Pessoas em um carro passam na frente de uma clínica animal fechada e um prédio novo no bairro de Las Mercedes em Caracas, na Venezuela (Manaure Quintero/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 23 de junho de 2018 às 08h00.
Última atualização em 23 de junho de 2018 às 13h39.
Ainda é possível encontrar um lugar para jantar um bom pedaço de carne em Las Mercedes, o distrito de Caracas que era famoso por seus pubs e discotecas. No entanto, o que mais se vê agora são lojas fechadas e blocos de apartamentos cheios de pichações, pontuados por luzes de rua quebradas. E o mais estranho: andaimes.
E nada menos que em construções completamente novas. Isso parece descabido na capital mundial da loucura econômica. Mas lá estão, na rua Paris, na avenida Jalisco e em todos os quarteirões. Las Mercedes é o lugar onde alguns dos cidadãos mais ricos da Venezuela estão estacionando o dinheiro que não podem retirar do país.
O magnata Oswaldo Cisneros e o empresário do setor hoteleiro Salomón Muci estão entre os investidores desses edifícios de uso misto, com nomes como Luxor e Tower 302, que terão "lojas locais exclusivas" e acabamentos em mármore, segundo os materiais promocionais.
Alguns outros bairros também estão vivenciando pequenos booms da construção, mas Las Mercedes talvez seja o mais movimentado com, de acordo com o gabinete do prefeito, 73 projetos em andamento.
A pergunta óbvia é: quem, na decadente Caracas, vai alugar esses pontos comerciais e escritórios e comprar esses apartamentos extravagantes? Talvez a resposta, pelo menos a curto prazo, seja: quem se importa?
"Com os controles monetários e cambiais vigentes, os investidores estão, sabiamente, decidindo investir em tijolos", disse Alfred Scheer, diretor da incorporadora imobiliária Vantage Latin America. Algum dia esse investimento pode até compensar. "Estamos confiantes em que mais cedo ou mais tarde haverá uma mudança política e queremos estar preparados."
A eleição de 20 de maio, boicotada pela oposição e denunciada pelos EUA, pela UE e por outros como injusta, conservou o precário status quo. Manteve Nicolás Maduro na presidência de um país assolado pela criminalidade desenfreada, pela escassez de produtos básicos, pela fome generalizada e pela inflação de mais de 20.000 por cento.
As contas bancárias pagam juros risíveis ou nulos. Para aqueles poucos com bolívares de sobra, não existem muitas opções além de ver o valor deles desaparecer. Os controles cambiais estabelecidos em 2003 pelo regime do falecido Hugo Chávez são bastante rigorosos. E o mercado negro não é tão grande, então é complicado retirar dinheiro do país.
Muitos venezuelanos abastados, é claro, haviam protegido boa parte de sua riqueza, transferindo-a para o exterior antes que o governo impedisse isso. Mas eles ainda têm interesses comerciais no país - Cisneros controla a operadora de telefonia móvel Digitel, por exemplo, e Muci é diretor e detém ações da Intercontinental Tamanaco Caracas - e continuam acumulando dinheiro com o qual têm de lidar.
Todas essas construções de alto nível confundem alguns caraquenhos. "Isso não faz sentido para mim", disse Freddy Calderón, que trabalha em um estacionamento em Las Mercedes. "Com a economia em seu pior estágio e com todos os problemas que os venezuelanos estão enfrentando agora, isso não faz sentido."
Para os impulsionadores de Caracas, no entanto, é empolgante, um sinal de que, como disse Aquiles Martini Pietri, o país não vai simplesmente "afundar em um buraco fundo". Ele é um funcionário da Fedecamaras, uma câmara de comércio, e vê o giro positivo.
"Tem gente que tem fluxo de caixa suficiente para continuar investindo. Tem gente que ainda acredita e aposta na Venezuela."