Economia

“Cumprir teto de gasto não basta para fazer o ajuste fiscal”, diz Mansueto

Para o economista Mansueto Almeida, do BTG Pactual, o Brasil corre o risco de passar os próximos anos com as contas no vermelho, o que traz novos desafios para o governo alcançar o equilíbrio fiscal

Mansueto Almeida, economista chefe do BTG Pactual: "as crises são consequências de um país que não fez reformas." (Reuters/Reuters)

Mansueto Almeida, economista chefe do BTG Pactual: "as crises são consequências de um país que não fez reformas." (Reuters/Reuters)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 18 de abril de 2021 às 12h22.

Última atualização em 18 de abril de 2021 às 15h21.

O Brasil corre o risco de passar os próximos anos enfrentando seguidos déficits, com as contas do governo federal no vermelho. Isso porque cumprir o teto de gastos não será mais suficiente para o país fazer o ajuste fiscal. É o que alerta Mansueto Almeida, economista-chefe do banco BTG Pactual (do mesmo grupo da EXAME) e ex-secretário do Tesouro Nacional.

Segundo Almeida, como foi desenhada a regra, o Brasil chegaria em 2026 com um superávit primário de 2,5% do PIB, o equivalente a pouco mais de 200 bilhões de reais de hoje - o que não deve mais acontecer.

"No ano passado, o Brasil perdeu 80 bilhões de reais em arrecadação, isso significa menos 1,3% do PIB. E se não recuperar essa arrecadação, o país vai passar pelo menos mais cinco ou seis anos com déficit, mesmo cumprindo o teto de gastos", diz o economista.

Ou seja, o governo irá precisar cortar mais de um lado e buscar mais recursos de outro, o que exige acelerar na agenda de reformas econômicas. Leia a seguir a entrevista completa:

A discussão sobre o Orçamento de 2021, que já foi aprovado, ainda se arrasta há semanas. O que precisa ser efetivamente resolvido?

O que aconteceu foi que o Orçamento aprovado foi muito acima do que tinha sido negociado com o Congresso, que havia fechado emendas parlamentares na casa de 16 bilhões de reais. Só que o projeto do relator, que veio com emendas de 30 bilhões de reais, foi aprovado. O que exigeria cortar outros itens do Orçamento, que não podem ser cortados.

Todos concordam - Executivo e o próprio Congresso - que o Orçamento tem que ser corrigido. O impasse agora é de que forma vai se fazer essa correção. O governo gostaria de vetar toda a emenda do relator, enviar imediatamente um novo projeto de lei ao Congresso, aumentando a despesa obrigatória, que está subestimada ,e recompondo parte das emendas parlamenatares. Já o Congresso quer que o presidente sancione o Orçamento sem nenhum veto e, então, mande uma nova proposta de lei. São dois caminhos que chegariam, em tese, no mesmo lugar.

Qualquer que seja a solução - com vetos ou sem vetos - o Orçamento vai ter que ser modificadado. Os dois lados têm que conversar e ver o que é possível para dar segurança jurídica para todo mundo. Acho que está bem perto de um acordo.

Apesar das emendas que vieram com um valor superior, o Orçamento havia encolhido muito. O que aconteceu?

Quando foi aprovado em 2017, o teto de gastos seria corrigido pela inflação acumulada em dozes meses até junho do ano anterior. Em 2020, o IPCA até junho foi bem baixo, 2,1%. Esse percentual permitiu um crescimento do teto para o ano de 2021 de apenas 31 bilhões de reais.

Já as despesas obrigatórias tradicionalmente crescem entre 60 e 70 bilhões por ano. Previdência, seguro desemprego, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada, entre outros, são corrigidos por outro índice, o INPC, que no ano passado foi 5,45%. Logo, é impossível fazê-las caber nesse aumento de 30 bilhões de reais, obrigando um corte na parte discricionária, como investimentos. Resumindo: o índice que corrigiu as despesas obrigatórias foi muito maior do que o  que corrigiu o teto. Foi isso que tornou o Orçamento tão apertado.

Mas a perspectiva é de uma folga orçamentária em 2022...

Isso. Em 2022, veremos o efeito contrário. A inflação aumentou muito no segundo semestre do ano passado e no primeiro semestre deste ano. Então, quando o Orçamento de 2022 for construído, a inflação acumulada até julho deste ano deve estar em cerca de 7,5%. O que trará uma folga orçamentária que, pelos nossos cálculos, será de 111 bilhões de reais.

Isso significa que no próximo ano será possível aumentar a despesa discricionária, inclusive, investimento. No início do governo Bolsonaro, ninguém trabalhava com essa hipótese de a inflação dar um pulo até o meio do ano e depois cair. O Orçamento mais duro para ele cumprir seria justamente o de 2022. Agora, não.

De qualquer forma, o Brasil tem um déficit grande para lidar este ano ...

