Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h24.
De Shenzen, no sul da China, até Campinas a viagem e a expectativa são enormes, especialmente para quem não fala português. Afora os clichês sobre samba, Pelé e futebol, o Brasil é uma caixa-preta para os chineses. Os engenheiros da Huawei na cidade são jovens, solteiros, sem família e trabalham por empreitada. Desenvolvem um projeto, concluem e voltam. A primeira coisa que aprendem a dizer é: "Obrigado, tchau, tchau".
Inaugurada em agosto, a fábrica de Campinas é a mais recente da Huawei, um grupo que emprega 9 mil funcionários (60% deles com mestrado ou doutorado), fatura 2,6 bilhões de dólares e atua em 41 países produzindo infra-estrutura para telefonia fixa e celular. A nova fábrica emprega 100 funcionários, sendo 15 chineses nos cargos de gerência. A Huawei é a última grande empresa de tecnologia da informação a se instalar na região metropolitana de Campinas atraída pela expansão do mercado brasileiro. Entre seus vizinhos há nomes como Lucent, Motorola, Microsoft, IBM, Nextel, Compaq e Hewlett-Packard. "Campinas é um dos centros mundiais de tecnologia da informação", diz Xia Jian, 35 anos, jovem diretor-geral da Huawei. "Escolhemos a cidade porque ela tem recursos humanos, boa infra-estrutura e um ambiente empresarial excelente." Segundo Jian, Brasil e China têm muito a ganhar com o intercâmbio. Para ele, os brasileiros são generosos, otimistas e simpáticos. "A picanha e a feijoada também são ótimas", afirma.
Escolher Campinas foi fácil. A cidade cresce 4% ao ano e gera 60 bilhões de dólares, 9% do PIB brasileiro (o equivalente ao PIB do Chile). Sua renda per capita é de 9,8 mil dólares. O município é o quarto do país - depois de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte - em volume de câmbio em comércio exterior. A região metropolitana engloba 29 municípios e 2,2 milhões de habitantes, conectados com o mercado de 10 milhões de consumidores de São Paulo por ferrovias e rodovias de primeira linha, como Bandeirantes, Dom Pedro I, Anhangüera e Santos Dumont. O Aeroporto Internacional de Viracopos - que receberá investimentos de 9 milhões de dólares para expandir-se em 2002 - é o maior do Brasil em volume de carga.
Além das empresas de tecnologia da informação, há os setores químico, têxtil, agroindustrial e metal-mecânico, com plantas complexas como as linhas de montagem da Honda e da Toyota. Na região de Campinas funcionam a Replan, refinaria de petróleo de maior produção do país, e fábricas de companhias como Bosch, Mercedes-Benz, Caterpillar, Pirelli Pneus, Champion, Fibra, Ober e Polynka. "Hoje, o crescimento industrial da cidade é proporcional à massa das empresas já instaladas", diz o físico Rogério Cerqueira Leite, secretário de Cooperação Internacional da prefeitura. "Chegou-se a um ponto que não tem mais volta."
A educação é um dos combustíveis dessa expansão. Com 968 mil habitantes, a cidade conta com três universidades (Unicamp, PUC e Unip) e dezenas de faculdades privadas. A mais nova é a Faculdade de Administração de Campinas (Facamp), criada pelos economistas João Manoel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Beluzzo, ex-professores da Unicamp. Há ainda inúmeros institutos de pesquisa, como a Fundação CPqD de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, o Instituto Nacional de Tecnologia de Informação, o Instituto Agronômico de Campinas, o Laboratório Nacional de Luz Sincontron e o Instituto de Tecnologia de Alimentos. "Essa mão-de-obra especializada troca de emprego e circula entre empresas e institutos gerando cultura e negócios", diz Cerqueira Leite.
De 1995 a maio de 2000, Campinas atraiu 15 bilhões de dólares dos investimentos anunciados para o estado de São Paulo - 15,57% do total, segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Boa parte do dinheiro vai para o setor de serviços. Doze hotéis estão sendo construídos na cidade. Os condomínios de casas para a classe média alta, como Alphaville 2, Barão do Café, Arvoredo e Parque das Hortênsias, também crescem.
De olho nesse potencial de consumo, estimado em 4,6 bilhões de dólares só para o município, o grupo português Sonae deve inaugurar em março do ano que vem o Parque Dom Pedro Shopping, o maior shopping center da América Latina. Serão 390 lojas, restaurantes e cinemas, com 105 mil metros quadrados de área para locação. Para percorrer tudo é preciso andar 1,5 quilômetro. O Sonae investiu 200 milhões de reais no projeto. "Escolhemos bem. É a região com maior renda per capita do Brasil. São 29 municípios ricos", diz o engenheiro português João Pessoa Jorge, diretor da Sonae Enplanta, construtora do empreendimento.
Esse crescimento e essa prosperidade, porém, têm um custo. A violência e a criminalidade afligem a cidade. Em outubro passado, o prefeito Antonio da Costa Santos (PT) foi assassinado em um shopping, em circunstâncias ainda não esclarecidas. A nova prefeita, a ex-professora da Unicamp Isalene Tiene, quer enfrentar a situação. "Nosso desafio é integrar a periferia", diz ela. "Há empregos qualificados nos serviços, mas há muito desemprego na indústria." O crime jogou uma nuvem sobre a cidade, ciosa da sua alta qualidade de vida. "Foi um choque. Mas despertou Campinas da letargia", afirma Luis Norberto Pascoal, líder do grupo DPaschoal, do varejo de pneus. "A cidade acordou e está reagindo. Todos querem participar. Vamos enfrentar o problema."