Economia

Crise do petróleo impulsiona Rio a buscar receitas extras

Sem dinheiro para arcar com compromissos, o governo do Estado busca novas fontes de receita e conta com o socorro da União.


	Pré-sal: estado do Rio de Janeiro criou uma dependência do dinheiro dos royalties
 (Agência Petrobras)

Pré-sal: estado do Rio de Janeiro criou uma dependência do dinheiro dos royalties (Agência Petrobras)

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Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2016 às 13h04.

A queda do preço do petróleo, e consequentemente a redução dos royalties, agravaram a crise do Rio de Janeiro. Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, o estado criou uma dependência do dinheiro dos royalties, deixando de investir em outros setores da economia, e utilizou mal os recursos que abasteceram por anos os cofres estaduais.

E agora, sem dinheiro para arcar com compromissos, o governo do Estado busca novas fontes de receita e conta com o socorro da União.

Para o professor de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Alexandre Szklo, o Rio de Janeiro já passava por uma crise financeira, que foi aliviada com o boom da produção e exploração de petróleo no estado, incentivada com a descoberta do pré-sal em 2007. No entanto, com a baixa do preço do barril, os problemas voltaram e com força maior.

“O Rio de Janeiro passava por uma crise, teve uma ressurgência econômica atrelada ao petróleo. Agora, revive a crise e com uma característica de maior complexidade, porque a população do Rio de Janeiro cresceu, a economia cresceu. A complexidade dos serviços demandados pela população e requeridos pelo estado do Rio de Janeiro são muito maiores hoje do que anteriormente ao boom da indústria do petróleo fluminense”, disse Szklo, em entrevista à Agência Brasil.

Em 2016, o estado do Rio de Janeiro prevê arrecadar R$ 58,8 bilhões e as despesas devem ficar em R$ 78,8 bilhões, o que significa um déficit perto de R$ 20 bilhões. A queda de arrecadação e os reflexos da crise econômica do Brasil são apontados pelo governo estadual como alguns dos fatores que levaram à difícil situação financeira.

No caso do petróleo, a queda nos preços do produto e a redução de projetos da Petrobras afetaram a cadeia de fornecedores e, com isso, a arrecadação com ICMS caiu. Nos primeiros quatro meses de 2016, a receita com o tributo atingiu R$ 10,7 bilhões. Já com os royalties, a queda na arrecadação ficou em 38% de 2014 a 2015, e para 2016 a previsão de recuo é de 60%, se comparado com o recolhimento há dois anos.

O professor Alexandre Szklo afirma que o estado ficou extremamente dependente da indústria de petróleo e não se preparou para as baixas desse mercado.

“O que se fala na engenharia do petróleo é que essa indústria é como se fosse um elefante. Como os investimentos são extremamente de capital intensivo e de elevado risco, e é uma indústria global, demora muito para começar a correr e depois para parar, por isso é como se fosse um elefante. Na verdade, se vive o ciclo de euforia e depois o ciclo de tragédia”.

O professor reconhece que é quase incontrolável saber como o preço do petróleo irá se comportar, dentro de um mercado extremamente volátil, mas que países como o Canadá, os Estados Unidos, a Noruega e o Reino Unido, com economias atreladas ao petróleo, souberam como agir diante das oscilações. “O estado do Rio de Janeiro deveria ter se preparado para isso”.

Norte fluminense

Uma das regiões mais dependentes do petróleo é o nortefluminense do estado. Para o professor Alexandre Szklo, a região vive agora a chamada “doença holandesa”, quando países e cidades concentram a economia em apenas uma atividade.

O termo surgiu quando, nos anos 60, Países Baixos tiveram receitas com exportação elevadas, com os preços do gás, e depois sofreram com a consequente valorização cambial, que resultou na queda das exportações de outros produtos.

Cidades, como Macaé e Campos, segundo o professor, conseguiram rendas “extraordinárias” com o petróleo, porém os custos de produção na cidade subiram por causa dessa indústria, inibindo o desenvolvimento de outras atividades econômicas. “Um exemplo emblemático disso foram os valores dos alugueis em Macaé, que era o maior percentual de valor de aluguel sobre o preço do imóvel”, destacou.

Itaboraí vive a mesma situação. Vislumbrando os lucros que poderiam vir do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras, a cidade apostou na construção de pousadas, shoppings e serviços a serem ofertados para os funcionários do complexo.

Abalada pelas denúncias de corrupção, a Petrobras acabou parando o projeto, que prevê a construção de duas refinarias. Com isso, Itaboraí passou a lidar com pousadas, hotéis e imóveis fechados e ociosos.

