Economia

Com inflação baixa, 90% dos reajustes salariais têm alta real

Apesar de o desemprego continuar elevado, com mais de 13 milhões de brasileiros sem trabalho, a situação de quem está empregado é mais favorável

Salários (Vergani_Fotografia/Thinkstock)

Salários (Vergani_Fotografia/Thinkstock)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 22 de abril de 2018 às 10h27.

O recorde de baixa da inflação neste início de ano ajudou o trabalhador na hora de fechar os reajustes salariais. Quase 90% das negociações no primeiro trimestre tiveram ganhos acima da inflação. Não se via número tão grande de categorias com reposição integral das perdas provocadas pela inflação desde 2014.

Isso é o que aponta um levantamento, feito a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, pelo Projeto Salariômetro da Fipe, com base nos dados do Ministério do Trabalho.

Apesar de o desemprego continuar elevado, com mais de 13 milhões de brasileiros sem trabalho, a situação de quem está empregado é mais favorável neste momento porque a inflação está baixa.

Nos últimos dez anos, foi a primeira vez que houve a combinação de inflação baixa com reposição real de salários. "É uma situação inédita e o melhor dos mundos", afirma Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP e coordenador do Salariômetro.

Hoje, diz ele, os reajustes reais não são muito altos, mas a inflação está muito baixa. Isso evita a corrosão dos ganhos a partir do momento que o trabalhador recebe o salário.

No primeiro trimestre, a inflação média acumulada em 12 meses pelo INPC, que baliza os reajustes salariais, foi de 1,9%. Os quase 800 reajustes fechados no período tiveram ganho real de 0 9%, em média, aponta o estudo.

Com a inflação baixíssima, os trabalhadores agora estão numa situação privilegiada, diz o economista. Isto é, eles conseguem ganhos reais nos reajustes e não perdem o poder de compra do salário porque a tendência é de a inflação continuar em baixa.

Marcio Antonio Vieira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha e Pneumáticos de São José do Rio Preto e Região, conseguiu negociar um reajuste salarial de 6% em fevereiro com dez empresas de beneficiamento de borracha natural.

Esse aumento representou um ganho real - descontada a inflação - de 4%. "Foi um grande feito", diz. No ano passado, o sindicato conseguiu um aumento de 8%. Mas como a inflação era de quase 6%, o ganho real foi bem menor, de 2%.

Com inflação baixa, os empregadores podem se dar ao luxo de dar um pouquinho mais, porque esse reajuste não pesa tanto nos custos e o repasse é mais tranquilo, diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores.

Flexibilidade

Apesar do ganho real maior no salário, Vieira conta que teve de ser mais flexível com as empresas para conseguir fechar os acordos. "Criamos banco de horas e prêmio por assiduidade porque as faltas prejudicam a produção na época da safra do látex."

Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese, diz que, neste momento, algum ganho real de salário nas negociações pode ser decorrente de uma maior flexibilização em algum benefício. "É provável que isso esteja acontecendo na negociação."

Ele explica que, depois da reforma trabalhista, são os empregadores que estão indo para as negociações com uma pauta que prevê a redução de direitos dos trabalhadores.

Mas, na sua avaliação, os ganhos reais nos reajustes decorrem principalmente de arredondamento. "Creio que seja arredondamento mesmo por conta da baixa taxa de inflação e provavelmente negociações mais duras."

Fábio Fortes, superintendente do Sindicato dos Trabalhadores em Sociedades Cooperativas do Estado de Minas Gerais, relata a dificuldade enfrentada para negociar o reajuste para os 15 mil empregados em 200 cooperativas de crédito que acabou resultando num aumento de 3,3% nominal e de 1,24%, descontada a inflação. "Foi o maior reajuste real em dez anos", diz.

A data base da categoria é novembro, mas o acordo só foi fechado em janeiro, após dez reuniões tensas.

'Foi mais do que a gente esperava'

Alessandro Alves de Siqueira, de 31 anos, casado e com uma filha é um dos 600 trabalhadores que não acreditavam que conseguiriam um reajuste de salário de 6%.

Faz três anos que ele está empregado numa indústria de processamento de látex, no município de Bálsamo, a 30 quilômetros de São José do Rio Preto (SP). "A negociação deste ano foi mais do que a gente esperava."

Ele observa que empresas de diferentes setores da região deram reajustes em torno de 2%. Com essa referência, ele e os colegas esperavam um aumento de 3% a 4%. "Graças a Deus conseguimos 6%."

Sem horas extras, o salário base de Siqueira reajustado subiu para R$ 1.720. Com isso, desde fevereiro ele está recebendo R$ 80 a mais por mês. "Não dá para fazer muita coisa. Mas perto do que foi a inflação no período, é um dinheiro para gastar com a família no final de semana."

Siqueira, ao contrário de muitos colegas, consegue avaliar o reajuste levando em conta a inflação. Em 2017, o aumento tinha sido de 8%, mas a inflação foi de 6%. Então, Siqueira teve ganho real de 2%. Neste ano, o aumento foi de 6% para uma inflação de 2% e o ganho real foi de cerca de 4%.

"O trabalhador não identifica o ganho real. Ele fica mais satisfeito quando o número é maior", diz Marcio Vieira, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústrias de Artefatos de Borracha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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