Economia

Clemens, do CGDEV: Migração é oportunidade de crescimento

O economista Michael Clemens, em entrevista a EXAME, explicou como os fluxos migratórios foram a chave do crescimento econômico brasileiro

Michael Clemens: para especialista, impedir que migração ocorra empobrece o mundo (Divulgação)

Michael Clemens: para especialista, impedir que migração ocorra empobrece o mundo (Divulgação)

CA

Camila Almeida

Publicado em 18 de setembro de 2017 às 18h21.

Última atualização em 18 de setembro de 2017 às 18h21.

O discurso anti-imigração do presidente americano Donald Trump — alegando que estrangeiros “roubam” empregos de nativos e sobrecarregam os cofres públicos — tem arrebanhado cada vez mais adeptos no mundo e estimulado a construção de barreiras à entrada de refugiados pelas fronteiras. Para o economista especialista em migrações, Michael Clemens, do Centro para o Desenvolvimento Global (Cgdev), essa resistência é infundada.

Na organização, que é focada em promover a redução da pobreza e da desigualdade no mundo, sediada em Washington, ele tem desenvolvido uma série de pesquisas que apontam para o alto nível de produtividade que os refugiados atingem após alguns anos de acomodação e a imensa contribuição dos fluxos migratórios para o desenvolvimento.

Em entrevista a EXAME, Clemens falou sobre os benefícios econômicos de abrir as portas para estrangeiros, olhando especialmente para o Brasil; a necessidade de pensar políticas que facilitem a integração de refugiados e imigrantes à sociedade e ao mercado de trabalho; e a falácia de que imigrantes disputam vagas com nativos.

No Brasil, os refugiados têm sofrido com uma onda de preconceito, que parece ser agravada especialmente pelo alto índice de desemprego no país, que acaba alimentando um sentimento de disputa pelos postos de trabalho. O fato de boa parte dos migrantes estarem vindo do Oriente Médio, que tem sido visto como epicentro do terrorismo, parece trazer uma ameaça adicional. Faz sentido esse sentimento?

O Brasil precisa se lembrar de que já recebeu migrações em outras épocas, inclusive de povos árabes. Há 100 anos, houve uma intensa migração de turcos para o país. Naquela época, as pessoas também tiveram uma visão ruim, mas esses imigrantes ajudaram a construir o Brasil e a fazer do país o que ele é. Então, deveria soar muito estranho as pessoas dizerem hoje “ah, mas aqueles imigrantes foram bons, os de agora são ruins”. Não há evidência de que os novos imigrantes são diferentes de alguma forma, que eles prejudicam a economia e a cultura brasileira, que eles não podem contribuir como os imigrantes do século passado fizeram.

O assunto da migração está tão em foco que a impressão é de que as pessoas estão se movendo no globo mais do que nunca. Isso é verdade?

A porcentagem da população mundial vivendo fora de seus países de origem está muito estável. Por 40 ou 50 anos, tem sido 2,5 ou 3%; e continua muito pequena. Às vezes, as pessoas se surpreendem que mais de 90% da população vive exatamente onde nasceu. O que é diferente é que agora tem havido mais migração forçada. Muito mais pessoas estão deixando seus países devido à pobreza extrema ou desastres naturais, e em parte isso se deve à melhor comunicação, que dá às pessoas uma maior capacidade de se mudar.

O fato de essas pessoas estarem migrando em condições de muita dificuldade é um problema para os países que as recebem?

Os refugiados estão obtendo ajuda para recomeçar suas vidas e, embora viajem sem nada, com um pouco de assistência, eles conseguem contribuir no longo prazo. Nos Estados Unidos, por exemplo, economistas mostraram que os refugiados não só não sobrecarregam o sistema como performam melhor no mercado de trabalho do que outros imigrantes. No começo, eles performam pior porque não têm emprego, normalmente não têm conexões familiares e não conhecem ninguém. Mas, sete anos depois, eles começam a performar melhor do que os outros imigrantes: ganham mais e desenvolvem melhor as habilidades com inglês do que os não-refugiados. Talvez isso aconteça porque eles se sentem altamente motivados a prosperar e a contribuir com o país que os salvou do perigo de que eles estavam fugindo. Isso significa que a assistência que os refugiados recebem quando chegam é um investimento, tem um retorno positivo para a economia. E o mesmo é verdade para as finanças públicas: oito anos depois da chegada, o refugiado médio começa a contribuir mais em impostos, ano após ano, do que ele recebe em benefícios. Dizer que essa assistência tem um custo para a sociedade é a mesma coisa que dizer que um investimento é prejudicial porque custa dinheiro. Todo investimento custa dinheiro. Quando os refugiados podem realmente se integrar ao mercado, quando eles têm acesso à educação, eles dão retorno positivo. E isso porque nem estamos falando das contribuições culturais que existem.

Aqui no Brasil, nós não damos auxílio financeiro em dinheiro para os refugiados, como alguns países da Europa fazem. Nós apenas oferecemos documentação e o direito de circular livremente pelo país. Seria o caso de pensarmos em dar dinheiro para essas pessoas, como uma forma de investimento no país?

Certamente, mas já há investimento. Todas as crianças refugiadas e imigrantes têm acesso às escolas públicas no Brasil, isso é um investimento, do mesmo jeito que é na formação dos brasileiros. Quando eu falo de investimento, não falo só sobre colocar dinheiro na mão deles diretamente.

Se o país fosse mais aberto para refugiados e imigrantes, nós poderíamos superar a crise econômica mais facilmente? Há relação?

