Guerra comercial entre EUA e China: trégua durou cinco meses, até a tensão voltar com tudo na semana passada (Rawf8/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 18 de maio de 2019 às 08h00.
Última atualização em 18 de maio de 2019 às 11h11.
São Paulo — Ninguém achou que seria tão breve. Mas foi. A trégua na guerra comercial entre Estados Unidos e China durou cinco meses, até a tensão voltar com tudo na semana passada.
A surpresa veio no último dia 05, quando o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou um novo aumento de 10% para 25% das tarifas sobre 200 bilhões de dólares em produtos chineses.
No começo da semana, a China afirmou que vai ajustar as tarifas sobre uma lista revisadas de produtos dos Estados Unidos avaliados em 60 bilhões de dólares, com taxas adicionais que variam de 20% a 25%.
Antes da retomada da briga tarifária, Trump acusou a China de ter recuado de promessas sobre as negociações comerciais entre os dois. Mas o país asiático nega.
A nova fase do conflito promete ser diferente do que tem sido visto desde que Trump elegeu a questão comercial como uma de suas principais bandeiras na eleição de 2016.
"As demandas americanas ganharam novos contornos. Onde antes se falava em redução do déficit bilateral, agora se fala em roubo de propriedade intelectual pelos chineses e ataca-se a política industrial, o Made in China 2025", explica a economista Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins.
O programa chinês, lançado no início do ano passado, delineia uma estratégia de longo prazo para que o país deixe de vez seu passado de mão-de-obra de baixo custo, incorporando cada vez mais inovação e valor agregado aos seus produtos.
"A grande questão dessa guerra tarifária é se ela é por um motivo comercial. Aparentemente não", analisa José Pio Borges, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e ex-presidente do BNDES. "A parte comercial é importante, já que o déficit dos EUA bateu recorde no ano passado, mas as questões mais sensíveis são as ligadas à tecnologia".
Nesse setor, o que tem incomodado particularmente os EUA é a liderança da China no desenvolvimento do 5G, segmento no qual a chinesa Huawei está muito mais à frente do que a Apple.
Na quarta-feira, 15, Trump assinou uma ordem executiva que barra a participação da Huawei em redes de telecomunicação que sejam consideradas vitais para a segurança nacional americana.
"A China, evidentemente, não abrirá mão de seus objetivos maiores, ainda que se possa crítica-los à vontade. As tensões subiram, em parte, por isso", diz Monica. "O pior cenário - esse que estamos testemunhando agora - não havia se materializado da forma como Trump o descrevera em campanha. Portanto, se antes não havia guerra comercial, agora há".
A China importa quase quatro vezes menos produtos americanos que o contrário. Esse cenário pode ser usado para justificar uma maior vulnerabilidade dos EUA na guerra comercial. "Mas isso é uma falácia", diz Monica.
"As cadeias de produção entre os dois países são muito integradas, e há produtos que os EUA compram da China que ninguém mais vende (componentes do iPhone, por exemplo)", explica. "Portanto, as empresas americanas haverão de sentir não só o custo mais salgado das tarifas, mas terão problemas de fornecimento em alguns casos".
A China também é um importante mercado consumidor para a Apple, para a fabricante de aviões Boeing, para as cafeterias Starbucks, para os carros Buick e até para os filmes de Hollywood.
Dois estudos separados publicados em março deste ano sugerem que a totalidade das tarifas que Trump impôs a produtos chineses estão sendo pagas pelos consumidores norte-americanos.
Um dos estudos, que tem entre seus autores o economista-chefe do Banco Mundial, Pinelopi Goldberg, conclui que as tarifas retaliatórias aplicadas pela China impactaram mais trabalhadores de regiões onde Trump teve grande número de votos nas eleições de 2016.
Essa tática da China é perigosa para Trump, segundo Borges, pois causa problemas para ele em estados importantes para sua reeleição no ano que vem.
Em março, após um ano da crescente tensão entre as duas maiores economias do mundo, o déficit comercial entre elas caiu para o menor nível em cinco anos.
Ainda assim, as sanções chinesas são direcionadas para onde dói mais em Trump. "Os chineses apertaram muito alguns estados republicanos produtores de soja", explica Borges.
As importações chinesas de soja norte-americana, uma das mais afetadas pela tensão, chegaram a cair 95% em outubro do ano passado na comparação com o ano anterior. A alteração prejudicou projeções de agricultores do centro-oeste dos EUA, que estavam no meio da colheita.
Após a trégua anunciada em dezembro, o país asiático voltou a aumentar sua compra da commoditie norte-americana. "Havia uma impressão de que ambos os lados estavam buscando um acordo, ainda que temporário", diz Borges.
O estudo que teve a participação de Pinelopi Goldberg, do BM, calcula uma perda anual de US$ 68,8 bilhões (0,37% do PIB) para consumidores e produtores norte-americanos, com o aumento nos custos nas importações de alguns produtos.
Traz ainda que as importações feitas pelos EUA de países-alvo de tarifas caíram em 31,5%, enquanto produtos norte-americanos taxados tiveram a exportação reduzida em 11%.
Outro estudo, elaborado por economistas do Federal Reserve (o banco central dos EUA), e das universidades de Princeton e Columbia, indicou uma queda na renda real dos EUA de US$ 1,4 bilhão por mês até o final de 2018. Os economistas consideram que as tarifas de importação impostas por Trump tiveram um efeito quase imediato na economia dos EUA.
Mas a China também não sai ilesa, segundo Borges. "Há uma preocupação sobre se esse antagonismo entre os dois países está indo longe demais, de modo a colocar em risco o crescimento extraordinário que a China vem mostrando", diz.
As apostas, no entanto, estão em um campo cinzento. "É uma briga de gigantes. Não tem um vencedor claro. O mais provável é que, no longo prazo, todo mundo saia perdendo. Até o Brasil", aposta Borges.
Segundo ele, se os Estados Unidos exigirem que seus aliados tomem partido, o Brasil poderia ser prejudicado. "Temos uma demanda de investimentos em infraestrutura gigantesca. A China poderá ser um financiador importantíssimo nesse processo. Se o Brasil tiver que optar por um dos dois lados estaria muito prejudicado", diz Borges, que não acredita que a situação possa chegar nesse ponto.
"A China entrou na retórica de campanha de Trump, e a guerra comercial está sendo politizada. Com esse matiz político, dificilmente haverá acordo entre os países, mesmo que sigam conversando nos próximos meses", acrescenta Monica de Bolle.