Economia

Decreto de calamidade que abre espaço para subsídio ao diesel divide o governo

Defensores da ideia querem usar guerra na Ucrânia como justificativa e, assim, subsidiar combustíveis. Técnicos veem riscos fiscais. Medida permitiria gastos acima do teto

Bolsonaro e Guedes usando máscara durante evento (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Bolsonaro e Guedes usando máscara durante evento (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 3 de junho de 2022 às 13h07.

Última atualização em 3 de junho de 2022 às 14h54.

Diante de pesquisas eleitorais desfavoráveis e com a piora da inflação, parte do governo de Jair Bolsonaro defende que o presidente peça ao Congresso a decretação do estado de calamidade pública, utilizando a guerra na Ucrânia e a alta de preços como motivos. Isso permitiria o descumprimento das regras fiscais no ano eleitoral e a criação de subsídios para os combustíveis, entre outras “bondades” que poderiam beneficiar a popularidade de Bolsonaro.

Em entrevista à CNN Brasil, Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil, afirmou que “atualmente” não vê necessidade disso, mas afirmou que essa possibilidade existe dependendo das circunstâncias.

"Vai depender da situação do país. A população está sofrendo hoje. Eu não vejo necessidade desse estado de calamidade atualmente, mas, se chegar a um ponto de uma situação como essa, nós teremos que decretá-la. Mas eu espero que isso não seja necessário", disse o ministro.

Esse decreto, a quatro meses da eleição presidencial, seria algo inédito. A última vez que isso ocorreu foi em 2020, na primeira etapa da pandemia, gerando espaço para gastos extras como o Auxílio Emergencial. Na segunda onda da covid, no ano passado, isso não se repetiu. A grande motivação dessa ideia seria a tentativa de dar um alívio no preço dos combustíveis, considerado um dos piores problemas para a campanha de reeleição de Bolsonaro na visão do Planalto. Mas a equipe econômica tem resistência a essa solução.

Reajuste ameaçado

Pelos debates que ocorrem no governo, uma forma de tentar diminuir o impacto político da medida seria o decreto ser pedido pelo próprio Congresso, provavelmente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fiel aliado de Bolsonaro. Mas, segundo integrantes do Planalto, Bolsonaro estaria refratário a essa ideia, temendo ser acusado de ser “fura-teto” e de ter problemas legais no futuro, mesmo com o decreto, que teria mais dificuldades para ser aprovado pelos senadores do que pelos deputados. O decreto precisa ser votado previamente pelo Congresso. Para ministros do governo, é um recurso colocado como “última possibilidade”.

Além do caminho no Congresso, o decreto pode gerar outro problema. Esbarraria no desejo de Bolsonaro de reajustar os salários ou os benefícios de alimentação dos servidores públicos, que não podem ocorrer nestes períodos “especiais”, de calamidade. Inicialmente, o presidente decidira por uma alta linear de 5% para todos os funcionários públicos, mas agora já analisa a possibilidade de reajustar apenas o vale-alimentação dos servidores ativos.

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Por outro lado, liberaria uma gastança irrestrita pelo governo. Não apenas medidas para subsidiar combustíveis seriam viáveis, mas também a ampliação do Auxílio Brasil, por exemplo. Isso porque uma série de regras das contas públicas que restringem os gastos do governo sairia de cena no ano eleitoral.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o plano da calamidade passou a ser defendido por uma ala do governo na tentativa de impulsionar as condições eleitorais de Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas.

O objetivo dessa ala política do governo é criar programas de subsídio ao diesel fora do teto de gastos (a regra que impede aumento das despesas públicas acima da inflação) e demais normas fiscais. É um desejo de Bolsonaro, porém, também conceder o reajuste aos servidores.

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O governo então busca outras formas de dar um subsídio amplo para reduzir o preço dos combustíveis, como mostrou O Globo nesta semana. A medida seria focada, principalmente, nos caminhoneiros e motoristas de aplicativos, bases eleitorais importantes do presidente. A ideia é que isso seja pago por crédito extraordinário, fora do teto de gastos.

Na entrevista de ontem, Ciro Nogueira também afirmou que a situação do país está “muito difícil” e que isso dificulta a concessão de reajuste.

"Ainda estamos estudando. Ainda não temos definição. Estamos buscando alternativas. Mas a situação está muito difícil para conceder aumento para os servidores neste ano", disse ele, que confirmou a possibilidade apenas de reajuste do vale-alimentação.

Justificativa frágil

Integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) avaliam reservadamente que a guerra poderia embasar um decreto de calamidade. Mas admitem que o problema está nas medidas a serem tomadas para enfrentar a situação de calamidade pública. Já a equipe econômica não concorda com a ideia por acreditar que acaba com o discurso liberal do governo e gera riscos fiscais.

Especialistas afirmam que a guerra entre Rússia e Ucrânia, que está impactando o preço dos combustíveis, não justifica a edição de um decreto de calamidade pública:

"Esta atual situação não é justificativa para um estado de calamidade, que sequer foi decretado ano passado, com recorde de mortes pela covid", diz o advogado constitucionalista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cláudio Pereira de Souza Neto.

Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), observa que o decreto não precisa permitir gastança generalizada:

"O decreto poderia modular esse regime extraordinário, eventualmente, colocando um limite para essas despesas. Mas, aí vai depender da vontade do Congresso e do Executivo."

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