Economia

Como a reforma tributária vai impactar o profissional liberal?

Mudanças na tributação de consumo devem elevar carga tributária para prestadores de serviços e impactar preço final ao consumidor

Profissões liberais, como Tecnologia da Informação (TI), terão a alíquota cheia que pode variar de 26,5%, como previsto na regulamentação da reforma, a 28,55%, segundo projeção mais recente (Matija Keber/Getty Images)

Profissões liberais, como Tecnologia da Informação (TI), terão a alíquota cheia que pode variar de 26,5%, como previsto na regulamentação da reforma, a 28,55%, segundo projeção mais recente (Matija Keber/Getty Images)

Publicado em 14 de abril de 2025 às 11h54.

Última atualização em 14 de abril de 2025 às 12h17.

A reforma tributária sobre o consumo trará impactos diretos para os profissionais liberais, especialmente aqueles que atuam como Pessoas Jurídicas (PJs). Advogados, médicos, contadores, psicólogos, arquitetos, nutricionistas, entre outros profissionais com regulamentação legal e vínculo com conselhos de classe, devem ver mudanças importantes na forma como pagam seus impostos — e, em muitos casos, no quanto pagam.

"A reforma vai impactar diretamente os profissionais liberais, porque a cadeia de serviços deve compensar parte das desonerações e subsídios concedidos à indústria durante a negociação da reforma", afirma Charles Gularte, contador e Chief Services Officer (CSO) da Contabilizei.

O especialista afirmou a EXAME que a compensação se dará com aumento de carga tributária para o setor de serviços, o que inclui esses profissionais.

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Hoje, os profissionais liberais recolhem entre 13% e 20% com todos os tributos em média, a depender do regime e da faixa de faturamento. Com a nova estrutura — que substitui PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS por dois novos tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — a carga pode chegar a 28,5%, segundo estimativas usadas como referência pelo governo.

Apesar disso, a reforma prevê redução de alíquotas para profissões regulamentadas: 60% para profissionais da área da saúde e 30% para profissões intelectuais de natureza científica, literária ou artística.

É o caso de administradores, advogados, economistas, arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, bibliotecários, biólogos, contabilistas, economistas domésticos, profissionais de educação física, engenheiros e agrônomos, estatísticos, médicos veterinários e zootecnistas, museólogos, químicos, profissionais de relações públicas, técnicos industriais e técnicos agrícolas.

Isso deve levar, na prática, a alíquotas estimadas entre 12% a 13% para médicos e cerca de 19% para outras profissões, como advogados, arquitetos e engenheiros, no que se refere apenas aos impostos sobre o consumo.

As demais profissões liberais, como Tecnologia da Informação (TI), terão a alíquota cheia que pode variar de 26,5%, como previsto na regulamentação da reforma, a 28,55%, segundo projeção mais recente.

Gularte avalia que esse aumento tende a ser repassado ao consumidor. "A pessoa física que contratar um profissional liberal vai, sim, sentir no preço. O benefício de abatimento do imposto sobre insumos existe, mas é pequeno, já que os profissionais compram pouco. No serviço, pouco se consegue abater", afirma.

Simples Nacional: continuar ou migrar?

Grande parte dos profissionais liberais está enquadrada no Simples Nacional, regime que unifica os impostos em uma única guia de pagamento, o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) e é previsto para micro e pequenas empresas. De acordo com a Receita Federal, cerca de 23,4 milhões de empresas estão no Simples — sendo 16 milhões MEIs.

Essas empresas continuam aptas ao regime após a reforma, mas elas poderão optar entre manter o modelo atual ou adotar um novo regime híbrido, em que CBS e IBS são cobrados separadamente, "por fora", com possibilidade de geração de crédito tributário.

Para profissionais que prestam serviço para outras empresas, esse novo modelo pode ser mais vantajoso, já que o cliente poderá se creditar do imposto pago.

"Se o profissional atende outras empresas, de PJ para PJ, pode ser mais vantajoso optar pela tributação 'por fora', pois o cliente poderá se creditar dos tributos pagos. Já para aqueles que prestam serviços a pessoas físicas, pode ser melhor permanecer no sistema unificado", explica Lucas Barducco, advogado tributarista do escritório Machado Nunes Advogados.

A regra, no entanto, tem exceções. Hoje, empresas que contratam profissionais no Simples têm direito a se creditar de 9,25%, mesmo que o prestador não recolha esse valor integralmente. Isso deve acabar.

"Com a reforma, o contratante de um PJ do Simples vai poder se creditar apenas de 2% a 3%. Isso pode afetar a competitividade de quem está no Simples, pois as empresas vão preferir contratar prestadores que geram crédito integral", diz o CSO da Contabilizei.

E para os profissionais fora do Simples?

Profissionais que atuam como PJ fora do Simples, nos regimes de Lucro Presumido ou Lucro Real, devem sentir o impacto de forma ainda mais expressiva. Atualmente, esses profissionais recolhem ISS (entre 2% e 5%) e PIS/Cofins (3,65% no Presumido e 9,25% no Real). Com a reforma, a alíquota total saltará para a cada dos dois dígitos.

Simulações feitas pela Contabilizei mostram que um PJ da área de TI, por exemplo, pode sair de uma carga de 11,72% no Simples Nacional e de 16,65% no Lucro Presumido para, no mínimo, 26,5%.

Para advogados, a carga de 9,22% no Simples e 16,65% no Presumido pode subir para 18,55%, mesmo com a redução de 30% na alíquota.

Preparação: o que o profissional PJ deve fazer agora?

Especialistas orientam que os profissionais PJ comecem a se preparar ainda neste ano, mesmo que a nova estrutura só entre plenamente em vigor em 2027.

"É essencial verificar se a atividade está contemplada nas reduções, mapear os gastos com insumos que podem gerar crédito e ajustar o sistema de gestão financeira e contábil", afirma Douglas Mota, sócio da área tributária da Demarest Advogados.

"A reforma tributária tem vencedores e perdedores, digamos assim. Para a indústria e comércio de modo geral, ela é muito boa, porque tende a ter uma redução de carga e da burocracia. Mas para os prestadores de serviço, a grande maioria, pagará mais. Não dá pra dourarmos a pílula", finaliza Barducco.

As mudanças atingem apenas os profissionais que atuam como pessoas jurídicas. As regras não se aplicam aos trabalhadores contratados via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo regime de tributação permanece inalterado.

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