Safety driving while hanging out with friends (Getty Images/Getty Images)
Repórter de Negócios
Publicado em 5 de março de 2024 às 18h28.
Última atualização em 5 de março de 2024 às 18h53.
Grupos de motoristas de aplicativo estão agitados desde a tarde da última segunda-feira, 4. Na ocasião, o governo federal apresentou uma proposta para regulamentar a atividade desses trabalhadores. O plano, que será encaminhado ao Congresso, indica uma remuneração mínima de 32,09 reais por hora trabalhada, tempo de trabalho máximo por dia de 8 horas (com possibilidade de extensão para 12 horas diárias, a ser negociada via sindicato) e contribuição previdenciária. As medidas agradaram as companhias como Uber e 99. Entre os motoristas, a reação foi de pânico.
"Cercearam a autonomia do motorista", diz à EXAME Eduardo Souza de Lima, motorista de aplicativo desde 2016 e presidente da Associação dos Motoristas de Uber de São Paulo. "Falaram que teremos mais autonomia, mas que autonomia é essa em que o motorista vai ter que ser obrigado a trabalhar apenas 8 horas, e para trabalhar 12 horas requer a necessidade de uma negociação entre sindicatos e empresa?"
Em nota enviada à imprensa, a Federação Brasileira de Motoristas de Aplicativos (Fembrapp) também criticou a proposta do governo. Entre as alegações, diz que a contribuição previdenciária, que prevê uma alíquota de 27,5% — sendo 20% recolhidos pela plataforma e 7,5% pelo trabalhador — é confusa e burocrática. Segundo a Federação, o pagamento deveria ser pelo modo simplificado, aos moldes de como é feito com o Microempreendor Individual (MEI) ou com os contribuintes individuais.
No Brasil, segundo dados do último trimestre de 2022 do IBGE, havia 721 mil motoristas de aplicativo — de um universo de 1,2 milhão de pessoas ocupadas como condutores de automóveis de transporte rodoviário de passageiros em sua atividade principal.
A EXAME acompanhou grupos internos de troca de mensagens de motoristas de aplicativo. Por ali, o ambiente é de dúvida e desaprovação. A principal crítica é sobre a remuneração mínima, de 32,09 reais por hora trabalhada. Segundo os motoristas, o valor não é suficiente para cobrir os custos de manutenção e uso de um carro. Há medo, também, de que as plataformas ajustem os ganhos aos trabalhadores para pagar apenas o mínimo exigido pelo governo — em outras palavras, que façam do piso anunciado um teto de remuneração.
"Agora as plataformas vão poder baixar o valor da tarifa, e quando formos reclamar, vão dizer que estão cobrindo a obrigação de pagar 32 reais por hora dirigindo", diz Souza de Lima. "E esse é outro ponto, o valor é por hora dirigida. Quando estiver parado, você não ganha."
O cálculo que o governo levou em consideração para chegar a este valor estima que um motorista tenha gastos de 27,07 reais por hora trabalhada. Com isso, sobrariam 8,02 reais "limpos" por hora — ou 15% a mais do que a hora do salário-mínimo. A questão, avaliam os motoristas, ainda fica mais complexa uma vez que a legislação proposta pelo governo fala em "hora trabalhada". "O problema não é nem tanto o valor, e sim a hora trabalhada", disse à EXAME o motorista Eduardo Henrique.
Além disso, eles questionam a falta de regionalização para os valores. "É totalmente sem cabimento querer estipular um único valor pra chamar de mínimo para todo o território nacional", escreveu o motorista Luís Duarte em um grupo de Uber no Facebook em resposta a questionamentos da EXAME. "Cada região tem demandas e perfis diferentes, o que influencia diretamente nos ganhos por hora de cada motorista. Em São Paulo, por exemplo, é muito difícil você ficar um hora em corridas e não fazer pelo menos 35 reais. Ou seja, numa das regiões com mais demanda no país esse "valor mínimo" estipulado pelo governo não passa de uma lei pra inglês ver. As verdadeiras pautas que beneficiariam o motorista como isenção do rodízio, desconto do IPVA e compra de veículo, tarifa mínima, etc., não são nem consideradas."
"Estou tão perplexa que estou sem palavras", afirmou a motorista Luísa Pereira. "A nossa maior dúvida é sobre como as plataformas vão se comportar nas viagens de uma hora que valem mais do que 32 reais."
À EXAME, a plataforma StopClub, que ajuda motoristas a decidirem se vale a pena ou não aceitar uma corrida de aplicativo, calculou que, de um universo de 41.000 usuários únicos que simularam mais de 200.000 vezes, o custo diário de um motorista é de R$ 150,58 por dia trabalhado ou R$ 16,13 por hora on-line trabalhada.
Para cada hora efetivamente trabalhada, será pago um valor de R$ 24,07, destinado a cobrir os custos da utilização do celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros. Esse valor é indenizatório e não compõe a remuneração.
Os trabalhadores e trabalhadoras serão inscritos obrigatoriamente no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com regras específicas para o recolhimento da contribuição de cada parte (empregados e empregadores):
1) Os trabalhadores irão recolher 7,5% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,02/hora);
2) Os empregadores irão recolher 20% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,02/hora);
As empresas devem realizar o desconto e repassar para a Previdência Social, juntamente com a contribuição patronal.
As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.
O trabalhador em aplicativo será representado por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. As entidades sindicais terão como atribuições: negociação coletiva; assinar acordo e convenção coletiva; e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.