“É muito difícil punir o próprio Estado. Toda privatização acabou facilitando o serviço de defesa do consumidor”, disse Carlos Ari Sundfeld, professor da faculdade de direito da FGV (Oli Scarff/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 24 de setembro de 2013 às 13h41.
São Paulo – Nessa segunda-feira acaba o prazo da recuperação judicial do Grupo Rede. O imbróglio mostra a atuação do governo sobre a concessão de serviços públicos - a Aneel decretou um regime de intervenção sobre as concessionárias. As operadoras de telefonia celular também tiveram que lidar com a atuação de sua agência reguladora, a Anatel, que suspendeu vendas de novas linhas após desempenho insatisfatório das operadoras. Os casos mostram que o governo tem seus meios para fiscalizar como empresas privadas executam serviços públicos – meios que, muitas vezes, não existem para fiscalizar a atuação do próprio governo quando presta os serviços.
“Em todos os casos (privatizações ou concessões), o governo tem meios de regular as empresas”, afirmou Carlos Ari Sundfeld, professor da faculdade de direito da FGV. A fiscalização por parte do governo começa na licitação e chega até as agências reguladoras e pode ter como resultado, em último caso, a perda de concessão.
“Nos últimos 15 anos, tivemos grande progresso na regulação dos serviços públicos porque essas empresas, mesmo quando privadas, mas sobretudo quando estatais, eram muito pouco reguladas. Com a criação das agências reguladoras independentes elas passaram a ser muito mais cobradas”, disse Sundfeld.
Para o especialista, seria importante criar agências para mais serviços públicos – executados pelo estado - como educação e saúde. “É muito difícil punir o próprio Estado. Toda privatização acabou facilitando o serviço de defesa do consumidor”, disse.
A regulação cria uma lista de obrigações das empresas que é a garantia do consumidor, segundo o especialista. “Quando foram criadas as agências reguladoras, o que se esperava, e se tem obtido, são agências tecnicamente bem qualificadas. Onde não há agências as coisas podem ser mais confusas”, afirmou Sundfeld. Veja alguns mecanismos da fiscalização:
Licitação
A licitação para obtenção da concessão deve conter os requisitos de qualificação técnica, financeira, jurídica e fiscal que deverão ser atendidos pelo licitante, segundo Jose Virgílio Lopes Enei, sócio da área de infraestrutura do escritório Machado Meyer. O processo licitatório é acompanhado e fiscalizado por diversas autoridades (do poder executivo e também tribunais de contas competentes).
Contratos e fiscalização
Após a outorga da concessão, o poder que a concedeu vai fiscalizar e exigir o cumprimento do contrato de concessão e da legislação pertinente. A fiscalização geralmente engloba o acompanhamento e aceitação das obras que podem preceder a prestação dos serviços, a verificação da qualidade e adequação dos serviços em si, da manutenção adequada dos bens utilizados na concessão, do cumprimento das metas de universalização, dos contratos relevantes, e ainda da saúde financeira da concessionária, segundo Enei. Essa fiscalização pode também ser delegada às agências reguladoras. A concessão também pode sofrer a fiscalização do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou da sociedade, através da ação popular, segundo Enei.
Agências reguladoras
As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Elas controlam a qualidade de prestação do serviço e estabelecem regras para o setor. Em 1996, foi criada a primeira agência brasileira, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Geralmente, as agências reguladoras são autarquias especiais, que gozam de independência técnica, autonomia financeira e mandato fixo para seus diretores, segundo Enei. As agências precisam de autonomia, para não sofrer interferências externas, segundo José Luiz Lins, presidente da Associação brasileira de agências de regulação (Abar) e é nessa área que está o desafio, especialmente nas agências federais, segundo Lins. “Os recursos que elas recebem vem, normalmente, de arrecadação, mas o governo impõe uma politica de contingenciamento desses recursos, e só libera conforme entende, na sua área de planejamento, que é interessante”, afirmou.
Em geral, as concessionárias devem apresentar relatórios periódicos sobre as obras, serviços, contratos e contas relativos à concessão, em formato exigido pela agência reguladora. As Concessionarias devem submeter à aprovação da Agência contratos relevantes, planos de investimento e propostas de alteração de controle, por exemplo. A agência usa essas informações para exercer a sua fiscalização e pode pedir informações adicionais da concessionária e notificá-la a regularizar qualquer infração detectada, segundo Enei.
Controle Cruzado
“Não é só a agência, temos um aparato estatal bem sofisticado para fazer esses controles cruzados”, disse Sundfeld. As agências reguladoras, como qualquer entidade publica, se sujeitam à fiscalização a cargo dos Tribunais de Contas e do Ministério Público e podem ser objeto de ações populares a cargo de qualquer cidadão, segundo Enei. Suas decisões podem ser submetidas ao Poder Judiciário pelos agentes regulados afetados pelas decisões.
As agências também são acompanhadas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, que observa as tarifas. “O Ministério da Fazenda, não tem competência de interferir, mas tem para criticar”, afirmou Sundfeld.
Concorrência e consumidores
Há também o controle da concorrência e dos direitos do consumidor. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode impedir eventuais violações de concorrência, segundo Sundfeld, e os clientes que se sentirem lesados podem recorrer ao Procon.
No entanto, isso funciona melhor em alguns serviços do que em outros, segundo o especialista. “O elo mais frágil da cadeia é de serviços para população, em que a relação é mais rápida”, disse Sundfeld. O serviço municipal de ônibus (alvo de reclamações recentemente) é um exemplo de serviço de “relação rápida”. “É difícil alguém reclamar no Procon, a relação com a empresa de ônibus é de curta duração. É mais fácil você querer reclamar com seu banco”, afirmou.
Para o presidente da Abar, por mais desconhecimento que a sociedade tenha, existe a sinalização da presença do estado por meio das agências reguladores. "(A sociedade) pode até questionar a eficácia, mas o instrumento está posto”, afirmou.