Economia

E o capitalismo não acabou

Um ano após a crise que demonstraria o "esgotamento de um modelo", eis que o mundo continua estranhamente parecido com o de sempre -- e o socialismo permanece no cemitério das más ideias

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 13h45.

Passado um ano da grande crise financeira mundial, que, segundo se garantiu na época, iria provar definitivamente a malignidade do "neoliberalismo", deixar clara a necessidade de controles estatais muito mais rígidos sobre a economia e, quem sabe, até resgatar do mundo dos mortos o prestígio do socialismo, é interessante conferir um pouco o que aconteceu na prática com essas certezas. Não há muita novidade a relatar, apesar de toda a intensidade do choque e do furor extremo com que se reagiu a ele; na verdade, considerando-se tudo o que foi dito sobre "esgotamento do modelo", "falência de um sistema de pensamento" ou "fim dos mercados", para não mencionar o surgimento de uma nova economia, a impressão é que o espaço de um ano é tempo curto demais para uma avaliação segura. Deve ser isso. O que tinha de acontecer não aconteceu; vamos esperar mais um pouco, então, para ver se sai coelho desse mato.

É verdade que os governos do Primeiro Mundo, a começar pelos Estados Unidos, jogaram trilhões de dólares em operações de socorro a bancos e grandes empresas; chegaram, até, a ficar no controle acionário de gigantes da iniciativa privada. Mas isso não os levou a mudar de natureza ou a descobrir as vantagens do socialismo. Logo depois de fazer o que acharam que deveria ser feito para limitar o desastre, voltaram ao "modelo esgotado" e continuaram tão capitalistas como sempre. Na eleição recém-realizada na Alemanha, a mais importante desde o estouro da crise, os socialistas ficaram com menos de um quarto dos votos. Seria a primeira grande oportunidade para o eleitorado da maior potência europeia fazer uma clara condenação aos "mercados", mas o que ele fez foi justamente o contrário -- impôs à esquerda alemã sua pior derrota eleitoral dos últimos 60 anos. As bravas tentativas iniciais de acabar com as remunerações extravagantes dos executivos do setor financeiro, ou pelo menos limitá-las, foram perdendo pouco a pouco o gás, e hoje os governos quase já não falam mais do assunto. Bolsas, bancos, casas de investimento e outros agentes do comércio financeiro, cujas atividades deveriam ter se tornado inviáveis pela perda da confiança dos investidores, funcionam regularmente todos os dias; a crise não eliminou a existência do dinheiro no mundo e o dinheiro continua precisando de lugares para ir. Em suma, feitas as contas, resulta que o mundo de outubro de 2009 é notavelmente parecido com o mundo de outubro de 2008.

No Brasil, particularmente, chama a atenção a distância estabelecida durante este ano entre as aparências iniciais e as realidades de hoje. Pelo palavrório indignado que se ouviu no começo da crise, o Brasil iria assumir a vanguarda dos países dispostos a dar, finalmente, uma lição em regra ao capitalismo neoliberal; seus agentes veriam, dali por diante, como funciona um governo que sabe intervir de fato na economia. Se ainda fosse possível, àquela altura, levar a sério a discurseira oficial, até se poderia imaginar que o Brasil tinha decidido colocar empresas, empresários e capitais privados, de uma vez por todas, dentro de um regime de disciplina comandado por um "Estado forte".

No mundo dos fatos, entretanto, esse novo Brasil do "Estado forte" não apareceu até hoje. Ao contrário do que fizeram as grandes economias capitalistas do Primeiro Mundo, não tirou um tostão do cofre para salvar bancos à beira da bancarrota, até porque os bancos brasileiros não precisavam de ajuda. Não assumiu o controle acionário de nenhuma empresa em estado falimentar, e muito menos expropriou alguma coisa. Sua intervenção na indústria automobilística limitou-se a uma discreta, e temporária, redução de impostos. Mesmo na questão do petróleo, em que sobrou discurso nacionalista e estatizante, a exploração do pré-sal aponta, na prática, para a entrada de bilhões de dólares nas empresas privadas, brasileiras ou internacionais, na forma de fornecimentos e prestação de serviços.

Pelo jeito, ainda não foi desta vez.

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