Economia

Como os incentivos explicam o mundo, da perda de peso ao suicídio

Por que a porcentagem de motoristas registrados como doadores de órgãos é de 4% na Dinamarca e de 100% na Áustria? Dan Ariely explica

Economista Dan Ariely em evento em São Paulo no dia 24 de agosto de 2017 (Marina Tavares/Divulgação)

Economista Dan Ariely em evento em São Paulo no dia 24 de agosto de 2017 (Marina Tavares/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 15h42.

Última atualização em 16 de abril de 2018 às 13h20.

São Paulo – Por que a porcentagem de motoristas registrados como doadores de órgãos é de 4% na Dinamarca e de 100% na Áustria?

A resposta não está na cultura, e sim no formulário. A Dinamarca é opt-in: você precisa ticar a opção para se tornar doador, enquanto a Áustria é opt-out: você precisa ticar para ser excluído.

A conclusão é que quanto mais complicado o assunto, maior é nossa tendência de fazer o que for mais fácil, e mais importante se torna o contexto e a forma como a decisão é apresentada.

“Você não vai usar seu cérebro incrível para fazer a decisão, você vai decidir com base na arquitetura da decisão. E se te perguntarem a razão da sua decisão, você vai usar o seu cérebro incrível para criar uma história que te pinte como alguém ponderado e inteligente”, diz o economista Dan Ariely.

Ele deu uma palestra nesta quinta-feira (24) em São Paulo na edição 2017 do evento Travessia, que teve a Ciência Comportamental como tema.

Ariely dá aula na Duke University e foi um dos criadores da série (Dis)Honesty, do Netflix. Sua área é a Economia Comportamental, que usa a psicologia para questionar o pressuposto de que a economia é feita de atores racionais.

“A postura da economia tradicional é: se as pessoas não fazem a coisa certa é porque não sabem, então é só falar para elas (...) mas não é que não sabemos, e sim que conhecimento não é uma solução para comportamentos diários”, diz ele.

Em questões como tabagismo, uso de cinto de segurança e reciclagem, fatores como multas e pressão social foram os principais responsável por mudanças de atitudes e a informação em si teve um papel muito pequeno.

É conhecida a ideia de aversão ao risco, por exemplo: eu prefiro a certeza de um real na mão do que jogar em uma loteria com 50% de chance de ganhar 2 reais e 50% de chance de não ganhar nada.

O poder dos incentivos é claro até em questões de vida ou morte. A partir de 1963, a taxa de suicídios caiu dramaticamente no Reino Unido por uma razão singela: a composição do gás de cozinha se tornou menos venenosa.

Os suicídios por outros métodos ficaram estáveis enquanto essa tática, a mais simples na época, despencou.

“Torne o suicídio um pouco mais difícil e o que as pessoas fazem? Pensam que talvez seja melhor viver. As pessoas fazem decisão até sobre suicídio baseadas na facilidade!”, diz Ariely.

Outro exemplo foi um estudo com mais de mil pessoas obesas ao longo de 5 meses. Perder peso é um processo frustrante e difícil de acompanhar, até porque o peso flutua de 1 a 2 quilos no espaço de um dia.

Como fazer com que as pessoas se pesem diariamente no mesmo horário e não desistam mesmo se forem surpreendidas negativamente?

A solução encontrada foi dar balanças sem display, que mandam informações para um aplicativo que fornece então um diagnóstico mais geral da evolução da pessoa.

Resultado: aqueles com balança normal ganharam 0,6% do seu próprio peso a cada mês, enquanto os da balança sem display perderam peso em ritmo parecido.

“As pessoas pensam em dar dados em termos de exatidão, mas as pessoas querem informações que a ajudem a tomar decisões”, diz Ariely.

As “pequenas fricções” do cotidiano explicam atitudes como nunca cancelar coisas que pagamos e não usamos, como assinatura de uma revista ou canal, ou a diferença psicológica entre ter algo de graça ou pagar um preço ínfimo como 1 real por mês.

Mas estas fricções também têm seu papel positivo. A dor de pagar algo grande em dinheiro, por exemplo, desestimula o gasto, enquanto sistemas automáticos (como Apple Pay) privilegiam o consumo ao invés da poupança.

“O mundo digital está nos dando muitas opções e nossa escolha é o que fazer com isso. Podemos criar ferramentas digitais que façam as pessoas pensarem mais no comportamento de longo prazo”, diz Ariely.

No passado, era só ver as cabras do quintal do vizinho para saber o quanto ele economizava. Agora o consumo ficou mais visível enquanto a poupança ficou menos; há estudos que mostram que os vizinhos de vencedores na loteria chegam a ir à falência para se igualar.

O desafio é central, por exemplo, para a questão da aposentadoria: guardar recursos para o futuro é abrir mão de algo concreto por algo abstrato, e todos sabemos como isso é desafiador para o cérebro.

“É um campo onde as pessoas não têm oportunidade de aprender com seus erros, e por isso precisamos ser mais paternalistas: é uma obrigação moral obrigar as pessoas a guardar dinheiro”, defende Ariely.

Sua posição é categórica: o homem é irracional e a liberdade de escolha é positiva, mas só até certo ponto.

Ele questiona, por exemplo, a racionalidade do gasto com saúde ser tão concentrado em tentativas paliativas de estender os últimos momentos da vida em detrimento da prevenção de doenças, por exemplo.

"Esse dinheiro vem de algum lugar. Precisamos de uma análise de custo benefício que nos guie por essas decisões tão difíceis”.

Veja o vídeo de Ariely no TED Talks em 2009 com legendas em português:

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