Economia

Preço da gasolina tende a cair em meio à briga entre gigantes do petróleo

Enquanto o insumo acumula queda de cerca de 13% nas refinarias brasileiras neste ano, o valor nas bombas caiu 0,5%. Cenário externo pode reduzir defasagem

Combustível na bomba: (Martin Divisek/Bloomberg)

Combustível na bomba: (Martin Divisek/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 9 de março de 2020 às 13h47.

Última atualização em 9 de março de 2020 às 15h40.

São Paulo - A queda vertiginosa das cotações do petróleo nesta segunda-feira (09) pode acelerar a redução dos preços da gasolina nas bombas brasileiras, bastante descolados dos praticados pela Petrobras. O cenário é reflexo da briga de egos que eclodiu no fim de semana entre dois produtores gigantes da commodity, Rússia e Arábia Saudita, levando o petróleo a desabar 20%, no maior recuo desde a Guerra do Golfo.

Para além do impacto desse cenário nos mercados globais e no doméstico, onde a Bolsa teve as operações interrompidas logo após a abertura, pois caía mais de 10%, o movimento tende a corrigir a defasagem entre os valores praticados pela petroleira e os que chegam ao consumidor brasileiro, dizem analistas ouvidos pela EXAME.

O preço do petróleo no mercado internacional caiu 46% em janeiro, 34% em fevereiro e 39% no acumulado de março, em função da desaceleração global gerada pelo avanço do surto de coronavírus no mundo. Esses valores são repassados num ritmo menor no Brasil, porque também sofrem efeito, embora menor, da desvalorização cambial.  

Enquanto o valor do insumo acumula queda de cerca de 13% nas refinarias brasileiras só neste ano, em que a petroleira já anunciou cinco cortes, o valor nas bombas recuou só 0,5%. Essa defasagem é calculada em até 15% pelo banco BV ante 4% calculados na sexta-feira (06). Até o encerramento do dia, porém, a depender do desenrolar do conflito, o número pode chegar a 20%, segundo Roberto Padovani, economista-chefe da instituição.

"Dá para dizer que existe bastante espaço para a Petrobras reduzir preço, mas isso não necessariamente justificaria um corte rapido", diz Padovani.

A política de preços da estatal leva em consideração dois parâmetros: o preço da commodity no golfo pérsico e na Europa e a taxa de câmbio no Brasil.  "Usualmente, no entanto, a Petrobras não age imediatamente após um choque, mas espera umas ou duas semanas", diz Júlia Passabom, economista especialista em inflação do Itaú Unibanco.

Além dos preços internacionais e do câmbio, o valor da gasolina que chega na bomba dos postos é influenciado por outros fatores de determinação de preço, acrescenta Passabom. Isso porque, para a cadeia como um todo, importa a margem do distribuidor e a do posto de gasolina, além de impostos e o preço do etanol, que é misturado ao combustível.

"Há momentos em que os preços nas refinarias e nas bombas se descolam por razões externas, mas a tendência é que isso se normalize", diz. O gráfico abaixo, produzido pela equipe do Itaú mostra bem esse movimento de correlação entre os preços às refinarias e ao consumidor e o recente descolamento.

Preço da gasolina nas refinarias e nas bombas

Antes de ser influenciado pelos anúncios do fim de semana, o preço do Petróleo já contava com duas forças com efeito baixista, ligadas à epidemia de coronavírus no mundo: uma do lado da oferta e outra da demanda. "A desaceleração na economia global tem jogado para baixo os preços das commoodities. Agora, quanto tempo essa pressão vai durar e os preços finais após esse processo não sabemos", diz Passabom.

"Precisamos ver se esses preços no Golfo vão se sustentar por muito tempo, e se a pressão da Rússia contra a produção de óleo de xisto nos Estados Unidos vem para ficar. Se os russos conseguirem manter o desafio lançado e o atuais patamares de preços continuarem assim por mais tempo, algum repasse vai ter que acontecer", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Caldo ruim

A guerra de preços deflagrada por Arábia Saudita e Rússia neste fim de semana foi mais um complicador para a economia brasileira, já submersa em suas próprias incertezas políticas. 

O impacto mais imediato disso estamos vendo nos mercados hoje, com investidores mais cautelosos. Junto a essa maior cautela, porém, podem vir "a pressão sobre o câmbio, a queda na confiança de empresários e consumidores, que inibem novas decisões de investimento, de consumo, de crédito e reforça a ideia de menos crescimento", diz Padovani. 

No caso de o câmbio atingir a marca dos cinco reais, como o próprio ministro da economia cogitou na semana passada - quando o cenário geral estava um pouco menos complicado, exportadores e importadores tendem a pausar decisões de negócios e, eventualmente, até decidir se absorvem o custo ou repassam para o consumidor. "Essas dificuldades vão ficar muito concretas ao longo das proximas semanas", diz Vale.

Nesse cenário, a decisão do Banco Central sobre um eventual corte na Selic fica mais evidente, segundo Vale, porque a atividade tende a piorar. "O impacto externo no câmbio tende a ser temporário e voltar daqui há alguns meses, mas o impacto na atividade pode levar mais tempo. Isso reforça que a preocupação com o cenário de atividade no Brasil está aumentando", diz Vale.

O mercado passou a ver crescimento econômico abaixo de 2% este ano pela primeira vez no boletim Focus desta segunda-feira, que reúne a mediana das expextativas compiladas pelo Banco Central. 

No que depender do calor dos acontecimentos,  uma nova rodada de cortes nas previsões sobre o PIB de 2020 vem aí.

 

 

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