Este ano vai ter um buraco fiscal muito grande, cujo déficit programado é de 247 bilhões, o equivalente a 3% do PIB. É verdade também que ele é muito menor do que o do ano passado. A despesa em 2020 foi de quase 2 trilhões de reais, o equivalente a 26% do PIB. O déficit no ano passado foi de mais de 700 bilhões de reais. Ou seja, passaremos de um déficit primário de 10% do PIB para 3% do PIB. Essa é a notícia boa.

Agora, a notícia ruim: no ano passado, o Brasil perdeu 80 bilhões de arrecadação, isso significa menos 1,3% do PIB. E se o país não recuperar essa arrecadação, o país vai passar pelo menos mais cinco ou seis anos com déficits, mesmo cumprindo o teto de gastos.

Ou seja, quando a regra completa dez anos e pode ser atualizada, ela não é mais suficiente para o país fazer o ajuste fiscal que o Brasil precisa. O governo terá que fazer um esforço para recuperar arrecadação que perdeu, como revisar benefícios tributários, e insistir ainda mais na agenda de reformas.

Como foi desenhada a regra em 2017, o Brasil chegaria em 2026 com um superávit primário de 2,5% do PIB, o equivalente a pouco mais de 200 bilhões de reais de hoje. Agora, essa economia não será mais possível, dada a perda de arrecadação.

Mas a retomada da atividade econômica não compensaria essa perda ...

O problema é que as projeções do próprio governo não mostram essa recuperação de arrecadação nos próximos anos. A receita líquida do governo central, em média, foi de 17,5% do PIB entre 2016 e 2018 (em 2019, houve uma receita extra muito grande, que veio da renegociação da cessão onerosa). Em 2020, ela foi de 16,2% do PIB - uma perda de 1,3% do PIB.

E a projeção do governo para este ano é que a receita líquida chegue em 16,4% e, nos próximos anos, seja de 16,2% do PIB. É como se não houvesse nenhuma recuperação. Acho muito arriscado o país ficar com mais cinco anos de déficit primário, com as contas no vermelho e a dívida crescendo.

Qual o maior risco para a economia hoje? .

A recuperação da economia no segundo semestre depende da redução do distanciamento social, o que só será possível se boa parte da população estiver vacinada. Para que isso ocorra, é fundamental que a gente consiga sucesso na campanha de vacinação. O problema é que a vacinação foi lenta nos três primeiros meses do ano. Se o programa que foi divulgado pelo Ministério da Saúde se concretizar, devemos ver uma melhora.

Apesar do aumento no ritmo de vacinação, o ideal era que cerca de 1,5 milhão de pessoas fossem imunizadas por dia. Aí teremos sim um segundo semestre muito melhor. Por isso, quando surgem notícias sobre atraso na chegada de insumos ou de vacinas, o mercado percebe isso como um risco para a economia, pois a gente sabe que se essa fase se prolongar muito, os 100 bilhões reais que foram reservados para gastos adicionais na pandemia tenham que se transformar em muito mais.

A demora nas decisões, como no caso do Orçamento, não tem um impacto indireto nessa percepção do mercado?

É claro que quando uma medida necessária é protelada é sempre ruim. Mas a intensidade dessa segunda onda da Covid-19 foi muito maior. Embora tenha sido alertada por muitas pessoas que ela viria, ninguém esperava que fosse tão feroz.

Na primeira onda, o número de mortes era de cerca de 1 mil pessoas por dia. Não lembro de estimativas com um número acima de 3 mil óbitos por dia, como está acontecendo agora em função da mutação do vírus, que é muito mais violento.

Em fevereiro, a economia parecia sim estar mostrando um dinamismo, apesar da pandemia. Mas aí veio a piora em março. Do ponto de vista do mercado, o pior mesmo foi a possibilidade do país enfrentar um período mais longo de distanciamento social, tendo um gasto fiscal muito maior. E, junto, veio o risco de quebra do teto de gasto.

Diante da perspectiva de déficits nos próximos anos, há espaço para o governo se engajar em reformas econômicas no meio da pandemia?

Nos últimos 60 dias, o Brasil fez reformas muito boas, como a independência do Banco Central, um projeto importante que se arrastava há anos. A PEC Emergencial acabou aprovada mais rápido do que os mais otimistas no governo imaginavam. Saiu também o novo marco regulatório do setor de gás. Ainda assim, o risco fiscal não diminuiu e chegou até a aumentar por causa de vários ruídos em Brasília.

Acho que ainda há a possibilidade de agendas importantes avançarem, como a reforma administrativa. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem se colocado a favor desse debate. Tem a privatização da Eletrobras, que precisa ser votada até maio. A reforma tributária está sendo discutido, mas acho muito difícil sua aprovação, porque ainda tem duas ou três propostas em debate. E ainda precisa saber qual será o projeto que o governo vai apresentar. Mas, sem dúvida, a reforma tributária é a mais importante reforma a ser feita no país.

Desde 2015, o Brasil já enfrentou dois anos de recessão, depois anos seguidos de baixo crescimento, e agora a crise sanitária. Há risco de redução do PIB potencial do país?

