Economia

Como nasce (e resiste) a burocracia que inferniza nossa vida

A burocracia não é só uma chateação: é um elo que une fechamento comercial, produtividade estagnada e falta de inovação, dizem economistas em São Paulo

homem-abaixado-com-papeis (Thinkstock/Lichtmeister Photography Productions)

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João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 5 de agosto de 2015 às 17h13.

São Paulo – A burocracia é daquelas coisas necessárias que viram um monstro quando fogem do controle. Os impostos no Brasil são um bom exemplo.

Em tempo de compliance (aderência às regras), somos líderes mundiais em dificuldades: uma empresa precisa de 2.600 horas para organizar seus impostos, segundo o Banco Mundial. É mais que o dobro da Bolívia, 2ª colocada com 1.025 horas. 

Não vai haver redução de carga tributária: não se iludam. O Brasil custa caro e nós decidimos ter esse tamanho de Estado. Mas se tem uma coisa que dói mais do que pagar imposto é pagar para pagar imposto. Você precisa de um exército burocrático para garantir que não vai levar uma multa, diz Luis Eduardo Schoueri, professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP).

Ele citou um estudo da Pwc (Pricewaterhouse Coopers) feito a pedido da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) que avaliou quantas vezes a mesma informação é dada ao mesmo Fisco: chega a 16 vezes.

Schoueri participou na manhã desta quarta-feira em São Paulo do debate As novas e velhas faces da Burocracia no Brasil, organizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) com o Instituto Millenium e a plataforma UM Brasil.

Produtividade

De acordo com os economistas, a burocracia é parte de um círculo vicioso que une estagnação da produtividade brasileira, isolamento comercial, proteção a setores e corrupção

Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, destacou que a empresa mais produtiva da Índia está mais ou menos no nível da mais produtiva dos Estados Unidos.

No entanto, a janela entre as empresas menos produtivas dos dois países é enorme. Isso acontece por que as pouco produtivas desaparecem rapidamente no ambiente americano, o que não acontece na Índia - nem no Brasil. 

Aqui se protege o antigo ao invés de se estimular o novo. Mas não há proteção possível para todos: quando você protege o couro, desprotege os calçados. Essa imensa burocracia é efeito colateral da disseminação dessa politica onde cada setor tem uma regra e uma proteção especifica. Isso só agrava a competitividade e cria um círculo vicioso, diz Lisboa. 

Ele diz que a formulação de políticas no Brasil tem o vício de querer resolver sintomas sem abordar as causas dos problemas - o que só gera medidas de atalho que levam a um novo fracasso.

Fernando Veloso, pesquisador do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), concorda: 

Muitas vezes a solução de um problema causa outro, porque é um sistema cheio de remendos. Não tem uma receita fácil, não tem uma reforma só que vai resolver, e não é só uma questão técnica. A reforma do PIS/Cofins e do ICMS, por exemplo, tem conflitos que são políticos e distributivos.

Ligações perigosas 

Essa é outra chave da questão: a burocracia resiste muitas vezes porque sedimentou privilégios ou porque favorece quem pode enfrentá-la na disputa com quem não pode (empresas grandes contra empresas pequenas, por exemplo).

Esses entraves não desaparecem porque interessam a grupos específicos que operam no Brasil, diz Nelson Barizzelli, professor da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contáveis (FEA) da USP. 

Autor de dois livros sobre o "capitalismo de laços" no Brasil, o professor do Insper Sérgio Lazzarini notou que o Brasil tem uma forte herança patrimonialista e que a relação entre Estado e negócios nunca foi bem resolvida por aqui. 

Um bom exemplo: privatizações de ativos sustentáveis e lucrativos foram financiadas por fundos de pensão e BNDES. Política e negócios se retroalimentam em um círculo que ora pende para um Estado majoritário, ora para um Estado minoritário, mas nunca com critérios claros para benefícios ou uma avaliação objetiva de custos e resultados. 

Estudos acadêmicos mostram que neste cenário, investir em política é um ótimo negócio: dá retorno em concessões, destrava subsídios e gera até valorização na Bolsa. Grandes empresas têm bancadas inteiras fiéis aos seus interesses na Câmara dos Deputados.

Dificilmente eu vi uma variável explicar tanto no Brasil quanto doações de campanha, diz Lazzarini.

Dinamismo

O resultado disso está bem claro na crise atual, com Lava Jato e recessão. Desatar estes nós é condição inicial para o país começar a se integrar nas cadeias globais de valor, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia:

Nós vamos passar a ter no mundo um novo tipo de inovação que terá muitos elementos de reinvenção corporativa, de informalidade e do processo caótico associado a startups. E ela será dominada por uma nova era que o presidente do Fórum Econômico Mundial chama de talentismo, onde o grande recurso diferencial não é acumulação de capital, mas de talento.

Em outras palavras: se não sairmos da camisa de força que sufoca o potencial criativo do brasileiro, seremos um país sem o dinamismo exigido pelo século XXI.

Em março, a Fecomercio produziu um mini-documentário sobre o assunto. Veja:

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