Economia

Cunha liderou impeachment por razões pessoais, diz Fishlow

Americano que estuda Brasil há décadas diz que erro do Brasil foi supor que governo não tinha limites e que solução passa por mudança dos métodos eleitorais

Albert Fishlow, um dos brasilianistas mais respeitados do mundo, diz que é preciso reduzir número de partidos (Joe Tabacca/Bloomberg News)

Albert Fishlow, um dos brasilianistas mais respeitados do mundo, diz que é preciso reduzir número de partidos (Joe Tabacca/Bloomberg News)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 5 de maio de 2016 às 14h12.

São Paulo – "Meu otimismo saiu errado da última vez", já avisa Albert Fishlow antes da entrevista.

Em 2013, um dos brasilianistas mais conceituados do mundo continuava apostando no Brasil, "um caso praticamente único no mundo".

Agora, ele diz que o mercado está exagerando na euforia com um possível novo governo, já que o excesso de partidos e a falta de poupança doméstica permanecem como desafios estruturais.

Aos 80 anos, o americano Fishlow é diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e do Centro para o Estudo do Brasil na Universidade de Columbia.

Ele conversou ontem com EXAME.com por telefone de seu escritório em Nova York. Veja a entrevista:

EXAME.com – Quais foram os erros que nos levaram à crise atual?

Albert Fishlow – O maior foi supor que o boom das commodities iria continuar para sempre – e como consequência, sentir que o governo não tinha limites.

EXAME.com – Há exagero do mercado com a perspectiva de mudança de governo?

Fishlow – Sim. As pessoas acreditam que com Henrique Meirelles e outros na equipe haverá um incrível aumento da confiança.

Mas o que me preocupa é que o Brasil tem hoje poupança doméstica por volta de 15% e precisa aumentar isso ao longo do tempo, mas relativamente rápido, para algo próximo de 21%. É uma grande mudança.

EXAME.com – O que pode ser feito nesta direção?

Fishlow – Acredito que isso deva ser feito lidando não apenas com a economia, mas com a política também.

Há pouca dúvida de que Eduardo Cunha liderou essa luta em particular por razões pessoais, e não com uma imagem do que está acontecendo.

É preciso mudar o método de eleição em direção a um processo eleitoral mais fechado que resulte em um número muito menor de partidos. Ao invés dos 25 hoje na Câmara, é preciso algo mais próximo de 4 ou 5. Mesma coisa no Senado, onde há 12 partidos. 

Até limpar isso, não será possível encarar a realidade de que é preciso reduzir o consumo, e fazer isso de uma forma que os mais pobres não sejam muito afetados - o que é um truque difícil.

Quando Dilma assumiu, o preço do petróleo era de 150 dólares o barril, e ela supôs que isso iria continuar e que ela teria a sua nova matriz econômica, e perdeu a mão com as políticas que seguiu.

EXAME.com – Mas qual seria o vetor de crescimento em um novo ciclo?

Fishlow – O Brasil, infelizmente, até agora focou em um modelo direcionado ao consumo. A produção de automóveis, por exemplo, foi uma grande parte disso. Agora está muito baixa e a economia como um todo é afetada. 

O Brasil não se moveu em direção a métodos de produção mais complicados e ainda não se viu o nível de inovação e a difusão de um setor mais moderno.

O Brasil falhou em desenvolver seu sistema de transporte de forma adequada e gastou muito pouco em infraestrutura. Todo ano você vê a produção de soja do Centro-Oeste perder 30% do seu valor por causa do transporte em caminhões, a espera nos portos e tudo mais.

EXAME.com – A política comercial é parte disso?

Fishlow – Sim, é necessária uma redução na proteção. O Brasil segue com tarifa média de 10% a 13% comparada a 1,5% nos EUA.

Há uma visão de muitos, e de Dilma, de que é preciso reconstruir o setor manufatureiro, e selecionar certas áreas para isso. A partir daí surgiram políticas de estímulo à indústria que deram errado.

Em parte, pela crença equivocada de que os preços de petróleo continuariam tão altos. Em parte, porque o Congresso queria votar benefícios para municípios e estados.

Estavam ocupados em mudar as leis de uma forma que não atrairia o investimento estrangeiro necessário para desenvolver o pré-sal. Todo mundo acreditava que a Petrobras seria capaz de lidar com isso.

E além disso tudo você tem a Lava Jato, que é um novo capítulo na experiência brasileira.

EXAME.com – Mas a Lava Jato não vai contribuir para um ambiente de negócios melhor?

Fishlow – Não há dúvida de que ela é uma vantagem, porque deixa claro o volume de dinheiro dado para quem o pediu no Congresso.

A situação da Petrobras hoje é um desastre: é a companhia de petróleo mais endividada do mundo e paga uma taxa de juros alta para pegar dinheiro emprestado.

É incapaz de realmente investir o necessário para o pré-sal, e essa era uma das áreas em que o Brasil era mais efetivo 10 anos atrás.

EXAME.com – Na sua visão, o impeachment é legítimo?

Fishlow – Olhando para as evidências apresentadas por Delcídio e outros, vejo que a corrupção foi conduzida pela alta do preço do petróleo, de um lado, e pelo sentimento de todos que não haveria nada para impedí-los.

Ninguém queria olhar mais de perto para o fato de que era preciso proceder de forma mais inteligente. No prazo mais longo, acredito que o Brasil fará isso. A maior questão é se o conflito que vemos hoje na arena politica tornará isso mais ou menos difícil, na medida em que esse processo continua. 

O numero de greves que vai acontecer na medida em que se tenta reduzir os salários reais precisa se balancear, do outro lado, pela garantia de que os impostos mais altos afetem os ricos. 

Apesar dos avanços na distribuição de renda, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo, e essa parte da história precisa continuar.

O Bolsa Família gasta 0,6% ou 0,7% do PIB e provê um mecanismo de assistência aos mais pobres, mas não a parte mais importante que é a educação necessária para as pessoas serem competitivivas em um mundo moderno. 

O Brasil ainda tem um sistema onde universidades federais e estaduais não cobram nada. É preciso fazer muito mais nas educações primárias e secundárias ao invés de construir novas universidades e dar cotas para negros. O treinamento tem que vir no começo, não no final.

EXAME.com – O mercado espera que grandes mudanças venham justamente de um governo não eleito. Temer vai conseguir entregar?

Fishlow – É a questão que permanece: este Congresso e Temer serão capazes, como líderes, de fazer mudanças o suficiente para que haja uma diferença real? Estamos falando de um processo cumulativo.

Se tem o senso de que o que vai se ver imediatamente, após alguns meses, é o início da competição para 2018. Eu suspeito que o PMDB, um partido com variação ampla entre seus membros, é incapaz de dar a liderança que se está buscando.

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