As crises são consequências de um país que não fez reformas. Ainda que seja algo atípico, a pandemia não reduz a capacidade da economia crescer. Quando um país cresce pouco, que já era o nosso caso antes da pandemia, isso foi resultado de vários erros do passado e da falta de reformas. No Brasil, estima-se que o PIB potencial hoje seja menor que 2% ao ano. Mas se o país vai crescer 2%, 1,5% ou 3% ao ano, isso depende de nós.

E a gente sabe o que o país precisa fazer para crescer. Precisa ter um ambiente macroeconômico estável, no qual não há problemas com déficits elevados, que haja uma dívida que o governo consiga pagar, e que isso não pressione os juros. Tudo isso naturalmente irá facilitar o aumento de investimentos, a busca de ganhos de produtividade e de inovação.

Se o Brasil conseguiu avançar no ajuste fiscal, se o país se integrar mais com o resto do mundo e mostrar para investidor externo que respeita as leis ambientais, a estimativa de PIB potencial tende a aumentar.

De que forma isso chega para as empresas?

É preciso ter um ambiente para que as empresas sejam mais produtivas, onde há incentivo à inovação, com acesso a insumos importados e tecnologia. Temos que ter um bom sistema de educação, que de fato prepare a nossa força de trabalho, e um mercado de trabalho flexível.

É fato que houve muitos avanços, como os avanços que vieram com mudança da lei trabalhista A taxa de juros do Brasil no início de 2016 era 14,25% ao ano. Hoje a Selic está em 2,75% e estima-se que vai terminar o ano por volta de 5%. Vai ser uma taxa que é quase um terço do que era cinco anos atrás.

O mercado de capitais brasileiro está vibrante mesmo com essa crise terrível. Nos primeiros três meses do ano, foi registrado recorde de captação direta de empresas em mercados de capitais. Se a gente faz o dever de casa, independentemente da pandemia, o potencial de crescimento do Brasil e, consequentemente, das empresas vai aumentar. Agora a gente vai ter que continuar com as reformas econômicas.

Que é uma agenda extensa, não?

Com certeza, mas o país não vai atacar toda essa agenda em um ou dois anos. É preciso de uma sequência de governos. Nos últimos cinco anos, tivemos dois anos e meio de um governo que veio de um processo de impeachment, o governo Temer, e mais dois anos e meio do governo Bolsonaro.

O primeiro era um governo com baixas taxas de aprovação. Depois, veio um outro governo que no início não tinha nem mesmo base parlamentar. E mesmo assim, o país conseguir fazer reformas muito importantes.

Houve uma mudança no entendimento da necessidade de reformas no país?

Mudou um pouco sim. Antes em determinados temas, a discussão nem começava alguns anos atrás. Por exemplo, falar em privatização era uma discussão muito carregada. Hoje, o debate está mais aberto, o que não significa que o governo vai conseguir privatizar tudo o que quer.

O Brasil nos últimos 40 anos teve duas décadas perdidas - a primeira foi entre 1981 e 1990; a segunda de 2011 a 2020. Isso permitiu se aprofundar nas discussões sobre as mudanças que o país precisa fazer. Acho que de alguma forma o debate político melhorou um pouco. Mas vamos deixar bem claro: qualquer reforma numa democracia necessariamente precisa de debate político e do Congresso Nacional.

A extrema polarização do país não atrapalha o ambiente político?

Numa democracia, para avançar nas questões sobre como fazer o país crescer, necessariamente precisamos avançar no bom debate político. Não vamos esperar nenhum iluminado para resolver nossos problemas.

O sucesso ou fracasso da continuidade de reformas dependem muito do ambiente político, do governo manter um bom relacionamento e dele mostrar à sociedade e ao Congresso o que é necessário fazer. O grande mérito dos últimos anos do Brasil foi que, às vezes pela liderança do Executivo e às vezes pela liderança do Congresso Nacional, o país conseguiu discutir e aprovar reformas que seis ou oito anos atrás eram consideradas muito difíceis.

Por isso, ainda que este governo não consiga aprovar a reforma tributária, é bom que a discussão comece agora. Isso vai ajudar as pessoas a entenderem os problemas do nosso complexo sistema tributário.

O governo é criticado justamente pelas crises que ele mesmo cria, seja na pandemia, sejam os embates com os outros Poderes...

O governo tem que melhorar a comunicação. Ela é essencial tanto no setor privado como no setor público. Se as pessoas não entendem os benefícios de uma proposta do governo, não vai ter apoio político no Congresso para aprová-la. Por isso, é importante que o Executivo lidere esse debate, porque muitos dos problemas que existem na economia não são percebidos pela sociedade.

São duas coisas: primeiro, é preciso se comunicar melhor. E a segunda é ter o bom debate político, pelo qual se vê os pontos divergentes e pode-se corrigir essas propostas. As reformas não vão se esgotar em um ou dois anos. Esta não é uma tarefa apenas para este governo, mas também para os próximos.

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