“O município não sabe mais qual é a vocação dele quando se depara, com o empreendimento que seria âncora do município. Ele destrói as vocações anteriores e não reconstrói outras vocações”, completou.

“O que a gente olha no norte fluminense é uma crônica da morte anunciada presente sempre no mundo extrativista do petróleo. Ali, vai caber de fato, de alguma forma uma visão de longo prazo de planejamento tentando criar incentivos e não subsídios, para desenvolvimento de atividades econômicas de ponta em regiões onde hoje estão muito baseadas em petróleo”, acrescentou.

O ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), John Forman, contesta o argumento de que a queda de receita advinda dos royalties tenha provocado o maior impacto negativo nos cofres do governo.

Para ele, mesmo que o preço do barril tenha reduzido no mercado internacional, a alta do dólar no Brasil, que chegou a ser cotado a R$ 4, possibilita uma compensação. “Houve um aumento considerável no valor do dólar, que em parte compensou a diminuição do volume advindo do preço”, disse à Agência Brasil.

Para John Formam, o dinheiro dos royalties foi mal aplicado. “Os royalties vêm sendo usados desde lá de trás para despesas correntes. Quando se bota em uma fonte, que não é permanente, nas despesas correntes, se esta fonte falha, fica com um problema grande. Se tivesse usado este dinheiro para melhorar a saúde, para hospitais, para a segurança, isto estaria aí, mas se usa para pagar folha de pagamento, que por si só não gera nada”, disse.

Medidas extraordinárias

“A saída para o déficit é o aumento de receita, mas isso é muito difícil na atual depressão da economia brasileira. Por isso, a ajuda federal será central para que o Estado do Rio consiga sair dessa crise”,  afirmou o secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Júlio Bueno, à Agência Brasil.

Para socorrer o estado, o governo federal liberou R$ 2,9 bilhões.

Na busca para equilibrar arrecadação e gastos, um dos caminhos tem sido identificar receitas extraordinárias, como a securitização da dívida ativa do Estado, que significa a venda de papeis da dívida, estimada em R$ 66 bilhões, e com isso agilizar a entrada de dinheiro no caixa.

Outras medidas são venda de imóveis e a licitação da folha de pagamento, que hoje é feita pelo Bradesco, além da renegociação da dívida com a União. Outro reforço esperado é o aumento da arrecadação com impostos, que tiveram as alíquotas reajustadas no final de 2015 e que passaram a vigorar a partir do final de março de 2016.

O governo estadual também está de olho na Previdência. Com déficit de R$ 8 bilhões em 2015, a Fazenda afirma que o cenário foi agravado com a redução dos royalties, usados para cobrir a maior parte dos gastos com o Rioprevidência- Fundo Único de Previdência do Estado do Rio.

“É importante observar que o déficit do estado é fundamentalmente causado pelo Rioprevidência. Precisamos gastar R$ 18 bilhões na Previdência este ano e a receita é de R$ 5 bilhões. A Previdência responde por mais de 70% do déficit do Estado”, disse o secretário Júlio Bueno.

Uma das principais consequências da crise tem sido o atraso no pagamento dos salários, aposentadorias e pensões. O governo acabou por parcelar o pagamento dos salários, inclusive do 13º salário, motivando protestos de servidores e aposentados.

Com os atrasos, a Justiça determinou o arresto de dinheiro dos cofres estaduais para garantir a liberação dos vencimentos e das aposentadorias e o calendário de pagamentos teve de ser alterado duas vezes. Conforme a secretaria, a folha de pagamento mensal consome R$ 2,7 bilhões.

O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), José Roberto Afonso, compara o cenário do Rio a uma pessoa que precisa de um atendimento de emergência. No caso do cidadão, ele deve buscar um hospital, no caso do Rio de Janeiro, não há outra alternativa a não ser o Tesouro Nacional.

“Mesmo com o gasto público no Rio crescendo menos que o federal, foi tão forte a queda da receita, puxada pelos royalties, que o estado está em situação pré-falimentar. Não resta outra alternativa, salvo a ajuda federal”, disse.

Para médio e longo prazos, o economista aponta que será preciso adotar medidas duras, como revisão de incentivos e dos benefícios da previdência.

“A Constituição prevê que só se deveria reajustar benefício previdenciário se houvesse fonte de recurso, mas isso nunca foi observado. A mesma Constituição prevê que, quando um governo estoura o limite de gasto com pessoal, tem que extinguir cargos e até demitir servidores concursados”.

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