Economia

Brexit reabre feridas no centro da crise de 2008 no Reino Unido

Muitas das regiões que apoiaram fortemente a saída da UE – e o nordeste é uma delas – correm o risco de ser as mais prejudicadas

Decisão de sair do bloco abalou as expectativas (Dan Kitwood/Getty Images)

Decisão de sair do bloco abalou as expectativas (Dan Kitwood/Getty Images)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 16 de setembro de 2018 às 07h00.

Última atualização em 16 de setembro de 2018 às 07h00.

Nos resistentes subúrbios de Newcastle, cidade natal do banco onde a crise financeira do Reino Unido começou, as pessoas se acostumaram a viver à beira do abismo.

Elas perderam dois ícones em uma rápida sucessão há pouco mais de 10 anos, quando os estaleiros do rio Tyne, uma pedra angular da Revolução Industrial, finalmente sucumbiram à concorrência global, e quando o banco Northern Rock entrou em colapso – exatamente um ano antes da quebra do Lehman Brothers em 2008.

Uma era de cortes no gasto público piorou a miséria em uma região da Inglaterra que mais dependem do Estado para obter empregos e previdência social.

Agora, a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia poderia estar prestes a causar mais um abalo. Como os preços dos alimentos estão subindo, os salários não estão conseguindo acompanhar o ritmo e o Banco da Inglaterra voltou a elevar os juros, o número de pessoas que pede ajuda para administrar suas dívidas está aumentando – com ecos alarmantes do passado.

“Muita gente está vivendo no limite”, disse Mark Almond, diretor da Citizens Advice Bureau para a região de North Tyneside. A organização faz parte de uma rede de instituições de caridade com assessores em todo o país. “A realidade é que, se você não tiver suficiente dinheiro para pagar a conta de luz e gás, pagar o aluguel e alimentar sua família, não importa o quanto você seja otimista: isso é um problema.”

O nordeste da Inglaterra ilustra a situação precária de muitas partes do Reino Unido apenas seis meses antes de o país sair da UE. O sistema bancário está mais regulado, mas a crise financeira ameaça voltar para muitas famílias vulneráveis a outra retração econômica.

A região também reflete um paradoxo no coração do Brexit: muitas das regiões que apoiaram fortemente a saída da UE – e o nordeste é uma delas – correm o risco de ser as mais prejudicadas.

No nordeste, o salário semanal bruto está quase 10 por cento abaixo da média do Reino Unido, e a região tem a maior proporção de pessoas economicamente inativas no país. A região também tem a taxa mais baixa de poupança e investimento na Inglaterra e foi a única, à exceção de Londres, onde os preços das casas caíram em junho.

Entre os moradores locais, a impressão é que a região é ignorada pela capital, que fica a 450 quilômetros ao sul. Se o nordeste ficasse nos EUA, seria um terreno fértil para Donald Trump, e o ressentimento pelo abandono e pelos empregos mal remunerados ganhou uma oportunidade de eclodir com a votação sobre a saída da UE.

Assim como aconteceu 10 anos atrás, as pessoas não têm margem de erro, de acordo com Almond. Os que pedem ajuda à equipe dele nunca mencionam o Brexit, disse ele. Podem até ter votado por ele, mas estão mais preocupados em pagar as contas e conservar seus benefícios de previdência social do que com as discussões políticas cotidianas de Londres.

O Brexit, disse ele, agora é “um problema ignorado deliberadamente”.

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