Economia

Como os países quebram? Novo livro de Ray Dalio detalha ciclo em 9 passos; leia trecho

Obra, recém-lançada no Brasil, analisa os casos de crises em vários países ao longo das últimas décadas

O investidor Ray Dalio, durante participação no Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum / Boris Baldinger/Divulgação)

O investidor Ray Dalio, durante participação no Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum / Boris Baldinger/Divulgação)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 16 de setembro de 2025 às 06h01.

Ver a economia de um país quebrar é algo que acontece de tempos em tempos na economia global, e muitos países passam anos à beira do precipício. Dois vizinhos do Brasil, Argentina e Venezuela, por exemplo, vivem há anos com alto endividamento e estiveram perto, por várias vezes, do momento mortal em que simplesmente não há mais como obter recursos para pagar as contas.

Em seu novo livro, "Como os Países Quebram - O Grande Ciclo", o investidor Ray Dalio, fundador da gestora Bridgewater, que se tornou o maior fundo hedge do mundo, faz um mergulho profundo nos meandros de como funcionam as dívidas dos países.

Dalio aponta que os movimentos de expansão e contração do crédito ocorrem em ciclos que costumam durar alguns anos. Esses ciclos podem ser processos saudáveis, mas podem se tornarem crises gigantes se os governos cometerem erros.

Uma destas falhas é erodir o valor real de uma moeda. Ou seja, acabar com as garantias de que ela pode ser trocada por outro item de valor forte, como ouro, dólar ou títulos seguros, e passar a depender apenas da "fé" dos cidadãos de que aquele dinheiro tem valor.

O livro de Dalio foi lançado em junho nos EUA e chegou às livrarias em setembro, pela editora Intrínseca. Leia um trecho a seguir:

Minha experiência em mercados, associada à análise de 35 grandes crises de endividamento nos últimos cem anos, nas quais governos centrais e/ou bancos centrais quebraram, me fez entender muito bem como ocorrem os Grandes Ciclos de Endividamento.

O que se segue é o processo arquetípico, que amplia a mecânica granular do que costuma acontecer, levando à quebra tanto de governos centrais quanto de bancos centrais, que depois sofrem as consequências. Há um determinante importante que eu gostaria de explicar, e que afeta como os casos ocorrem: isso se dá entre casos com moeda forte versus moeda fiduciária.

Moeda forte versus moeda fiduciária

Os casos que vou descrever são de dois grandes tipos abrangentes, que costumam se comportar de maneiras diferentes, mas que devemos entender: os casos de moeda forte e de moeda fiduciária. Em suma, os casos de moeda forte funcionam quando os governos prometem entregar dinheiro que não podem imprimir (por exemplo, ouro, prata ou outra moeda que as partes consideram relativamente forte, como o dólar).

Em uma análise histórica, quando governos enfrentam dificuldades para conseguir essas moedas fortes que não podem imprimir para pagar dívidas, quase sempre não cumprem com suas promessas de pagar na moeda que não podem imprimir. O valor de seu dinheiro e os pagamentos da dívida nele denominados despencam no momento em que a promessa é quebrada.

Depois que os governos descumprem com sua promessa ao não voltar a ter uma moeda forte, eles têm o que é chamado de “sistema monetário fiduciário”. Nesses casos, o valor da moeda é baseado na fé e nos incentivos que os bancos centrais fornecem.

A mudança mais recente de muitas moedas que deixaram de ser fortes e passaram a ser fiduciárias começou em 15 de agosto de 1971. Eu me lembro bem porque, na época, trabalhava no pregão da Bolsa de Valores de Nova York e fiquei surpreso com aquilo; então, fui estudar história e descobri que a mesma coisa tinha acontecido em abril de 1933 e aprendi como aquilo funcionava.

