Economia

Crediário ganha o mundo: parcelamento sem juros vira aposta bilionária de fintechs e bancos

Modelo “compre agora, pague depois” atrai bancos e investidores e movimenta mais de US$ 300 bilhões por ano, segundo a revista The Economist

Escritório da startup sueca Klarna: a empresa já movimenta bilhões com crédito parcelado sem juros (Klarna/Divulgação)

Escritório da startup sueca Klarna: a empresa já movimenta bilhões com crédito parcelado sem juros (Klarna/Divulgação)

Publicado em 5 de agosto de 2025 às 10h35.

A velha prática brasileira de dividir a compra em prestações, popularmente conhecida como crediário, ganhou versão digital, passaporte internacional e agora movimenta centenas de bilhões de dólares por ano.

A modalidade buy now, pay later (BNPL), ou “compre agora, pague depois”, virou febre global e está no radar de grandes bancos, fintechs e gestoras de investimentos. Segundo reportagem da revista britânica The Economist, o setor movimentou US$ 342 bilhões em 2024, contra apenas US$ 2 bilhões uma década atrás.

Criado para impulsionar o varejo online, o parcelamento sem juros hoje financia desde refeições em redes de fast food, a ingressos para festivais e até mesmo procedimentos estéticos.

Embora alvo de críticas por estimular o consumo impulsivo e facilitar o endividamento de jovens de baixa renda, o avanço do BNPL segue firme, impulsionado por empresas como Klarna, Affirm e PayPal, que oferecem o serviço com parcelamento em até quatro vezes sem juros, normalmente ao longo de seis semanas. O lojista recebe o valor à vista, com um desconto médio de 3%, e o consumidor paga em parcelas.

Segundo a reportagem, consumidores com acesso ao BNPL gastam, em média, 20% a mais do que aqueles que pagam à vista. Isso torna o modelo especialmente atraente para o comércio.

Aposta no mercado corporativo

Se no varejo o crescimento já é exponencial, o potencial do BNPL no crédito para empresas pode ser ainda maior. O mercado corporativo de pagamentos a prazo (crédito B2B) é grande, fragmentado e considerado antiquado. Só nos Estados Unidos, empresas acumulam cerca de US$ 4,9 trilhões em contas a pagar, valor quase quatro vezes maior que os saldos em cartões de crédito.

Nesse segmento, startups como Billie, na Alemanha, e Hokodo, no Reino Unido, estão começando a oferecer parcelamento para pequenas empresas. Segundo a The Economist, a oferta de crédito promove um aumento médio de 40% no valor das compras.

Segundo Matthias Knecht, da Billie, o crédito B2B está “cerca de 15 anos atrás” do BNPL voltado ao consumidor em termos de tecnologia e escala. A proposta dessas fintechs é justamente modernizar o processo: em vez de analisar manualmente a confiabilidade de cada comprador, elas usam dados para automatizar concessões de crédito e cobrança.

Bancos e fintechs

Aos poucos, o BNPL deixa de ser um diferencial e se aproxima do sistema financeiro tradicional. A Klarna, por exemplo, atua como banco na Europa desde 2017. Já a Affirm lançou um cartão de débito que permite pagar à vista ou em parcelas em lojas físicas, uma forma de levar o BNPL além do e-commerce.

Ao mesmo tempo, empresas tradicionais caminham na direção contrária. O PayPal começou a oferecer parcelamento em 2020, e em 2024 processou US$ 33 bilhões em compras via BNPL, com crescimento anual de cerca de 20%. Bancos também entraram no jogo, permitindo o parcelamento retroativo de compras feitas no cartão.

Para financiar a expansão, as plataformas têm vendido suas carteiras de crédito no mercado financeiro, atraindo investidores como a Elliott Advisors, que comprou US$ 39 bilhões em dívidas da Klarna no Reino Unido, e a KKR, que firmou acordo para adquirir até US$ 44 bilhões da carteira do PayPal. O apetite se explica: são dívidas de curto prazo, com inadimplência relativamente baixa e fluxo previsível.

Apesar do otimismo, os riscos não são ignorados. A proporção de usuários que atrasaram pagamentos subiu de 15% em 2021 para 24% em 2024, segundo o Federal Reserve. Ainda assim, os dados consolidados mostram que o risco é inferior ao do crédito tradicional. A taxa de inadimplência entre 2019 e 2022 foi de 2%, contra 10% nos cartões de crédito.

Analistas avaliam que o modelo de BNPL ainda precisa ser testado em uma recessão para comprovar sua resiliência. Mesmo assim, os dados indicam riscos menores do que se supunha, e o interesse de consumidores e investidores permanece forte. O que no Brasil sempre foi prática comum, agora se consolida como tendência global.

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