Economia

Deflação de julho é artificial e traz riscos ao Brasil para 2023

A deflação vista no Brasil foi puxada pelos cortes de impostos em combustíveis e energia, mas esconde problemas para o ano que vem, dizem economistas

Posto de combustível: IPCA fechou em queda de 0,68% em julho, a menor inflação desde 1980 (Leandro Fonseca/Exame)

Posto de combustível: IPCA fechou em queda de 0,68% em julho, a menor inflação desde 1980 (Leandro Fonseca/Exame)

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Carolina Riveira

Publicado em 9 de agosto de 2022 às 17h24.

Última atualização em 9 de agosto de 2022 às 20h54.

A inflação de julho no IPCA, principal índice inflacionário, foi de -0,68%, a menor desde 1980, início da série histórica medida pelo IBGE. Um IPCA negativo significa que, tudo somado, houve queda nos preços da cesta de consumo analisada no índice. Mas, na prática, analistas ouvidos pela EXAME apontam que a variação ainda é essencialmente “artificial”, decorrente de cortes de impostos promovidos temporariamente pelo governo federal e estados.

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A baixa no IPCA foi puxada por duas frentes:

  • energia elétrica residencial (que caiu quase 5%);
  • combustíveis (que caíram 14%).

Na outra ponta, o núcleo de serviços do índice seguiu pressionado, assim como alguns alimentos essenciais. O leite segue o grande vilão do momento, e foi o subitem que mais impactou positivamente o IPCA. O preço do leite teve alta de 25% apenas em julho e de mais de 70% no ano diante do inverno e custo alto de ração e outros insumos.

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“É uma deflação ‘artificial’ que foi causada muito por essa queda em combustíveis e energia”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

"A grande dificuldade dessas medidas do governo é que são temporárias e tendem a ser revertidas. E aí, tira-se quase um ponto da inflação deste ano e joga-se para o ano que vem, como já aparece nas projeções de inflação subindo para 2023.”

Os riscos no horizonte

A queda na inflação é invariavelmente positiva no curto prazo: pode fazer outros preços ficarem menos pressionados e aumenta o valor real dos salários. Mas, assim como referido por Vale, da MB Associados, as apostas para a inflação de 2023 têm subido semana após semana, em meio ao caráter temporário do corte de impostos e o risco fiscal.

(Arte via Flourish/Exame)

No boletim Focus, a projeção de IPCA para 2023 subiu um ponto em dois meses: o consenso foi de 4,39% no começo de junho para 5,36% nesta semana.

Enquanto as projeções sobem para 2023, caem para 2022. Até dois meses atrás, o mercado previa que a inflação no Brasil terminaria 2022 perto de 9%. Com o atual desvio na trajetória, essas projeções caíram para 7% ou 8%, a depender da casa.

O pior da inflação já passou?

Após 12 aumentos consecutivos pelo Banco Central, a taxa básica de juros, a Selic, está hoje em 13,75%, a maior desde 2016. A grande questão entre os economistas no momento é se a taxa será novamente elevada em setembro e, no ano que vem, se continuará alta por mais tempo.

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O resultado deflacionário do IPCA, um ponto fora da curva da trajetória dos preços no país, já era esperado, uma vez que julho foi o primeiro mês de efeito completo do teto de 17% para ICMS em insumos essenciais — que incluíram combustíveis e energia. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema no Congresso foi aprovada em junho e o corte vale até o fim do ano.

Brasília - Início da sessão plenária do Congresso Nacional destinada a concluir votação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Congresso: PEC dos Combustíveis fez preço da gasolina cair em julho (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No caso dos combustíveis, o cenário internacional também ajudou. O preço do barril de petróleo caiu para baixo de US$ 100, no menor patamar desde o começo da guerra na Ucrânia. Por esse motivo, a Petrobras anunciou dois cortes na tarifa da gasolina em julho — os primeiros desde dezembro.

Algum resíduo dessa leva de acontecimentos deve continuar em agosto. O mês deve ter novamente inflação baixa e marcar a volta do IPCA para menos de 10% pela primeira vez desde setembro do ano passado.

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A pressão inflacionária tem gerado dor de cabeça a governos no mundo inteiro, não só no Brasil. A inflação chegou à casa dos 9% nos EUA (a maior em 40 anos), no Reino Unido e na União Europeia, também puxada pela alta dos combustíveis com a guerra na Ucrânia e o choque de oferta gerado pelas disrupções da covid-19.

Mas a leitura global é que o pior cenário para o choque de preços pode já ter passado. Como bancos centrais mundo afora subiram juros rapidamente neste ano, o risco de recessão global subiu. Reagindo a esse risco – e a uma possibilidade de demanda enfraquecida no mundo desenvolvido —, o preço do petróleo recuou nas últimas semanas.

O Brasil, no entanto, segue com um risco fiscal particular que pode impactar a inflação. As mudanças na alíquota de ICMS dos combustíveis foram bancadas majoritariamente pelos estados, mas o governo federal também aprovou recentemente a PEC Kamikaze, que aumentou o Auxílio Brasil para R$ 600 e instituiu um voucher-caminhoneiro, entre outras medidas.

"As projeções para 2023 têm subido justamente porque essa conta vai ter de ser paga. Além do fato de que a redução do ICMS tem prazo para acabar, há muita incerteza para o ano que vem”, diz Matheus Peçanha, do Ibre/FGV.

O próximo ano traz riscos altistas e baixistas na inflação brasileira, explicam os economistas. O risco de recessão global puxa as commodities para baixo. Já a alta de juros pressiona o câmbio brasileiro e pode gerar mais inflação via alta do dólar. Além disso, com a guerra na Ucrânia sem data para acabar e negociações de paz estagnadas, a incerteza geopolítica continua.

Peso para os mais pobres

Peçanha, do Ibre, aponta ainda que um destaque negativo do IPCA de julho é a ‘des-democratização’ da inflação devido à pressão focalizada no preço dos alimentos.

“Com esse processo de deflação via combustíveis e energia, quem se beneficia mais são as camadas de mais alta renda, que consomem mais gasolina e mais energia elétrica”, diz. “A alimentação, a frente que continua subindo, penaliza mais as pessoas mais pobres."

Supermercado: alguns alimentos tiveram alta forte em julho, apesar da deflação (Leandro Fonseca/Exame)

Os alimentos tiveram o maior impacto no IPCA de julho, com alta de mais de 1,4% na alimentação em domicílio. Apesar de o IPCA geral terminar o ano abaixo de 8%, a inflação dos alimentos deve seguir em dois dígitos e fechar perto de 11% no acumulado.

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Neste mês, o diesel também foi na contramão dos demais combustíveis e subiu 5%, porque já tinha impostos federais zerados e ICMS mais baixo, não tendo sido amplamente impactado pelos cortes recentes. Peçanha aponta que o diesel tem baixo impacto na cesta final do IPCA (por não ser direcionado ao consumidor final), mas impacta indiretamente no preço de outros bens.

Em relatório após o resultado do IPCA nesta terça-feira, analistas do banco Goldman Sachs afirmaram que as pressões seguem “altamente disseminadas” sobre frentes como serviços e outros bens de consumo, além de “um cenário de mercado de trabalho apertado e grandes estímulos fiscais adicionais para o segundo semestre de 2022”. Os analistas avaliam ainda que a fixação de preços e reajuste retroativo de salários podem tornar a inflação brasileira “cada vez mais inercial”.

"Tem um efeito eleitoral neste ano, que é o que o governo queria”, diz Vale. “Mas atrapalha muito a vida do Banco Central no médio prazo.”

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