Bolivar, dinheiro venezuelano jogado no chão

Bolivar, dinheiro venezuelano jogado no chão: moeda teve forte desvalorização nas últimas décadas (Rafael Briceño Sierralta/Getty Images)

Nos sistemas monetários fiduciários, os bancos centrais usam sobretudo as taxas de juros, a capacidade de monetizar a dívida e o controle da oferta monetária para fornecer incentivos aos credores para emprestar e deter ativos de dívida.

E, ao longo da história, esses sistemas, como governos centrais e bancos centrais que operam em regimes de moeda forte, geraram muita dívida (que são créditos que as pessoas acreditam que podem entregar para obter dinheiro, esperando usá-los para compras). Dessa forma, existem os mesmos tipos de dinâmica de dívida/crédito em jogo — ou seja, os governos criam e permitem que seus setores privados gerem muita dívida a ser paga de volta, o que leva à impressão de dinheiro para facilitar o pagamento das dívidas, desvalorizando o dinheiro e fazendo os preços subirem.

Com exceção dos casos de moeda fiduciária, as desvalorizações não acontecem de uma só vez, no momento em que o governo quebra sua promessa de converter o papel-moeda em uma reserva de valor em moeda forte. Elas acontecem de forma mais gradual.

Por exemplo, reconhecemos isso com nitidez nas políticas do Banco do Japão para monetizar de forma agressiva muitas dívidas e manter as taxas de juros reais e nominais extremamente baixas, o que resultou na desvalorização de sua moeda e na dívida denominada na moeda.

Desde meados de 2013, os detentores de títulos do governo japonês perderam 60% em comparação ao ouro, 45% em comparação à dívida em dólares dos Estados Unidos e 6% do poder de compra doméstico (diante da inflação média de 1%). A desvalorização se deu de forma gradual, em vez de abrupta, porque o iene é uma moeda fiduciária, mas não teria sido diferente se o Japão tivesse uma moeda forte — ou seja, dívida em excesso que precisava ser monetizada.

A propósito, segundo a análise histórica, os Grandes Ciclos de Endividamento tendem a incluir regimes cambiais que flutuam entre a moeda forte e a fiduciária, porque cada um deles leva a consequências extremas e exige ações contrárias. Os regimes de moeda forte quebram com grandes desvalorizações porque os governos não conseguem manter o crescimento da dívida de acordo com suas restrições monetárias, e os sistemas monetários fiduciários quebram por causa da perda da fé de que dívida e dinheiro são uma reserva de valor segura.

Nove estágios da crise final

Nesta seção, vou me concentrar na fase final do Grande Ciclo de Endividamento, quando o governo central e o banco central quebram. Em geral, esse estágio final se dá em nove etapas.

Embora essa sequência seja arquetípica, há variações muito grandes no que e quando acontece, e os estágios não necessariamente ocorrem na sequência exata que descrevo. Portanto, estou me referindo aqui ao que pode ser encarado como os elementos não saudáveis que levam à crise e as medidas consideradas clássicas que são tomadas para sair dela. Quanto mais esses elementos não saudáveis existirem, maior o risco de um “ataque cardíaco”, situação na qual o governo central e o banco central quebram.

Em outras palavras, há muitas razões pelas quais um país quebra: gastos excessivos crônicos e acúmulo de dívidas; envolvimento em guerras caras; choques dispendiosos como secas, inundações e pandemias; uma mistura de dois ou mais desses acontecimentos, etc. Quaisquer que sejam as causas, essa lista se soma a um indicador de risco, pois, quanto mais elementos não saudáveis existirem, maior a probabilidade de uma crise de endividamento/moeda.

