Campos Neto: presidente também falou sobre o ciclo de corte de juros (Tuane Fernandes/Bloomberg/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 17 de agosto de 2023 às 14h10.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta-feira, 17, que não propôs acabar com o parcelamento sem juros do cartão de crédito, mas sim criar "desincentivos" para o crescimento da modalidade mais longa. Ele afirmou não ter visto o projeto final do Congresso sobre o tema.
"Não tem solução tomada sobre parcelado sem juros. A solução sobre rotativo e parcelado sem juros provavelmente será tomada pelo CMN [Conselho Monetário Nacional], e o BC é apenas um voto. Precisamos ter uma solução que equilibre, porque não pode ter inadimplência tão grande em cartões que leve à reversão do produto", afirmou o presidente do Banco Central, em entrevista ao portal Poder 360.
Campos Neto repetiu que a massa de operações no cartão de crédito no parcelado sem juros é três vezes maior que as vendas com juros. "Aliado a isso, outro problema foi o crescimento rápido da emissão de cartões, que passou de 100 milhões para 220 milhões. Com mais cartões no parcelamento sem juros, a inadimplência ficou muito grande", repetiu.
Segundo ele, mesmo com a Selic parada, o juro do rotativo do cartão de crédito subiu quase 70%. "Novos entrantes do mundo de cartões, principalmente no varejo, emitiram muito de cartões", acrescentou.
O presidente do BC disse que está trabalhando com o governo em busca de soluções técnicas que sejam viáveis de serem aprovadas no Congresso. "Ninguém quer criar solução que crie ruptura e prejudique o consumo e gere impacto para as pessoas. A solução vai passar por aspecto técnico e aspecto político", concluiu.
Campos Neto disse que a barra para aumentar ou reduzir o ritmo de cortes da Selic para além de 0,50 ponto porcentual por reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) é bastante alta.
"A gente enxerga que o ciclo de 0,50 ponto porcentual é apropriado. A barra é alta para mudar o ritmo tanto para cima quanto para baixo", afirmou Campos Neto, em entrevista ao portal Poder 360. "Estamos olhando inflação corrente, expectativas e hiato", completou.
Campos Neto revelou que defendeu uma sinalização de porta aberta ao corte de juros na reunião de junho, assim como votou por um corte mais expressivo em agosto.
No começo do mês, o Copom optou por iniciar o ciclo de afrouxamento monetário com uma queda de 0,50 ponto porcentual dos juros básicos, para 13,25% ao ano, o que surpreendeu uma parte do mercado, que apostava majoritariamente em uma queda mais "parcimoniosa", de 0,25 ponto. O colegiado sinalizou ainda a manutenção do ritmo de cortes nas próximas reuniões.
O presidente do Banco Central disse também que a divisão da última reunião do Copom reflete a divisão que já havia ocorrido sobre a comunicação de próximos passos da reunião de junho.
"No Copom de junho, havia uma divisão muito grande sobre porta aberta ou fechada para redução de juros na comunicação sobre a reunião de agosto. A gente não sabia qual seria a nova meta de inflação (para 2026) e qual seria o efeito nas expectativas de mercado", afirmou Campos Neto. "Entre um Copom em outro foi decidida a meta de 3,0% e as expectativas ficaram mais próximas da meta. A dinâmica de inflação também ficou um pouco melhor", completou.
Ele destacou que os membros do Copom que queriam deixar a porta fechada para cortes em junho votaram pelo corte de 0,25 ponto porcentual, enquanto quem queria deixar a porta aberta entendeu que já havia condições para um corte de 0,50 ponto porcentual.
O presidente do Banco Central repetiu que nunca cogitou entrar para a política partidária. "Meu avô tinha horror de que a gente um dia entrasse para a política. Ele passava um bom tempo dizendo que era muita frustração, um trabalho duro. Ele falava para a gente tentar fazer coisas mais técnicas, ligadas ao mundo privado", afirmou.
Ele afirmou que quando acabar o seu período no Banco Central, provavelmente irá ingressar no mundo privado "em algum tipo de projeto".
Campos Neto tem mandato na presidência do BC até o fim de 2024. Ele lembrou que sugeriu que a lei de autonomia da instituição proibisse a recondução do presidente. "O mandato de quatro anos no BC é bastante, dá para fazer bastante coisa", acrescentou.
Questionado sobre as diferenças entre presidir o BC nos governos Bolsonaro e Lula, ele reiterou a necessidade de mostrar que o trabalho da autarquia é técnico. "Estou há pouco tempo no governo Lula, acho que as coisas vão se acomodando. Não podemos descuidar da inflação, senão ela volta e vem indexação", respondeu. "Passamos por um teste de transição de governos agora. Críticas fazem parte do processo. Eu estava preparado e tive críticas também no outro governo. As pessoas esquecem disso muito rápido", concluiu.
Campos Neto avaliou que o resultado primário superavitário do ano passado foi beneficiado por uma inflação mais alta e pelo congelamento dos salários do funcionalismo. No primeiro semestre deste ano, o Governo Central registrou déficit primário de R$ 46,5 bilhões.
"A arrecadação tem surpreendido para baixo em alguns casos, apesar de economia crescendo mais. Quando passa a consumir menos bens e consome mais serviços, ou quando o crescimento é mais baseado em agricultura, a arrecadação é menor", afirmou Campos Neto.
Para o presidente do BC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está muito empenhado com a melhoria do resultado fiscal. "Não é trabalho fácil de fazer. E não adianta criar soluções que não sejam estruturais", avaliou. Mais uma vez ele defendeu a aprovação de medidas de arrecadação para que o governo consiga realizar um resultado fiscal zero em 2024.
"O grande questionamento é se essas medidas de receita vão ser aprovadas e gerarão o impacto esperado", avaliou Campos Neto. "O resultado fiscal não precisa ser exatamente zero. O que o mercado observa é qual é o tipo de sucesso que teremos no caminho em direção ao equilíbrio das contas", completou.
Campos Neto destacou novamente que o Brasil precisa endereçar de forma estrutural o crescimento real do gasto público, que neste e nos próximos anos deve ficar bem acima do esperado em outros países emergentes. Ele citou mais uma vez a aprovação de uma reforma administrativa como uma medida que tem efeito de longo prazo com ganhos que podem ser antecipados.
"Eu vejo alguns anseios injustos. Eu entendo que existe anseio em cortar gastos, mas 40% da despesa está indexada por lei. Se fosse fácil já teria sido feito", concluiu o presidente do BC.
O presidente do BC disse que a autonomia da instituição - aprovada em lei no governo passado - é um processo cujos fundamentos vão sendo incorporados ao longo do tempo. "Estamos passando pelo primeiro grande teste da autonomia, em um ambiente em que o País está polarizado. Vamos incorporando diretores novos, que às vezes têm vertentes de pensamento novas, que vão incorporando ao debate. Temos aprendido muito na parte de como fazer os debates e na comunicação", afirmou.
Questionado sobre as críticas do governo Lula à atuação do BC ao longo deste ano, Campos Neto voltou a citar a polarização política no Brasil e reforçou que é necessário respeitar o resultado das urnas.
"Entrou um novo presidente que tem opiniões sobre juros. Mas a história vai mostrar ao longo do tempo que as decisões do BC foram técnicas. O BC parou de subir os juros muito perto das eleições. O resultado do que foi feito está aí", completou o presidente do BC.
Campos Neto disse ainda que em nenhum momento pensou em sair do BC, apesar das críticas até pessoais. "As decisões não são tomadas só pelo presidente. Se eu saísse do BC, estaria colocando em risco avanço institucional da autonomia", acrescentou.