Economia

Com os bons números, a volta do otimismo no Brasil

Pesquisa mostra que 62% de empresários e dirigentes têm perspectivas positivas para 2018, e 98% estão otimistas com os próximos cinco anos

ECONOMIA: apesar de indicadores mais positivos, melhora não chegou para todos, revelando que recuperação não é homogênea  / Ricardo Matsukawa / VEJA

ECONOMIA: apesar de indicadores mais positivos, melhora não chegou para todos, revelando que recuperação não é homogênea / Ricardo Matsukawa / VEJA

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 3 de março de 2018 às 07h01.

Última atualização em 5 de março de 2018 às 00h05.

No Brasil, todo fim de mês é momento de esperança. É nesta janela que são liberados os indicadores econômicos do mês anterior, que dão alguma mostra dos rumos do país — para o bem ou para o mal. Na semana que passou, os números deram algum alento de que o ano de 2018 veio com boas notícias.

A mais positiva delas foi o retorno do produto interno bruto ao patamar positivo. A economia do país registrou crescimento de 1% em 2017, colocando fim à sequência de recessão em 2015 e 2016. Mesmo que o número não seja robusto, indica que o país deixou de andar para trás e iniciou uma retomada.

A arrecadação também animou a equipe econômica, comandada por Henrique Meirelles. Na segunda-feira, foi anunciado que o saldo de impostos, contribuições e outras receitas em janeiro teve crescimento real de 10% em relação ao mesmo mês de 2017, somando 155,6 bilhões de reais. O avanço foi fortificado pelo último Refis, o refinanciamento de dívidas de pessoas físicas e jurídicas, e pelo aumento dos tributos PIS e Cofins sobre os combustíveis.

Mesmo o desemprego, que apresentou a primeira alta desde o primeiro trimestre de 2017, foi relativizado por influência sazonal e pelos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Economistas explicam que o trimestre em questão, que registrou 12,2% de desocupação, tradicionalmente registra aumento por causa dos corte dos empregos temporários de fim de ano. Ao final de fevereiro, havia 12,7 milhões de desempregados no país. O Caged, por outro lado, mostrou que em janeiro o emprego teve saldo positivo, com a criação de 77.800 postos formais de trabalho – foi o primeiro janeiro com superávit desde 2012.

Na esteira dos bons números, o empresariado começa a se mostrar mais confiante com a economia. Em pesquisa com 230 donos e dirigentes de empresas, realizada pelo Instituto Locomotiva e pelo World Trade Center Business Club e cedida com exclusividade a EXAME, 62% dos entrevistados afirmaram ter perspectivas positivas para 2018 em relação a 2017. Quando o campo aumenta para os próximos cinco anos, a boa impressão é compartilhada por 98% deles. No que diz respeito a emprego, 61% creem que demitirão menos e 51% que contratarão mais. Para Luciano Menezes, presidente do WTC Business Club, o empresário brasileiro “aprendeu com a crise” a encontrar melhores alternativas para o desenvolvimento do seu negócio: “Dos mais inovadores aos mais conservadores, todos estão bem mais otimistas e se movimentando”.

Nesse sentido, o relatório também mostra que 87% dos entrevistados enxergaram oportunidades na crise e conseguiram aproveitar ao menos parte delas. Como resultado, 70% acreditam que o Brasil oferecerá mais chance de crescimento para as empresas e 60% preveem que o país gerará mais emprego em 2018. Mais: 54% acreditam em mais oportunidades de investimento para suas empresas e 48% esperam ter mais crédito neste ano.

“O otimismo pode ser uma importante alavanca para a retomada da economia. Sem ele, o processo seria ainda mais devagar, pois são os empresários que decidem abrir vagas, lançar novos produtos e a velocidade de investir”, afirma Renato Meirelles, presidente do Locomotiva. “Os problemas estruturais ainda existem. Hoje, a estabilidade econômica funciona como impulsionador da economia, mas a instabilidade política faz o freio.”

Motivos para cautela

Mas, num ambiente ainda inseguro, há quem tema até o otimismo que vem com a melhora dos indicadores econômicos. “O que preocupa é a percepção errada dos números positivos no Congresso”, diz uma alta fonte do Ministério da Fazenda. “Nosso medo é o deputado ou senador se convencer que não são necessárias reformas fiscais.”

Por isso, a equipe econômica continuará a insistir na agenda de reformas fiscais, como a da Previdência, para manter um horizonte de crescimento. “O mercado sabia que a reforma não sairia em 2018, mas se o debate não retornar de forma séria em 2019, teremos estresse imediato entre os investidores e os indicadores positivos vão à lona”, afirma o interlocutor de Henrique Meirelles.

Economistas consultadas pela reportagem de EXAME concordam. A perspectiva para 2018, com previsão de crescimento na casa dos 3%, inflação controlada e baixa taxa de juros, corrobora o otimismo. Olhando para 2019, porém, é preciso ter mais previsão de uma política econômica que mantenha a “serenidade” dos indicadores e não jogue fora a condição favorável. “O otimismo antecipa a demanda e vários setores terão aquecimento, estimulando investimento. O problema é que esse efeito não dura para sempre”, diz Juliana Inhasz, professora de macroeconomia da escola de negócios Insper. “Sem pensar em formas de resolver a questão fiscal, esse cenário não se solidifica para os anos seguintes. Se o próximo governo reverter a política econômica, o país vira uma roleta-russa.”

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, é ainda mais cética em relação aos bons ventos indicados pela pesquisa. Apesar de considerar o otimismo um dos principais fatores para a mudança de direção na geração de empregos no início de 2017, ela afirma que a dinâmica de consumo no país retorna em etapas, separando setores que crescem mais rápido. “A confiança é muito importante porque dá o benefício da dúvida”, diz Zeina. “O empresário pensa: bom não está, mas dá para segurar uma demissão.”

Para ela, é preciso considerar que a recuperação ainda não chegou para todos. “O problema é que essa é crise é diferente, pois é muito intensa e interna, impactando as empresas e as famílias. Apesar de haver uma onda de melhora, empresas de pequeno e médio porte ainda estão muito frágeis. Não é um retrato homogêneo”, afirma Zeina. “Uma coisa é perceber os índices econômicos melhorando. Outra, é ver que ainda é muito difícil conseguir crédito, muita gente continua sem capacidade de financiar as dívidas e não tem capital de giro para investir.”

A manutenção do ambiente favorável, dizem ambas as especialistas, depende do avanço de uma agenda no Congresso. Com a intervenção federal, propostas de emenda à Constituição estão impedidas, mas ações como a reoneração da folha de pagamentos devem ser cuidadosamente consideradas. Na pesquisa da Locomotiva/WTC Business Club, 76% dos empresários se colocam como corresponsáveis pela saída da crise. Engajar-se em agendas como essa mostraria se houve um amadurecimento real da classe na participação política, pelo bem de todos.

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