm a impressão de dinheiro totalmente estatizada, mas muitos outros países já privatizam pelo menos parte da produção.

A De La Rue, maior multinacional do segmento, afirma imprimir a moeda de 142 países (para entender a dimensão, há 193 países registrados na ONU).

Segundo uma nota técnica do consultor financeiro Fabiano Jantalia para a Câmara dos Deputados, publicada em 2016, a maior parte dos países adota um modelo misto de produção de dinheiro.

Canadá, Reino Unido e Suíça, por exemplo, têm empresas estatais para cunhar as moedas em circulação, mas terceirizam totalmente a produção do papel-moeda das notas.

Na América Latina, a produção de dinheiro só é totalmente estatal no Brasil, México, Argentina, Cuba e Colômbia – até a Venezuela terceiriza a produção.

O próprio Brasil teve que recorrer à importação em 2016, porque a Casa da Moeda alertou o governo de que não conseguiria entregar a quantidade encomendada de cédulas – elas foram compradas de uma empresa sueca, e saíram mais baratas do que as produzidas aqui.

As notas de dez reais comemorativas dos 500 anos do Brasil, feitas de plástico com a imagem de Pedro Álvares Cabral, também foram importadas, na época, da Austrália.

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