Aqui está a sequência de condições não saudáveis que exemplificam os últimos estágios do Grande Ciclo de Endividamento:

  1. O setor privado e o governo se endividam muito.
  2. O setor privado sofre uma crise de endividamento, e o governo central se endivida mais para ajudar o setor privado.
  3. O governo central experimenta um aperto da dívida, em que a demanda do mercado por sua dívida fica aquém de sua oferta. Isso gera um problema de endividamento. Nesse momento, há a) uma mudança na política monetária e fiscal que traz de volta ao equilíbrio a oferta e a demanda por dinheiro e crédito; ou b) uma venda líquida que autorreforça a dívida, gerando uma grave crise de liquidação da dívida que segue seu curso e reduz o tamanho da dívida e os níveis de serviço dela em relação às receitas. A grande venda líquida da dívida é o grande alerta.
  4. A venda de dívida pública leva simultaneamente a a) aperto monetário e de crédito impulsionado pelo livre mercado, o que ocasiona b) um enfraquecimento da economia, c) um declínio nas reservas e d) uma pressão descendente sobre a moeda. Como esse aperto é muito prejudicial à economia, o banco central, em geral, também facilita o crédito e experimenta uma desvalorização da moeda. É fácil testemunhar esse estágio em ação no mercado por meio do aumento das taxas de juros, ocasionado pelo fato de as taxas de longo prazo (rendimentos de títulos) subirem mais rápido que as taxas de curto prazo, acompanhadas pelo enfraquecimento simultâneo da moeda.
  5. Quando há uma crise de endividamento e as taxas de juros não podem ser reduzidas (por exemplo, atingem 0%, ou as taxas de longo prazo limitam o declínio das taxas de curto prazo), o banco central “imprime” (cria) dinheiro e compra títulos para tentar manter as taxas de longo prazo baixas e facilitar o crédito para tornar o serviço das dívidas mais fácil. O banco central não imprime dinheiro de fato; em essência, pega emprestado reservas de bancos comerciais sobre as quais paga uma taxa de juros de curtíssimo prazo. Se essa venda da dívida e o aumento da taxa de juros continuarem, isso gera problemas para o banco central.
  6. Se a venda permanecer e as taxas de juros continuarem subindo, o banco central perde dinheiro, porque a taxa de juros a ser paga sobre seus passivos é maior que a taxa de juros que o banco recebe sobre os ativos de dívida que comprou. Quando isso ocorre, é algo digno de atenção, mas não é um grande alerta até que o banco central tenha um patrimônio líquido negativo significativo e seja forçado a imprimir mais dinheiro para cobrir o fluxo de caixa negativo que experimenta devido à menor quantidade de dinheiro que entra para seus ativos do que aquela que tem que sair para pagar seus passivos de dívida. Isso, sim, se trata de um grande alerta, porque sinaliza a espiral de morte do banco central.
  7. As dívidas são reestruturadas e desvalorizadas. Quando gerenciadas da melhor maneira possível, os reguladores de política fiscal e monetária dos governos executam o que chamo de “maravilhosa desalavancagem”, em que as formas deflacionárias de reduzir os encargos da dívida (por exemplo, por meio de reestruturações da dívida) são equilibradas com as formas inflacionárias de reduzir o peso da dívida (por exemplo, monetizando-a), de modo que a desalavancagem ocorra sem ter valores inaceitáveis de deflação ou inflação.
  8. Nesses momentos, em geral, há a imposição de políticas extraordinárias, como impostos extraordinários e controles de capital.
  9. É inevitável que o processo de desalavancagem reduza os encargos da dívida e proporcione o retorno ao equilíbrio. De uma forma ou de outra, os níveis de endividamento e de serviço da dívida voltam a se alinhar aos rendimentos que existem para o serviço das dívidas. Muitas vezes, há depressões inflacionárias, de modo que a dívida desvaloriza no fim do ciclo, as reservas do governo aumentam por meio da venda de ativos e, de forma simultânea, o banco central alcança uma transição rigorosamente forçada de uma moeda em rápido declínio para outra relativamente estável ao atrelar a moeda a uma moeda forte ou a um ativo forte (por exemplo, o ouro) e trazer as finanças do governo central e do setor privado a um nível sustentável.

Capa do livro "Como os Países Quebram", de Ray Dalio (Divulgação)

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