Escola: anos de estudo estão relacionados com PIB per capita (Frédéric Soltan / Contributor/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 20 de outubro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 20 de outubro de 2019 às 08h00.
São Paulo - Capital humano, saneamento básico, educação, e falta de liberdade econômica: alguns dos grandes problemas brasileiros são não apenas graves, mas estão interconectados.
A conclusão é de um estudo feito pelo Instituto Millenium, um think tank de defesa de valores liberais, em parceria com a Eight Data Intelligence, uma consultoria de inteligência de dados, e antecipado com exclusividade para EXAME.
Usando um modelo matemático de regressão estatística, eles cruzaram 70 indicadores de 186 países, além de dados do IBGE e do ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation.
O estudo conclui que oito variáveis são muito relevantes para prever o tempo médio em anos que um adulto vai se dedicar aos estudos.
Uma das mais importantes é o percentual de impostos que uma empresa paga e os gastos governamentais: quanto maior forem, menor será o tempo de estudo.
O efeito oposto ocorre nos países em que há maior proteção à propriedade privada: quanto mais alta, as pessoas tendem a estudar mais. O mesmo ocorre com a liberdade para se fazer negócios, ainda que com menor relevância que as demais.
Apesar da correlação, não é possível provar causalidade, ou seja, se uma coisa causa a outra ou se elas estão ligadas ou influenciadas por um terceiro fator ou processo.
Outra conclusão do estudo, dessa vez especificamente sobre o Brasil, é que a Frequência Escolar Proporcional, uma síntese de quatro indicadores que medem se os alunos cursam a série compatível com sua idade, está fortemente correlacionada com o acesso a saneamento básico, água encanada e energia elétrica.
Cerca de 85% dos municípios brasileiros são atendidos por serviços de tratamento de água, esgoto e coleta de lixo, mas isso deixa ainda 75 milhões de pessoas desprovidos.
Apesar de bem posicionado em termos de acesso educacional, o Brasil também tem 11,6 milhões de pessoas que chegaram aos 18 anos analfabetas, o equivalente a 7,4% da população dessa mesma faixa etária.
"A vulnerabilidade da Frequência Escolar a problemas estruturais (cuja resolução não é simples e nem de baixo custo) afeta não apenas o atraso escolar, mas o desenvolvimento do país", diz o estudo.
A taxa de formados no ensino superior entre a população com 25 anos ou mais está em 12,78%, praticamente um terço da média (36,7%) dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - e há estados com índices de conclusão ainda mais baixos do que a média nacional, como Maranhão (7,3%) e Pará (7,9%).
O problema da baixa educação gera efeitos econômicos: os dados internacionais mostram que à medida que aumentam os anos de estudo, o PIB per capita tende a aumentar, com algumas exceções (como Luxemburgo e alguns países árabes).
A taxa de conclusão do ensino superior é capaz de explicar sozinha 85,6% da variação média dos salários da população ocupada. Ou seja: a quantidade de formados impacta diretamente na remuneração de quem está empregado.
81% da renda individual, por outro lado, pode ser explicada só pelo município onde mora o cidadão, um sinal de que oportunidades também tem um fator geográfico.
Há espaços nas regiões Norte, Nordeste e no Extremo Sul do país em que não existe oferta de ensino superior e há municípios com alto índice de desigualdade social cuja única oferta é privada, limitando o acesso.
O estudo identificou que há um "ciclo de perpetuação de déficit social" concentrado em um arco de 2.782 municípios, que cobre praticamente toda região Norte e o Nordeste, e se dissipa com menor intensidade em outras regiões.
Essa área de abrangência concentra exatamente os mesmos municípios com os menores índices de acesso a serviços de saneamento, assim como taxas elevadas de fecundidade e mortalidade infantil.
E isso sem falar em qualidade: o Brasil está praticamente na lanterna entre 70 países na última edição do Program for International Student Assessment (PISA), exame realizado pela OCDE para alunos de 15 anos. A nossa posição é de 63º em Ciências, 59º em Leitura e 66º em Matemática.
Além disso, a Educação Infantil (crianças entre 0 e 3 anos) no Brasil tem uma taxa de escolarização de apenas 30%, praticamente no mesmo patamar dos Estados Unidos em 1930, no auge da Grande Depressão. A primeira infância tem sido apontada por estudos recentes como uma das fases mais importantes para o aprendizado.
Apesar do diagnóstico repleto de desafios, há pontos de esperança no horizonte, seja pela retomada do crescimento ou por iniciativas como a revisão do marco regulatório do saneamento para facilitar o investimento privado, em debate no Congresso. É torcer e trabalhar para que esses fatores parem de se anular e passem a se retroalimentar positivamente.