Sim. Existem alguns limites hipotéticos para isso, claro, mas eles são bem pequenos e estão longe de qualquer limite que pudesse sobrecarregar o mercado de trabalho local ou nacional, as finanças ou mesmo os serviços públicos no Brasil. Eu não quero fingir que não há custos, porque há. Mas eu acho que é obviamente importante manter em mente o longo prazo. A razão pela qual eu digo isso é porque há sete milhões de pessoas no Brasil, que pertencem e contribuem para o país, que são descendentes imigrantes, pessoas que fizeram exatamente esse movimento um século atrás. Eu não acredito que exista nenhum sírio, por exemplo, que queira ter um impacto além do positivo — então, a questão precisa ser como endereçar isso.

O Brasil tem mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, além de uma população jovem, que garante ao país uma imensa força de trabalho. Um país com essa situação econômica e essa demografia precisa de imigrantes? Essa abertura não traria mais resultados para países que precisam dessa força de trabalho?

Esse é um equívoco bem comum e compreensível. Eu sei os números para os Estados Unidos: o desemprego nunca esteve abaixo dos 4% desde os anos 1880. Então, nos últimos 107 anos, sempre houve pelo menos 4% da população — equivalente a milhões de americanos — sem trabalho. Por esse raciocínio, os Estados Unidos não deveriam nunca ter recebido qualquer tipo de imigração. Sempre haverá gente procurando trabalho sem conseguir encontrar. E o ponto é que imigrantes e nativos não são substitutos uns dos outros. Por isso que a migração japonesa foi tão benéfica para o Brasil, e a de todos os outros grupos imigrantes. Porque eles trouxeram algo diferente; em boa parte das vezes, foi uma habilidade empreendedora. Isso também é verdade para muitos imigrantes que estão nos Estados Unidos hoje. O mais óbvio de todos os exemplos seria o dos mexicanos agricultores, que fazem um trabalho que praticamente nenhum dos americanos desempregados tem interesse em fazer. Esses trabalhos estão disponíveis, mas eles têm aspiração por outros tipos de trabalho. Compreensivelmente. Outros exemplos incrivelmente óbvios são os de empreendedores que vêm aos Estados Unidos — e que também devem ir para o Brasil. Dentre as 500 maiores empresas americanas, 40% foram fundadas por imigrantes ou filhos de imigrantes. Então, eles não só estão complementando a força de trabalho americana como estão sendo massivamente responsáveis por gerar os trabalhos que os americanos querem.

O nível de desenvolvimento de um país está relacionado ao número de imigrantes que ele recebe?

Sim, mas há migração em todos os estágios de desenvolvimento. Um dos maiores fluxos migratórios entre dois países no mundo é de Bangladesh para a Índia. Existem partes da Índia que são muito ricas, como existem partes menores com altas taxas de pobreza e desemprego. Mas também há espaço para pessoas que mesmo pobres podem complementar a força de trabalho e ajudar no crescimento do país. Também sempre houve uma migração muito intensa da Nicarágua para a Costa Rica, porque mesmo a Costa rica sendo um país de renda média, mais pobre do que muitas partes dos Estados Unidos, ainda é um país que oferece oportunidades para muita gente de países como a Nicarágua. Isso você vê acontecendo internamente no Brasil. Há oportunidades para migração entre todas as regiões, a depender do que cada pessoa está buscando e com as habilidades que ela tem. Não é um fluxo sempre para os lugares mais ricos. A migração interna no Brasil sempre atendeu a um padrão complexo, de acordo com o que as pessoas acham que podem complementar a economia, mas isso também se percebe internacionalmente. Países de renda média como a Malásia também estão entre os destinos mais procurados do mundo, mesmo não sendo os mais ricos.

E, do outro lado, até que ponto a migração estimula o desenvolvimento?

É possível olhar para o caso brasileiro para falar sobre isso. A migração de trabalhadores do Nordeste para São Paulo foi uma das principais engrenagens de todo o crescimento econômico brasileiro; e tem uma única pesquisa econômica séria sobre isso, dos anos 1970. Quando uma pessoa migra, ela não está conseguindo uma renda melhor apenas para si mesma. Ela se insere em um ambiente econômico mais produtivo e adiciona mais valor a ele; a parcela que recebe disso é uma renda mais alta — e há outra parcela disso que vai para o capital. Isso gera crescimento na economia e gera outros tipos de empregos. Claro que há problemas associados a essa migração: como infraestrutura urbana para receber toda essa gente ou a criminalidade nos bairros. Esses problemas existem, mas os efeitos positivos que essa migração gera são tão extraordinários que vale a pena o investimento. O mesmo é possível dizer de um sírio. Essa pessoa com muita energia e muitas ideias poderia fazer uma excelente contribuição em seu país, mas ela não pode porque o país foi destruído e ela está vivendo num campo de refugiados. Isso empobrece o mundo. Permitir que esse sírio migre para o Brasil para dar vazão a esse potencial faz do mundo um lugar mais rico.

Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraEconomistasExame HojeGlobalizaçãoImigraçãoPIB do BrasilRefugiados

Mais de Economia

ONS recomenda adoção do horário de verão para 'desestressar' sistema

Yellen considera decisão do Fed de reduzir juros 'sinal muito positivo'

Arrecadação de agosto é recorde para o mês, tem crescimento real de 11,95% e chega a R$ 201,6 bi

Senado aprova 'Acredita', com crédito para CadÚnico e Desenrola para MEIs