Agência de notícias
Publicado em 9 de setembro de 2024 às 06h45.
Uma das principais apostas da equipe econômica para equilibrar as contas públicas, a revisão de gastos com programas do governo anda a passos lentos neste ano e reforça a dificuldade de atingir a meta fiscal zero em 2025. Essa incerteza se soma às dúvidas em relação à capacidade do governo de obter R$ 166 bilhões em receitas extras para fechar as contas no ano que vem.
Em 2024, a previsão é poupar R$ 10 bilhões, principalmente com gastos do INSS. Mas, a quatro meses do fim do ano, a economia alcançada com os benefícios previdenciários é de cerca de 40% do total. Já no ano que vem, o governo conta com a redução de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios com a iniciativa, focada novamente no INSS.
Entre analistas em contas públicas, há dúvidas se essas medidas serão suficientes. Os especialistas ainda argumentam que o combate a irregularidades faz parte da rotina dos ministérios, não sendo algo adicional para lidar com o avanço dos gastos públicos.
Segundo eles, para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, será necessário avançar na desindexação do Orçamento e em mudanças estruturais que diminuam o tamanho dos programas. O governo, porém, decidiu adiar essa discussão para o ano que vem por conta das eleições municipais.
O pente-fino vem sendo realizado desde o ano passado, com o objetivo de combater fraudes e irregularidades na concessão de benefícios. Diante de evidências de pagamentos indevidos no final do governo Jair Bolsonaro, o primeiro alvo foi o Bolsa Família.
Este ano, as principais apostas são o uso da ferramenta Atestmed, que concede auxílio-doença sem necessidade de perícia (R$ 5,6 bilhões) e a reavaliação de benefícios desse tipo que já foram concedidos (R$ 2,973 bilhões). Com o Atestmed, a folga foi de 35% do total previsto.
“‘Spending review’ (revisão de gastos) é algo mais amplo do que combater fraudes. Deveria se referir a revisões efetivas de programas ruins, que não estão gerando o resultado pretendido originalmente. Nisso, entendo que ainda há pouco avanço”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Já a reavaliação do auxílio-doença teve início em julho, com a previsão de analisar 800 mil benefícios. Até agora, 258 mil passaram por perícia, o que resultou no cancelamento de 133 mil, gerando um corte de R$ 1,3 bilhão até o fim de 2024.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, avalia que o pente-fino é positivo e deve continuar para combater as fraudes, que são inaceitáveis. Mas pondera que essa agenda é permanente e está aquém do esperado este ano.
"Em 2024, colocou-se uma premissa a título de combate a fraudes que, a julgar pelos números realizados até agora, não se materializaram. Spending review (revisão de gastos) é algo mais amplo do que combater fraudes. Deveria se referir a revisões efetivas de programas ruins, que não estão gerando o resultado pretendido originalmente. Nisso, entendo que ainda há pouco avanço", avalia Salto.
Do total previsto para economizar no ano que vem, maior parte (R$ 6,4 bilhões) virá da revisão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo. Dentro do governo, porém, esse número é visto como incerto, pois novos beneficiários podem ser incluídos, e a revisão só começa ano que vem.
Outros R$ 10,5 bilhões têm, mais uma vez, foco no auxílio-doença (Atestmed, reavaliação e medidas cautelares). Há ainda contribuições previstas do Bolsa Família (R$ 2,3 bilhões), gastos com pessoal (R$ 2 bilhões), Proagro (R$ 3,7 bilhões) e seguro-defeso (R$ 1,1 bilhão). Este último depende de aprovação de medidas pelo Congresso.
O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal da FGV, afirma que o governo dificilmente cumprirá o arcabouço se, na estratégia para equilibrar as contas públicas, não incluir reformas estruturantes. Nem todos os benefícios que vão passar por pente-fino são irregulares, e trabalhar com uma arrecadação não recorrente sem margem de segurança é arriscado, diz:
"Sou a favor de mesclar aumento de arrecadação, uma agenda de controle de despesa e ter alguma reforma estrutural. Com essas três coisas andando juntas, é possível resolver o problema, de forma equilibrada, justa, e, ao mesmo tempo, obter um alívio no cenário de longo prazo, com benefícios a partir de hoje".
“Está devagar em relação à urgência do quadro fiscal”, diz Vilma Pinto, diretora da IFI
Uma amostra da dificuldade do governo Lula pode ser vista em outra gestão. Entre 2016 e 2018, o governo Temer obteve uma economia de R$ 14,5 bilhões com revisão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Mas, segundo técnicos do INSS, metade dos benefícios cancelados foi reativada pela Justiça.
Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), avalia que o governo conseguirá cumprir a meta em 2025, levando-se em conta que o arcabouço permite um déficit de até 0,25% do PIB. Contudo, destaca que a proposta contém riscos “nada desprezíveis”, que podem obrigar o governo a fazer bloqueios e contingenciamentos, pressionando ainda mais as despesas discricionárias.
A questão, diz, é saber até quando o governo poderá levar essa situação sem fazer algum tipo de reforma estruturante nas despesas.
"A discussão é quanto tempo você pode esperar para fazer essas reformas. Se começa agora e quanto isso vai levar para surtir efeito e tornar as despesas compatíveis com o regime fiscal", diz Vilma, que considera positiva a iniciativa de melhorar a qualidade do gasto. "Mas está devagar em relação à urgência do quadro fiscal que está se colocando".
O ex-secretário do Tesouro Nacional e chefe de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt, avalia que o governo tem margem nas despesas discricionárias (não obrigatórias) para “apertar o cinto” e chegar até o fim do mandato cumprindo o limite de gastos do arcabouço fiscal.
A fatia de discricionárias em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) deve ficar em 1,7% no ano que vem, segundo a proposta orçamentária, bem acima dos níveis observados no período de vigência do teto de gastos. Em 2021, essa participação ficou abaixo de 1,4% do PIB. Nessa conta, estão despesas de manutenção do governo e investimentos.
— Uma eventual discussão sobre o limite de gastos reflete muito mais a intolerância política do governo de viver com menos despesa do que um risco de shutdown (paralisia) da máquina pública. A gente tem margem na despesa discricionária longe de um risco de shutdown — afirma Bittencourt.
Para o economista, o caso do auxílio-gás é sintomático dessa baixa inclinação a viver com pouca despesa. Um projeto do Executivo, que precisa passar pelo Congresso, permite pagar esse programa fora do arcabouço, via Caixa Econômica Federal.
Estima-se que os gastos com o auxílio-gás em 2025 passem de R$ 3,5 bilhões para R$ 5 bilhões, sendo que apenas R$ 600 milhões foram contemplados dentro das despesas públicas no ano que vem. A outra parte seria financiada fora do arcabouço fiscal.
Em 2027, por sua vez, será outro mundo, diz Bittencourt, porque os gastos com precatórios (sentenças judiciais) voltarão a ser contabilizados em sua totalidade dentro do limite de despesas. No ano que vem, por exemplo, R$ 44 bilhões estão fora das regras fiscais por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso, as discricionárias tenderiam a ficar perto de 1% do PIB, nível em que há alto risco de “apagão” da máquina.
— É difícil aceitar o governo como vítima do crescimento da despesa obrigatória, sendo que a maior parte do crescimento foi decidida a partir da PEC da Transição (aprovada em 2022 por pedido do então governo de transição), com a retomada da regra antiga dos pisos de Saúde e Educação, e da política de valorização do salário mínimo — afirmou.