Bandeira da China em Xangai: governo faz campanha por austeridade (Tomohiro Ohsumi/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 3 de março de 2014 às 07h48.
São Paulo -- Zhang Hongbao, que administra uma casa funerária em Xangai há mais de uma década, diz não se lembrar da última vez em que o negócio esteve tão morto.
“Os funcionários do governo não ousam gastar muito em funerais”, disse Zhang, dono da Shanghai Funeral Service (China) Co., em entrevista. “É o pico do impulso anticorrupção. Eles optam por cerimônias simples, convidam menos gente e realizam eventos mais silenciosos ao invés dos rituais barulhentos de antes”.
Zhang, que diz que os lucros caíram 20 por cento nos últimos 12 meses, ilustra como o impulso do presidente Xi Jinping para cortar a corrupção pela raiz está se transformando em uma campanha de austeridade mais ampla que se espalha para pequenas empresas na segunda maior economia do mundo. O que começou como uma luta contra a extravagância, que pôs um fim às crescentes vendas de Ferraris e bolsas Gucci, agora está minando a demanda por itens como fogos de artifício e cartões comemorativos.
“Sempre há um dano colateral”, disse Dariusz Kowalczyk, estrategista em Hong Kong do Crédit Agricole SA. “Há efeitos secundários negativos que ninguém queria, mas essa é uma grande economia e, ao criar uma regra para um mercado desse tamanho, você não pode cuidar de todas as nuances, e é inevitável”.
Desaceleração da China
Em janeiro, o Crédit Suisse Group AG atribuiu ao esforço anticorrupção a redução de sua projeção para o crescimento do PIB e o consumo real no país. Como os analistas estimam que o PIB da China crescerá ao ritmo mais lento em mais de duas décadas, os investidores buscarão atualizações sobre a política econômica quando o Congresso Nacional do Povo iniciar sua reunião anual de duas semanas neste semana.
Xi tornou a luta contra a corrupção uma de suas maiores prioridades desde que substituiu Hu Jintao como líder da China no fim de 2012. Dois dias depois de se tornar chefe do Partido Comunista, o People’s Daily publicou que Xi alertou os colegas de liderança de que a corrupção poderia levar à morte do Estado e comparou a corrupção a um corpo em decomposição que atrai vermes. Desde então ele subiu o tom da campanha, prometendo ir atrás de “tigres e moscas” -- funcionários do alto e do baixo escalão --, mirando militares, autoridades provinciais e empresas estatais.
Embora o governo não tenha visado explicitamente as empresas, os produtos de luxo foram logo atingidos. Em 2013, as vendas na China de relógios suíços de alto padrão caíram, assim como as vendas da Ferrari, marca da Fiat SpA, e da Lamborghini, pertencente à Volkswagen AG. De uma forma global, em 2013 o mercado do luxo da China, de 116 bilhões de yuans (US$ 19 bilhões), cresceu ao ritmo mais lento neste milênio, segundo a Bain Co.
Para Zhang, o dono da casa funerária, a repressão vai além dos itens caros. O governo divulgou um aviso no ano passado ordenando que os membros do partido dessem o exemplo com funerais simples e sóbrios, proibindo-os de se aproveitarem do dinheiro para condolências, segundo a agência oficial de notícias Xinhua.
A China está levando tão a sério sua campanha que muitas províncias pediram que os funcionários devolvessem cartões de presentes, que podem ser trocados por dinheiro, e o governo despachou inspetores para os caixas dos shopping-centers para checar o uso de cartões de presentes durante o Festival da Lua, no ano passado, segundo a Bain.
A ofensiva do governo está repercutindo em todo o país e o impulso é uma medida correta para a saúde da economia, pois ajudará a cortar pela raiz as ineficiências da corrupção, disse Yao Wei, economista para a China do Société Générale SA.
Para empresários como Zhang, da casa funerária de Xangai, essa retomada não ocorrerá em breve.
“Não há muito o que fazer além de tentar realizar mais cerimônias menores para compensar o lucro perdido”, disse ele. “Isso não afetou apenas a minha empresa. Outras empresas do setor também disseram que estão ganhando menos que antes”.