John Maynard Keynes: o economista rejeitava especialmente a ideia de que o mercado se reequilibra sozinho (Wikimedia Commons)
AFP
Publicado em 2 de janeiro de 2017 às 14h47.
Criticada pelos neoliberais e venerada pelos economistas que defendem o intervencionismo do Estado, a obra do economista John Maynard Keynes (1883-1946) passou no dia primeiro de janeiro para o domínio público e continua gerando acalorados debates.
"Para Keynes, a economia deve estar no banco de trás", declara à AFP Henri Trubert, editor francês, que no dia 11 de janeiro publicará "Carta a meus netos", obra sobre o economista britânico.
"Mas há 25 ou 30 anos, a economia tomou as rédeas. Hoje em dia governa e qualquer decisão política é adotada em função da economia e das teorias econômicas", lamenta o editor, que elogia os "grandes benefícios" até hoje trazidos pela leitura da obra de Keynes.
Oito anos depois do início da crise, as ideias do economista suscitam ainda um enorme debate entre os economistas, desde suas propostas de utilizar o gasto público para reativar o crescimento, sobre o Estado de bem-estar social, o controle dos fluxos de capitais e sua desconfiança em relação à globalização financeira.
Também se atribuem de forma errada a paternidade de outras ideias, como o histórico New Deal que os Estados Unidos aplicaram para sair da crise de 1929.
Na verdade, Keynes não publicou sua "Teoria geral do emprego, do juro e da moeda" até 1936, anos depois do plano de choque do presidente Franklin D. Roosevelt.
Keynes não considerava o mundo financeiro um inimigo, mas levantava uma desconfiança sobre ele. O economista rejeitava especialmente a ideia de que o mercado se reequilibra sozinho, podendo alcançar, assim, o pleno emprego.
Esses princípios foram, contudo, refutados pelo triunfo do neoliberalismo nos anos 1980, com a chegada de Ronald Reagan ao poder nos Estados Unidos e de Margaret Thatcher na Grã Bretanha.
A ideia do ajuste por parte dos próprios mercados voltou com força e sua visão do regime capitalista foi denegrida" explica André Orléan, diretor de estudos da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais (Ehess) de Paris.
Entretanto, suas ideias não se limitam à saída de uma crise econômica. Em sua "Carta" dedicada a seus netos, publicada em 1930 após a quebra da Bolsa de Nova York, quando o mundo entrava em uma grande depressão, defendeu a redução do tempo de trabalho e já se referia ao desafio da robotização.
"Segundo o seu ponto de vista, o trabalho se tornaria inútil, porque as necessidades seriam satisfeitas por um sistema hiperprodutivo", explica Orléans. Em sua mensagem propôs jornadas de trabalho de 3 horas.
"Enquanto a acumulação de riqueza carecer de importância para a sociedade se produzirão importantes mudanças em nosso código ético", apontou.
Keynes se declarou convencido de que o capitalismo um dia chegaria ao fim, que era somente um período de transição na História, e denunciava regularmente os "falsos valores" desse sistema, como o "amor ao dinheiro por si só", que classificava de "repugnante" e "execrável".
"O fato de o trabalho ter menor duração não significa imediatamente algo bom. A humanidade precisa de um tempo de adaptação ao ócio", afirmou Orléan.
Keynes aparece assim como um epicurista, tomando como inspiração o filósofo britânico George Moore. Às gerações futuras pediu que aproveitassem o presente, sem pensar naeconomia. Mas ele teve um papel decisivo para fixar as regras da ordem econômica mundial, ao participar nos acordos de Bretton Woods de 1944.
"Ao se ler Keynes tem-se a impressão que é muito mais inovador do que as teorias econômicas ou os economistas de hoje em dia. No mínimo, pensava o futuro", destaca Trubert.